sábado, 26 de setembro de 2015

IMAGENS: DILEMA ENTRE LEI E LIBERDADE


"Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto" (Êxodo 20:4).

O uso das imagens sempre foi uma questão polêmica na Igreja. Alguns concordam em usá-las, outros não.
A origem disso, a meu ver, está no fato de o cristianismo ter nascido de gentios e judeus. Os gentios sempre utilizaram imagens. Quanto aos judeus, nunca aceitaram qualquer tipo de representação da Divindade, com base na Lei que lhes foi dada, por intermédio de Moisés. Soma-se a isso a permanente controvérsia sobre quando é que a Lei de Moisés diz respeito a nós, cristãos.
Confesso que não é tarefa fácil discernir na Lei de Moisés aquilo que atingiu seu cumprimento em Cristo, aquilo que foi ordenado somente ao povo judeu e aquilo que é universal, padrão de moralidade para todos os povos.
Alguns obedecem à lei do dízimo rigorosamente. Alguns observam o sábado. Outros, no entanto, guardam o domingo como se fosse um sábado cristão. Alguns comem sangue, outros não, e assim por diante.
Dr. Martinho Lutero nos ajudou muito quanto a isso. Ele ensinou que "a lei de Moisés refere-se aos judeus e, de qualquer maneira, não nos prende mais, pois esta lei foi dada exclusivamente ao povo de Israel, e Israel a aceitou para si e seus descendentes, sendo que, aqui, os gentios estão excluídos". Na mesma obra: "Consideraremos Moisés um mestre, mas não o tornaremos como nosso legislador, a não ser que ele coincida com o Novo Testamento e com A LEI NATURAL". Também: "Os gentios não têm a obrigação de obedecer a Moisés. Moisés é para os judeus o que o direito saxão é para nós (...). Ou seja, quando ele apresenta mandamentos, que não os adotemos, neste ponto, MAIS DO QUE NA MEDIDA EM QUE ELE SE COADUNA COM A LEI NATURAL"
Então acho importante entender o que é Lei natural, para que possamos discerni-la em Moisés. Todos os homens possuem a Lei de Deus gravada em seu coração, não lhes sendo possível fugir dela. S. Paulo ensinou: "Estes (os gentios) mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos" (Romanos 2:15).
Portanto, a Lei natural é universal, estando presente nos judeus e gentios, operando através da consciência. A partir dessa Lei natural o homem descobre o que é virtude e o que é vício, elabora suas leis, evita o erro e procura fazer o que é correto. Então a Lei natural é um freio de Deus ao pecado humano, sobretudo às pessoas que não creem. É por isso que as leis das nações e povos pouco diferem quanto ao que é moral e ético e quanto ao que não é.
Na Lei de Moisés nós encontramos a lei natural e uma série de outras leis exclusivas do povo judeu. Algumas dessas leis dizem respeito ao culto, outras ao Estado. Obviamente, não temos que obedecer à Lei de Moisés em tudo, porque não somos judeus. Não irei sacrificar animais a Deus, nem me circuncidar, nem observar o sábado santo ou celebrar as festas judaicas, porque foram ordenanças específicas ao povo judeu. Não me é ordenado o jubileu, a abstenção de sangue e de outros alimentos, a entrega do dízimo, a dedicação dos primogênitos, a purificação após polução e após tocar em coisa impura. De acordo com as leis brasileiras, não posso ter mais de uma esposa, suscitar descendência ao meu irmão através de minha cunhada, nem pôr para fora da cidade quem tem lepra, e assim vai.
Portanto, a Lei de Moisés nos diz respeito à medida em que concorda com a lei natural. É essa a Lei que vale para nós, cristãos, conforme profetizou Jeremias: "Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no seu coração lhas inscreverei" (Jeremias 31:33).
Algumas leis são muito curiosas e, sem análise do contexto, não poderão ser corretamente compreendidas. A lei foi entregue a Moisés quando o povo de Israel marchava pelo deserto com o intuito de instalar-se na terra dos cananeus. Muitas práticas pagãs dos cananeus foram proibidas ao povo judeu, como a prostituição cultual, cortar o cabelo em redondo, não fazer marcas no corpo e não ferir o corpo por causa dos mortos. Aqui também entra a questão das imagens, que eram usadas pelos povos cananeus para adoração de seus deuses.
Nessas leis, Deus não está preocupado com a coisa em si. Por exemplo, que mal há em marcar o corpo ou cortar o cabelo em redondo? A pessoa poderá ficar feia, mas isso não é imoral. Deus está preocupado com o culto pagão que há por trás dessas práticas e deseja preservar seu povo disso, conhecendo bem suas inclinações naturais.
Com as imagens é exatamente a mesma coisa. As imagens nada mais são que representações de algo sagrado e arte. Não acredito que haja no mundo alguém tão rude que considere uma imagem o seu Deus. Os povos pagãos cultuam suas divindades através de suas representações, que são as imagens. Obviamente, o problema moral envolvido não está no uso das imagens, mas no culto a deuses falsos. 
