sábado, 26 de setembro de 2015

IMAGENS: DILEMA ENTRE LEI E LIBERDADE


"Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto" (Êxodo 20:4).

O uso das imagens sempre foi uma questão polêmica na Igreja. Alguns concordam em usá-las, outros não.
A origem disso, a meu ver, está no fato de o cristianismo ter nascido de gentios e judeus. Os gentios sempre utilizaram imagens. Quanto aos judeus, nunca aceitaram qualquer tipo de representação da Divindade, com base na Lei que lhes foi dada, por intermédio de Moisés. Soma-se a isso a permanente controvérsia sobre quando é que a Lei de Moisés diz respeito a nós, cristãos.
Confesso que não é tarefa fácil discernir na Lei de Moisés aquilo que atingiu seu cumprimento em Cristo, aquilo que foi ordenado somente ao povo judeu e aquilo que é universal, padrão de moralidade para todos os povos.
Alguns obedecem à lei do dízimo rigorosamente. Alguns observam o sábado. Outros, no entanto, guardam o domingo como se fosse um sábado cristão. Alguns comem sangue, outros não, e assim por diante.
Dr. Martinho Lutero nos ajudou muito quanto a isso. Ele ensinou que "a lei de Moisés refere-se aos judeus e, de qualquer maneira, não nos prende mais, pois esta lei foi dada exclusivamente ao povo de Israel, e Israel a aceitou para si e seus descendentes, sendo que, aqui, os gentios estão excluídos". Na mesma obra: "Consideraremos Moisés um mestre, mas não o tornaremos como nosso legislador, a não ser que ele coincida com o Novo Testamento e com A LEI NATURAL". Também: "Os gentios não têm a obrigação de obedecer a Moisés. Moisés é para os judeus o que o direito saxão é para nós (...). Ou seja, quando ele apresenta mandamentos, que não os adotemos, neste ponto, MAIS DO QUE NA MEDIDA EM QUE ELE SE COADUNA COM A LEI NATURAL"
Então acho importante entender o que é Lei natural, para que possamos discerni-la em Moisés. Todos os homens possuem a Lei de Deus gravada em seu coração, não lhes sendo possível fugir dela. S. Paulo ensinou: "Estes (os gentios) mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos" (Romanos 2:15).
Portanto, a Lei natural é universal, estando presente nos judeus e gentios, operando através da consciência. A partir dessa Lei natural o homem descobre o que é virtude e o que é vício, elabora suas leis, evita o erro e procura fazer o que é correto. Então a Lei natural é um freio de Deus ao pecado humano, sobretudo às pessoas que não creem. É por isso que as leis das nações e povos pouco diferem quanto ao que é moral e ético e quanto ao que não é.
Na Lei de Moisés nós encontramos a lei natural e uma série de outras leis exclusivas do povo judeu. Algumas dessas leis dizem respeito ao culto, outras ao Estado. Obviamente, não temos que obedecer à Lei de Moisés em tudo, porque não somos judeus. Não irei sacrificar animais a Deus, nem me circuncidar, nem observar o sábado santo ou celebrar as festas judaicas, porque foram ordenanças específicas ao povo judeu. Não me é ordenado o jubileu, a abstenção de sangue e de outros alimentos, a entrega do dízimo, a dedicação dos primogênitos, a purificação após polução e após tocar em coisa impura. De acordo com as leis brasileiras, não posso ter mais de uma esposa, suscitar descendência ao meu irmão através de minha cunhada, nem pôr para fora da cidade quem tem lepra, e assim vai.
Portanto, a Lei de Moisés nos diz respeito à medida em que concorda com a lei natural. É essa a Lei que vale para nós, cristãos, conforme profetizou Jeremias: "Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no seu coração lhas inscreverei" (Jeremias 31:33).
Algumas leis são muito curiosas e, sem análise do contexto, não poderão ser corretamente compreendidas. A lei foi entregue a Moisés quando o povo de Israel marchava pelo deserto com o intuito de instalar-se na terra dos cananeus. Muitas práticas pagãs dos cananeus foram proibidas ao povo judeu, como a prostituição cultual, cortar o cabelo em redondo, não fazer marcas no corpo e não ferir o corpo por causa dos mortos. Aqui também entra a questão das imagens, que eram usadas pelos povos cananeus para adoração de seus deuses.
Nessas leis, Deus não está preocupado com a coisa em si. Por exemplo, que mal há em marcar o corpo ou cortar o cabelo em redondo? A pessoa poderá ficar feia, mas isso não é imoral. Deus está preocupado com o culto pagão que há por trás dessas práticas e deseja preservar seu povo disso, conhecendo bem suas inclinações naturais.
Com as imagens é exatamente a mesma coisa. As imagens nada mais são que representações de algo sagrado e arte. Não acredito que haja no mundo alguém tão rude que considere uma imagem o seu Deus. Os povos pagãos cultuam suas divindades através de suas representações, que são as imagens. Obviamente, o problema moral envolvido não está no uso das imagens, mas no culto a deuses falsos. 