O uso de imagens não é nada mais que arte. Como toda arte, as imagens são feitas para despertar sentimentos e enlevar a alma. Qualquer arte que não toca os sentimentos não tem o direito de ser chamada de arte. É por isso que, quando olhamos para um crucifixo - refiro-me aos que gostamos - sentimos pesar, força para prosseguir, consolo, a depender do propósito do artista. Algumas imagens são tão reais que elas nos fazem sentir que estamos diante da própria pessoa ou deus. Entretanto, nosso coração não se volta para a imagem, mas para a pessoa ou deus que ela representa. A imagem serve apenas para aguçar um sentimento que já existe, seja ele piedoso ou pecaminoso.
O uso de imagens está tão neutro na Lei natural, que nenhum povo condenou seu uso, a não ser os judeus e quem foi influenciado por eles, como ocorre em segmentos do cristianismo e no muçulmanismo. Não é imoral usar imagens. A imoralidade está em cultuar deuses que não são deuses, deixando de lado o único Deus.
Deus mesmo ordenou que os judeus fizessem imagens. Por exemplo, o tabernáculo foi todo ornamentado por imagens de querubins. O propiciatório foi coberto por duas imagens de querubins. Para a confecção dessas imagens, Deus dotou alguns artistas de uma habilidade especial, para que essas imagens ficassem perfeitas, muitíssimo reais. Deus também ordenou que um verdadeiro crucifixo fosse confeccionado pelo povo judeu, para o qual todos deveriam dirigir seu olhar. Esse crucifixo é a imagem da serpente de bronze posta em uma haste, que representava Jesus. Depois Salomão, ao erguer um templo, encheu-o de imagens de querubins, seguindo à prescrição divina. 
Eu acho que a melhor maneira de distinguir em Moisés o que é judeu e o que é universal, ou seja, Lei natural, é sempre perguntar: fazer isso ou deixar de fazê-lo é imoral? Prejudica a mim ou ao próximo? Vai contra o princípio do amor, que é o cumprimento da Lei?
São Paulo permitiu aos cristãos comerem carne sacrificada aos ídolos, porque o erro não estava em comer a carne, mas em participar de ritos idólatras com sacrifício de animais.
Alguns gostam de argumentar que a proibição das imagens está no Decálogo e, por esse motivo, é mandamento universal. Bem, lá está também o sábado, que de maneira alguma está inscrito no coração de ninguém, sendo uma ordenança exclusiva ao povo judeu, pura letra. Foi assim que Isaías profetizou: "E será que, de uma festa da lua nova à outra e de um sábado a outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o SENHOR" (Isaías 66:23). Quer dizer, todos os dias entre um sábado e outro são dias de adorar a Deus, são dias santos, não menos que o sábado. Isso sim é lei moral, compreendida na lei: "Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" (Deuteronômio 6:5). Então perceba que adorar a Deus somente no sábado é imoral, porque transgride o maior de todos os mandamentos, que é cultuar a Deus continuamente. Deus ordenou que se reservasse um dia para seu culto devido ao contexto da época, que aliás é nosso contexto também, em que os empregados são explorados por seus patrões, não tendo um dia sequer na semana para poder ouvir a Palavra de Deus. Foi por isso que Jesus disse: "O sábado foi estabelecido por causa do homem" (Marcos 2:27), para que ele tenha tempo para ouvir a Palavra de Deus e receber os sacramentos.
Considerar o uso de imagens um culto estranho acho exagero. Culto estranho é adorar a Deus por meio de obras e sem o coração, como fazem os pagãos. Quando não há coração, até cultos ordenados por Deus se tornam estranhos e abomináveis, como pregou o profeta Isaías: "Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e certamente as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniquidade associada ao ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer. Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue" (Isaías 1:12-15). Porém, para aquele que adora a Deus em espírito e em verdade, interiormente, segundo a natureza da verdadeira fé, valem as palavras de S. Paulo: "Todas as coisas são puras para os puros" (Tito 1:15).
Para concluir, quero deixar a opinião de Dr. Martinho Lutero sobre as imagens: "Imagens, sinos, estola, decorações de igreja, altar, velas e coisas semelhantes, considero livres. Quem quiser pode aboli-las. Quadros bíblicos e boas histórias, no entanto, considero bastante úteis, mas livres e opcionais, pois não sou partidário dos iconoclastas". Ele permite, com a autoridade da Bíblia e da tradição católica, seu uso livre ou adiáforo, quer dizer, nem errado, nem certo, a depender do gosto do cristão por esse tipo específico de arte.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O JUSTO - PARTE 2