O uso de imagens não é nada mais que arte. Como toda arte, as imagens são feitas para despertar sentimentos e enlevar a alma. Qualquer arte que não toca os sentimentos não tem o direito de ser chamada de arte. É por isso que, quando olhamos para um crucifixo - refiro-me aos que gostamos - sentimos pesar, força para prosseguir, consolo, a depender do propósito do artista. Algumas imagens são tão reais que elas nos fazem sentir que estamos diante da própria pessoa ou deus. Entretanto, nosso coração não se volta para a imagem, mas para a pessoa ou deus que ela representa. A imagem serve apenas para aguçar um sentimento que já existe, seja ele piedoso ou pecaminoso.
O uso de imagens está tão neutro na Lei natural, que nenhum povo condenou seu uso, a não ser os judeus e quem foi influenciado por eles, como ocorre em segmentos do cristianismo e no muçulmanismo. Não é imoral usar imagens. A imoralidade está em cultuar deuses que não são deuses, deixando de lado o único Deus.
Deus mesmo ordenou que os judeus fizessem imagens. Por exemplo, o tabernáculo foi todo ornamentado por imagens de querubins. O propiciatório foi coberto por duas imagens de querubins. Para a confecção dessas imagens, Deus dotou alguns artistas de uma habilidade especial, para que essas imagens ficassem perfeitas, muitíssimo reais. Deus também ordenou que um verdadeiro crucifixo fosse confeccionado pelo povo judeu, para o qual todos deveriam dirigir seu olhar. Esse crucifixo é a imagem da serpente de bronze posta em uma haste, que representava Jesus. Depois Salomão, ao erguer um templo, encheu-o de imagens de querubins, seguindo à prescrição divina. 
Eu acho que a melhor maneira de distinguir em Moisés o que é judeu e o que é universal, ou seja, Lei natural, é sempre perguntar: fazer isso ou deixar de fazê-lo é imoral? Prejudica a mim ou ao próximo? Vai contra o princípio do amor, que é o cumprimento da Lei?
São Paulo permitiu aos cristãos comerem carne sacrificada aos ídolos, porque o erro não estava em comer a carne, mas em participar de ritos idólatras com sacrifício de animais.
Alguns gostam de argumentar que a proibição das imagens está no Decálogo e, por esse motivo, é mandamento universal. Bem, lá está também o sábado, que de maneira alguma está inscrito no coração de ninguém, sendo uma ordenança exclusiva ao povo judeu, pura letra. Foi assim que Isaías profetizou: "E será que, de uma festa da lua nova à outra e de um sábado a outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o SENHOR" (Isaías 66:23). Quer dizer, todos os dias entre um sábado e outro são dias de adorar a Deus, são dias santos, não menos que o sábado. Isso sim é lei moral, compreendida na lei: "Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" (Deuteronômio 6:5). Então perceba que adorar a Deus somente no sábado é imoral, porque transgride o maior de todos os mandamentos, que é cultuar a Deus continuamente. Deus ordenou que se reservasse um dia para seu culto devido ao contexto da época, que aliás é nosso contexto também, em que os empregados são explorados por seus patrões, não tendo um dia sequer na semana para poder ouvir a Palavra de Deus. Foi por isso que Jesus disse: "O sábado foi estabelecido por causa do homem" (Marcos 2:27), para que ele tenha tempo para ouvir a Palavra de Deus e receber os sacramentos.
Considerar o uso de imagens um culto estranho acho exagero. Culto estranho é adorar a Deus por meio de obras e sem o coração, como fazem os pagãos. Quando não há coração, até cultos ordenados por Deus se tornam estranhos e abomináveis, como pregou o profeta Isaías: "Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e certamente as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniquidade associada ao ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer. Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue" (Isaías 1:12-15). Porém, para aquele que adora a Deus em espírito e em verdade, interiormente, segundo a natureza da verdadeira fé, valem as palavras de S. Paulo: "Todas as coisas são puras para os puros" (Tito 1:15).
Para concluir, quero deixar a opinião de Dr. Martinho Lutero sobre as imagens: "Imagens, sinos, estola, decorações de igreja, altar, velas e coisas semelhantes, considero livres. Quem quiser pode aboli-las. Quadros bíblicos e boas histórias, no entanto, considero bastante úteis, mas livres e opcionais, pois não sou partidário dos iconoclastas". Ele permite, com a autoridade da Bíblia e da tradição católica, seu uso livre ou adiáforo, quer dizer, nem errado, nem certo, a depender do gosto do cristão por esse tipo específico de arte.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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