Jesus representou a humanidade inteira em sua obediência, julgamento, condenação, morte e ressurreição, eliminando todo o pecado. Eu e você estávamos nele quando tudo isso aconteceu. Entretanto, como já comentamos abundantemente na postagem anterior, a apropriação dessa graça depende exclusivamente da fé. Quem se recusa a assumir sua parte na humanidade de Jesus continua com seus pecados, com a consequência dele e senhor de seu destino.
É por isso que sem fé é impossível a salvação humana. Por outro lado, quem tem fé verdadeira em Jesus tem tudo: santidade perfeita, méritos infindáveis, está isento de pecado, livre da morte, ressurreto e já está imerso em Deus, conforme lemos em São Paulo: "Estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo - pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus" (Efésios 2:5-6). Repare no tempo em que S. Paulo conjuga os verbos.
Portanto, quem tem fé já está salvo e já participa da herança de Jesus. Na verdade, quem crê já é Jesus. 
Esta é a suficiência da fé. Quem a tem não precisa de obras. Aliás, a fé recusa as obras como verdadeira afronta à graça que vem de Deus. Consoante a isso, declarou o profeta Habacuque: "EIS O SOBERBO! SUA ALMA É RETA NELE; MAS O JUSTO VIVERÁ PELA FÉ". Também S. Paulo: "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie"(Efésios 2:8-9).
Jesus é O justo. Só pode ser justo diante de Deus quem estiver unido a ele, através da fé.
A fé, no entanto, é coisa boa demais para ser gerada por nossa natureza caída. Quem anda em rebeldia contra Deus não pode aceitá-lo e amá-lo. É um contrassenso juntar rebeldia e confiança num mesmo coração. Mas para que não se pense que a rebeldia está longe demais, entenda como rebeldia o caminho das boas obras como meio de obter a bem-aventurança do Céu. Quem confia em suas obras está desconfiando da suficiência do que Jesus é e fez.
A fé é algo sublime, operada unicamente por Deus em nós e sem nós. Também Deus não a faz de maneira direta ou imediata, mas invariavelmente através do Evangelho. 
O Evangelho é a semente que germina em fé, pela ação do Espírito Santo. Quem lança a semente é a Igreja. Quem faz a semente germinar é o Espírito Santo.
Quando cremos, nós aderimos a Jesus em tudo o que ele é e em toda a sua obra, tornando-nos um com ele, de maneira que se cumpre em nós a Palavras: "Quem, Senhor, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? O que vive com integridade e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade", etc (Salmo 15). O salmo enumera uma série de obras e virtudes jamais encontradas em um ser humano que esteja desconectado de Jesus. Portanto, quem crê em Jesus é também Jesus, pessoa justíssima e digna de adentrar o Tabernáculo do Senhor, inclusive o Santo Lugar. Quem não crê, ainda que exteriormente seja um santo, está perdido, em rebeldia contra Deus e certamente continuará morrendo, pense o que quiser pensar.
A justiça que vem da fé é a única que merece a herança de Jesus. Entretanto, quem é tornado justo dessa maneira não mais viverá em pecado. Quem pode crer em Jesus, tornar-se um com ele, possuir o Espírito Santo e continuar como antes? Tudo há de mudar. Então começa uma outra justiça em nós, esta sim operada por nós mesmos, por nossa mente e por nossos membros, com o auxílio do Espírito Santo. Assim declarou S. João: "Todo aquele que permanece nele (em Jesus) não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o confessou" (1 João 3:6).
Então a primeira justiça é a que de fato importa. É a justiça de Jesus, da qual tomamos parte através da adesão da fé. A outra justiça, que é operada por nós, é fruto da primeira justiça.
Vou ilustrar da seguinte maneira: se um rei muito bondoso resolvesse adotar um mendigo e torná-lo príncipe, é certo que esse mendigo não será mais mendigo e, se morrer no dia seguinte à declaração do rei, morrerá na condição de príncipe. Entretanto, se esse homem, que da noite para o dia foi feito príncipe, viver muitos anos, ele terá que aprender a ser um príncipe de fato, a portar-se como tal. Então virão muitos professores que o ensinarão a ler, a escrever, a comer, a sentar-se, a portar-se em sociedade, a administrar, etc.
Conosco é a mesma coisa. Deus nos aceita como Jesus a partir do momento em que nos é concedido crer nele. A partir de então nos tornamos Jesus e teremos que aprender a ser Jesus. É então que aparece o mestre Espírito Santo a nos ensinar o que e quem devemos amar, como devemos amar e o que devemos odiar.
Este é o dilema cristão de ser e não ser. Sou Jesus e ainda não. Estou sem pecado, mas ainda em pecado. Vivo na carne, mas sou Espírito. Estou no mundo, mas já habito o Céu.

"Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso FRUTO para a santificação e, por fim, a vida eterna" (Romanos 6:22).



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O JUSTO - PARTE 1


"Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar" (Gálatas 3:13).

Grande mistério é o amor de Deus. Amor que se revela, mas que, ao se revelar, torna-se mais misterioso ainda, dada a complexidade envolvida nessa revelação. Quem há que possa entender como Deus e a humanidade inteira estavam num pobre rapaz galileu, chamado Jesus?
Jesus é verdadeiro Deus, igual a Deus Pai, e verdadeiro homem, igual a qualquer um de nós. Para S. Paulo, ele é o segundo Adão (Romanos 5:12-21). Ao mesmo tempo em que nos revela Deus Pai, ele nos revela Adão, o homem perfeito que Deus criou.
Então em Jesus encontramos Deus Pai e nós mesmos. Por isso ele é o mediador entre Deus e os homens: Profeta que nos revela a boa vontade de Deus, sacerdote que nos representa perante ele. É a escada posta entre Jacó e o Céu (Gênesis 28:10-17).
Jesus é tão humano quanto nós. Aliás, ele é mais humano que nós, pois a nossa humanidade se encontra deformada pelo pecado. Como ser humano, novo Adão, ele nos representou perante Deus Pai como perfeito sacerdote. Não sendo pecador, cumpriu a Lei de Deus de maneira perfeita, amando a Deus com todo o coração, toda a alma e toda a força em cada uma de suas obras. Aquilo que Adão bem poderia ter feito, mas infelizmente não fez, foi cumprido cabalmente por Jesus.
Portanto, em Jesus, Deus recriou o homem, começando tudo de novo, para que tudo acontecesse da maneira correta. 
Através de Jesus, que nos representava, todos nós estávamos cumprindo a Lei de Deus de maneira perfeitíssima.
De tal maneira Deus se encantou com o amor e obediência de Jesus, que exclamou do Céu, cheio de satisfação: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mateus 3:17). Mas como Jesus nos representava perante Deus, essas doces palavras de aceitação foram dirigidas também a nós, que estávamos nele. É como se Deus dissesse: "Este é o meu filho Carlos ou Maria ou Pedro ou Tiago ou Davi, em quem me comprazo".
Embora Deus não impute ou atribua o pecado do pai aos seus filhos, conforme nos ensina o profeta Ezequiel, misericordiosamente ele aceita fazer o oposto: atribuir-nos a obediência de Jesus, como se nós tivéssemos obedecido sozinhos, sem ele. 
Foi Jesus quem viveu a nossa santidade. Todos os méritos que temos perante Deus vêm exclusivamente dele. No Jesus obediente estava a humanidade inteira obedecendo a Deus, inclusive eu e você.
É assim que temos vida em Jesus. Porque enquanto houver pecado em nós é impossível que vivamos. Mas se cumprimos com perfeição divina a vontade de Deus, por meio de Jesus, então somos cheios de vida até transbordar.
Contudo, há um aspecto nessa obediência de Jesus que devemos ter sempre diante dos olhos. Se me fosse possível cumprir a Lei de Deus de maneira perfeita, ainda assim não herdaria a vida eterna. Toda a vida dessa obediência de Jesus e todo o mérito auferido se devem ao fato de ele ser verdadeiro Deus. Nenhum homem mereceria tal recompensa, ainda que lhe fosse dado ser tão perfeito quanto Adão. Assim lemos em Gálatas 3:16: "Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo".
Por isso, toda vez que alguém tenta separar a divindade da humanidade de Jesus em suas obras, dividindo-o em duas pessoas, esbarra-se na doutrina da salvação. Não fosse Jesus verdadeiro Deus a cumprir sua própria Lei, certamente estaríamos perdidos, pois a Adão não foi prometida recompensa alguma por aquilo que fizesse ou deixasse de fazer.
Jesus é verdadeiro homem para nos representar perante Deus e verdadeiro Deus, para que nossa obra, realizada por meio dele, merecesse a vida eterna.
Assim como Deus aceitou a obra de Jesus e a recompensou com a vida eterna, por ser seu Filho Unigênito encarnado, também nos aceita como justos e nos recompensa, desde que estejamos ligados a ele. Está escrito: "Proclamarei o decreto do SENHOR: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão". São Paulo chama os cristãos de COerdeiros com Cristo.
Entramos então em uma questão seríssima. Jesus obedeceu a Deus e, por ser seu Filho encarnado, foi recompensado. Toda a humanidade se encontrava na humanidade de Jesus, obedecendo a Deus através dele e sendo recompensada através dele. Entretanto, para que isso se torne realidade em minha vida e na vida de quem quer que seja, é necessário estar ligado a esse Jesus, ser um com ele. E a única maneira de aderir a Jesus, de tornar-se um com ele, é através da fé. Não há outro jeito.
Quem não crê continua em rebelião contra Deus, recusando sua oferta de amor e idolatrando a si mesmo. A adesão a Cristo em sua vida de obediência meritória não pode ser imposta ao homem. É um presente oferecido a todos, sem acepção de pessoas. Aceita-o quem acha que precisa. Quem continua insistindo no contrário, que arque com a consequência de seu pecado e faça por onde de merecer algo de Deus. Como declarou o profeta Habacuque: "Eis o soberbo! Sua alma é reta NELE; mas o justo viverá pela sua fé" (Habacuque 2:4).
Depois de Jesus ter obedecido a Deus em nosso lugar, como se nós mesmos tivéssemos obedecido, ele se entregou à morte de cruz para nos redimir, como representante nosso. São Paulo ensinou: "E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida JUNTAMENTE com ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz " (Colossenses 2:13-15).
No mês de setembro, a cristandade celebra a Santa Cruz, o maior símbolo de sua fé. Não exalta pedaços de madeira, mas o sacrifício que ocorreu ali, sem o qual ninguém poderia ser redimido de seu pecado.
Apesar de ter crescido na Igreja, confesso que demorei muito para compreender o que de fato ocorreu na cruz. Já tinha meus vinte anos quando fui atingido por essa sabedoria que vem de Deus e nunca mais fui o mesmo.
Se através de Jesus eu me torno santíssimo e merecedor do Céu, através de mim pequei, continuo pecando e não mereço nada de Deus, exceto morte eterna. Esse meu pecado precisa ser julgado, condenado e destruído, para que então eu inteiro me torne Jesus. E esta é a minha vontade e necessidade. Um dia quero dizer como S. Paulo: "Estou crucificado com Cristo. Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:19-20).
Quando Jesus padeceu no Getsêmani, foi condenado por Pôncio Pilatos, humilhado, crucificado, desamparado por Deus, arrojado ao inferno como demônio e morto, com ele a humanidade inteira estava sendo condenada, duramente castigada e morta. Junto com Jesus todos os homens morreram física e espiritualmente, foram apartados de Deus e lançados no inferno. Através de Jesus na cruz, a humanidade inteira teve seu calcanhar ferido pela serpente do pecado. Todo o seu pecado foi julgado, condenado e destruído juntamente com Jesus, de maneira que não restou mais nenhum pecado a ser julgado.
Muito se fala de Jesus como tendo se tornado um pecador para salvar pecadores. Entretanto, São Paulo aprofunda essa questão ao chamar Jesus de "pecado": "Aquele que não conheceu pecado, ele (Deus) o fez PECADO por nós" (2 Coríntios 5:21).
Mesmo que isso não tenha nos custado um fio de cabelo sequer, fomos julgados, condenados e destruídos com Jesus.
Mais uma vez é importante que se diga que acaso eu me oferecesse para ser crucificado pelos meus próprios pecados, não querendo precisar de Jesus e recusando-me a tornar-me devedor dele, eu não poderia expiar o meu pecado.
O sacrifício de Jesus na cruz só foi considerado suficiente para destruir nosso pecado por ser ele Deus. Não houvesse Deus mesmo morrido na cruz por nós, continuaríamos sendo destruídos por nosso próprio pecado, sem cessar, por toda a eternidade, ainda que tivéssemos cumprido toda a Lei, através de Jesus.
O segundo propósito do sacrifício de Jesus foi destruir a morte. Jesus foi passivamente destruído por seu pecado, que na verdade era o nosso. Tudo o que o pecado humano merece de Deus foi aplicado nele. Estávamos lá com ele, sendo igualmente destruídos na cruz, embora não tenhamos sentido nada, sequer a dor de uma só bofetada.
À destruição do pecado, porém, não se segue a destruição da morte, que é consequência dele. Eu posso me tornar justo com Jesus, ser julgado, condenado e morto com ele, mas não fosse a morte vencida, eu continuaria morto para sempre.
Foi por isso que Jesus ressuscitou. Ele venceu a morte através de sua ressurreição e estávamos unidos a ele, quando ele ressurgiu. Sobre isso S. Paulo deixou um belo texto, do qual destaco o seguinte versículo: "Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados" (1 Coríntios 15:17).
Obra tão grandiosa como essa não tem preço. Por isso Deus a oferece de graça a quem quer. Quem se indispõe a receber essa obra como sua, continua sozinho com seu pecado e com a morte sem fim, que ele provoca. Quem, porém, anela estar com Jesus em sua obediência, julgamento, condenação, morte e ressurreição, seu lugar na humanidade de Jesus é reconhecido e preservado. Esse desejo se chama fé, por meio da qual nós nos unimos a Jesus em toda a sua obra, tornando-nos Jesus perante Deus, ou seja, seu Amado Filho Unigênito, herdeiro de tudo.
Dr. Martinho Lutero: "Assim, pois, pela fé Cristo está em nós, sim, é uno conosco. Mas Cristo é justo e cumpre todos os mandamentos de Deus, razão pela qual também nós cumprimos todos eles através de Cristo, uma vez que ele se tornou nosso pela fé".



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


sábado, 19 de setembro de 2015

EM NOME DA DIVERSIDADE


Ontem ouvi de uma pessoa que estimo muito que Deus é machista. Puxa vida! Fui obrigado a retrucar, porque Deus não é nem um pouco machista. Na verdade, Deus não é partidário do homem nem da mulher; não é machista nem feminista. O único partido de Deus é a pobreza, que deve, portanto, ser também o único partido da Igreja.
Algumas frases de Dr. Martinho Lutero sobre a mulher me encantam muitíssimo, principalmente ao considerar seu contexto histórico, em que os teólogos demonizavam as mulheres, como se elas fossem a causa do pecado. Por exemplo: "Chegaram, pois, à conclusão de que a mulher é um mal necessário e que nenhuma casa está isenta desse mal. Isso, porém, são palavras de gentios cegos, que não sabem que homem e mulher são criatura de Deus, e blasfemam contra sua obra, como se homem e mulher tivessem surgido por acaso. Creio inclusive que, se as mulheres fossem escrever livros, escreveriam AS MESMAS COISAS SOBRE OS HOMENS". Outra frase interessante: "Aqui ninguém é judeu, nem gentio, nem escravo, nem liberto, nem homem, nem mulher, mas tudo e tão somente é Cristo. Pois é a mesma fé, os mesmos bens, a mesma herança, tudo é igual. Por isso também podes dizer: quem é chamado sendo homem, este é mulher perante Deus; e quem é chamado sendo mulher, este é homem perante Deus". Homem corajoso e muito à frente de sua época! Mas principalmente um homem comprometido com a Escritura.
É importante lembrarmos da criação da mulher ao defendermos a visão verdadeiramente apostólica acerca dela. Antes de a mulher ser mulher, ela é Homem, como está escrito em Gênesis 1:27: "CRIOU, DEUS, POIS, O HOMEM à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou". Quer dizer, Deus, ao criar a mulher, dotou-a de espírito, razão, inteligência, de tudo o que compõe a essência do homem. Portanto, uma só é a essência humana, apresente-se ela acidentalmente como homem ou mulher. Tanto é que no Céu não haverá homem nem mulher, porque para Deus isso não faz diferença (Mateus 22:29-30). Para Deus o que importa é que homem e mulher são homens, humanidade. Se isso estivesse na cabeça de todos já não teríamos que ouvir aquela chatice que antecede qualquer discurso atual: senhoras e senhores, médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, professores e professoras, burrice que as feministas inventaram, por não saberem até hoje que homem e mulher são iguais, uma mesma essência, uma mesma humanidade. As feministas querem transformar a mulher em uma outra espécie de ser vivo, que não o homem.
São Paulo, coitado, é o mais atacado pelas feministas em geral. Foi ele que, ao meditar sobre a criação, afirmou: "Porque também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem" (1 Coríntios 11:9). Mas isso é a mais pura verdade! Homem e mulher são iguais perante Deus, uma mesma humanidade, entretanto são notoriamente diferentes. A mulher foi criada a partir de Adão para ser sua auxiliadora. Logo se vê que a mulher foi criada para o homem, para ajudá-lo. Por isso é que homem e mulher são diferentes, porque a mulher foi criada para complementar o homem naquilo que ele não é. Caso contrário, ela não seria um auxílio idôneo. É assim que o homem se completa na mulher e vice-versa, tornando-se ambos uma humanidade melhor.
Percebe-se então que o homem é o chefe de família. Tem pessoas que não querem admitir isso. Aceitam que haja chefe no trabalho, na cidade, na igreja, no estado e no país, mas não estão dispostas a aceitar que a família tenha um chefe. Ora, antes de existir trabalho, cidade, igreja, estado ou país, existe a família como primeira sociedade, que deve ter seu próprio governo ou chefia. E esse papel foi dado ao homem. A mulher foi criada para auxiliá-lo nessa missão. O homem precisa da mulher para constituir uma família e para governá-la bem.
Nossa experiência com governo e chefia não é boa. Também somos naturalmente avessos à submissão. Entretanto, o problema não está na chefia, governo ou submissão, porém em nós mesmos, que somos pecadores, não sabemos mandar nem obedecer, menos ainda amar e detestamos a humildade.
Quando Deus criou a mulher para o homem, este não havia pecado ainda. O homem estabeleceu com a mulher uma sociedade amorosa, complementar, prazerosa e fecunda. O homem se sentia mais humano por estar ao lado da mulher e a mulher se sentia mais humana por estar ao lado do homem. Quando, porém, o pecado entrou na humanidade, então Deus disse à mulher: "O teu desejo será para o teu marido, e ele te governará" (Gênesis 3:16). É o pecado que destruiu essa relação harmoniosa e pacífica, em que o homem cuidava da mulher, enquanto era servido amorosamente por ela. Foi o pecado que transformou o homem em um tirano. A partir de então a mulher deixou de ser uma auxiliadora para tornar-se uma escrava do homem, sendo submetida a todo o tipo de violência e dominação, por ser fisicamente mais fraca: exploração sexual, repressão, violência doméstica e outras sevícias.
Quero que fique claro que isso não é vontade de Deus. Isso é vontade do diabo e do homem caído. Para Deus não há homem e mulher, mas somente homens, que são o objeto de seu profundo amor.
Quando Deus manifestou sua vontade a Moisés, ele procurou defender de muitas maneiras as mulheres, para que os judeus não as tratassem com tirania, como ocorria entre os outros povos. Por exemplo, o homem não podia ter relações com sua mulher se ela estivesse menstruada (Levítico 18:19) ou de resguardo (Levítico 12:1-5). Também não podia tocar na mulher se estivesse com gonorreia, para preservação da saúde dela (Levítico 15:2-8). A Lei determinava que o homem era obrigado a desposar uma mulher se se deitasse com ela, ainda que fosse casado (Deuteronômio 22:29-29). Deus ainda justificou essa lei da seguinte maneira: "uma vez que a humilhou". Então a poligamia foi tolerada por Deus para proteger a honra da mulher. 
Apesar de muitos acharem que Deus havia ordenado a morte somente das adúlteras, com base naquela passagem bem conhecida do Evangelho, em que trouxeram a Jesus somente a adúltera para ser apedrejada, Deus ordenou que homem e mulher adúlteros fossem mortos (Levítico 20:10). O meretrício foi proibido ao povo judeu (Levítico 19:29). Deus também proibiu o homem recém-casado de partir para a guerra durante um ano após as bodas, para "promover a felicidade à mulher que tomou" (Deuteronômio 24:5). Veja que lei poética Deus deu à mulher! Essa Lei também diminuía o risco de a mulher ficar viúva sem descendência, o que para o povo judeu era motivo de vergonha. 
A Lei ordenava a morte a todo estuprador (Deuteronômio 22:25-26). O interessante é que Deus também justifica essa Lei, mesmo sem necessidade, só para mostrar sua preocupação pela pobreza da mulher, no contexto do pecado: "À moça não farás nada; ela não tem culpa de morte, porque, como homem que se levanta contra o seu próximo e lhe tira a vida, assim também é este caso"
Por causa da mulher, Deus permitiu que o homem desse a ela carta de divórcio, para que este não a maltratasse até à morte, ao enjoar-se dela, como era costume na época. Também a mulher que era deixada pelo marido estava livre dele para sempre, para poder retomar sua vida ao lado de outro homem, porque Deus fez questão de proibir ao homem que se divorciava de procurar sua ex-mulher novamente (Deuteronômio 24:1-4).
Portanto, grande foi o esforço de Deus para amenizar a tirania do homem sobre a mulher, no contexto do pecado. 
São Paulo nos deixou o seguinte ensinamento, também muito controverso, por não ser politicamente correto nos dias atuais: "As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da Igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. Como, porém, a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido. Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela" (Efésios 5:22-25). Aqui S. Paulo enfatiza a questão da ordem que se deve existir nesta pequenina sociedade chamada família, que, embora pequena, é a sociedade mais importante do mundo. É necessário que a família, como sociedade que é, tenha um chefe e esse chefe deve ser o homem, não a mulher. Como todo chefe, o homem deve ser honrado e obedecido. Mas como para todo direito há também deveres, São Paulo cobra muito mais do homem nesse texto que da mulher. Ele diz que a mulher deve se sujeitar ao marido como a Igreja se sujeita a Cristo e que o marido deve AMAR sua esposa como Cristo ama sua Igreja, tendo se entregado para salvação dela. É evidente que o amor que Cristo tem pela Igreja é muito, muito superior à submissão exigida dela. Pois então, São Paulo cobra dos homens que amem suas esposas como Cristo amou a Igreja. Quer uma exigência maior que essa? 
Eu preferiria mil vezes que S. Paulo tivesse ordenado a mim que fosse submisso à minha esposa. Certamente seria menos difícil para mim. É que quem ama deve servir ao outro como verdadeiro escravo, esquecendo-se de si mesmo, tendo em vista somente o bem alheio, acima de seu próprio bem. Do homem é requerido que ame sua esposa e que a salve, inclusive seu corpo. O homem deve cuidar do corpo de sua mulher, preservar sua honra, ajudá-la em sua fé e levá-la ao Céu, como Cristo faz com sua Igreja.
As feministas de hoje não têm sequer a centésima parte do respeito que S. Paulo devotava às mulheres. Que dizer do respeito que vem do próprio Deus? Como disse também S. Paulo: "Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; NEM HOMEM NEM MULHER; porque todos vós sois UM em Cristo Jesus" (Gálatas 3:28-29).
Acho importante apresentar a visão verdadeiramente cristã da mulher, porque nos dias de hoje respeito aos "direitos da mulher" tem sido isso: apoiar a prostituição, cuja degradação envolvida não parece incomodar ninguém. Arduamente combatemos o trabalho escravo e a exploração de menores, mas fazemos vistas grossas à exploração sexual da mulher. 
Defender os "direitos da mulher" hoje é permitir que, em nome de uma suposta liberdade sexual, a mulher seja privada de desenvolver suas potencialidades por causa de uma gravidez não desejada e não assumida pelo parceiro, não havendo nada que a ampare judicialmente, senão uma reles pensão alimentícia. Então os defensores dos "direitos da mulher" vêm e propõem como solução o aborto, que é outra agressão à mulher.
Sem dúvida alguma, o aborto é um crime gravíssimo. Não é crime segundo a Bíblia ou segundo a Igreja, mas crime contra a Lei natural, conforme se lê no juramento PAGÃO de Hipócrates. Obviamente, todo crime traz culpa; toda culpa, escravidão; toda escravidão, opressão. Aqui impera a pior de todas as opressões: a opressão da consciência. E cadê o homem para padecer com a mulher?
Ser mulher hoje é trabalhar mais que o homem e sustentar a casa. É abdicar da graça de ser mãe para viver um carreirismo desenfreado. Andar em pé de igualdade com o homem significa fornicação, bebedeira, uso de drogas e todo o tipo de abuso contra o corpo sagrado, vícios que para o homem sempre foram socialmente aceitos, para sua desgraça, e que hoje são copiados pelas mulheres como alvo de liberdade. São inclusive idolatrados como ícones da emancipação feminina. Então ser mulher moderna é desejar se degradar como os homens, enlamear-se nos seus vícios, perdendo a moral, a boa consciência e a saúde do corpo.
A legalização do adultério, o divórcio, a legitimação da união estável e a legitimação do concubinato parecem grandes conquistas para a mulher moderna, mas na verdade são grandes armas de dominação masculina, porque permitem ao homem usar a mulher da maneira que quiser, pelo tempo que quiser. Livrar-se de mulher e filhos tornou-se questão de dinheiro: partilha de bens e pensão. Ninguém está preocupado com a honra e com a dificílima tarefa de criar filhos.
Fico pensando: o que aconteceu entre o espartilho e a escravidão feminina de hoje? Porque tudo isso que a mulher tem padecido em nome da liberdade não é nada diante do espartilho.
Curiosamente, ser mulher hoje é deixar de ser homem, isto é, deixar de ser humana. Hoje é politicamente correto que homem e mulher sejam tratados como animais de espécies diferentes. Homem e mulher nunca estiveram tão distantes um do outro como nos tempos atuais. É então que questiono: a liberdade está em separar ou em juntar? A liberdade está na destruição da diversidade ou na valorização dela?
A sociedade é muito contraditória. Ela quer a diversidade e luta por isso, o que é correto, mas não aceita e respeita a principal diversidade, a mais linda e sublime de todas: ser humano homem e mulher.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

domingo, 13 de setembro de 2015

PECADO ORIGINAL - PARTE 5


"E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou. E o filho disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado" (Lucas 15:20-24).

Este é o final da parábola do filho pródigo, que retrata bem a maneira como Deus recebe de volta o homem caído em pecado. 
Vimos juntos que tipo de pecado foi cometido por Adão, a maneira pela qual ele é transmitido de pai para filho e a corrupção universal produzida por esse gravíssimo pecado. A concupiscência não é só uma inclinação para o mal, mas verdadeira rebelião contra Deus, que escraviza o homem e todas as suas faculdades, impossibilitando-o de viver para Deus. 
Acho importante pontuar algumas coisas: o pecado original não deve ser diferenciado da concupiscência, pois são absolutamente o mesmo mal. Não devemos reduzir a concupiscência a uma simples inclinação para o mal ou fraqueza, pois ela é verdadeira escravidão da vontade. O pecado original não é somente a falta de justiça, mas rebelião contra Deus, desígnio mau, pecado de fato. Como ensinou S. Paulo: "Portanto, assim como por um só homem entrou o PECADO no mundo, e pelo PECADO, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram" (Romanos 5:12).
A esse estado de dissolução chegou o filho pródigo. 
Deus sempre quis a reconciliação com seu filho amado. Mas o problema do pecado é muito grave para ser resolvido por um simples: Eu te perdoo. Porque perdoar o pecado não significa removê-lo. Mesmo perdoado, o pecado permanece no homem, escravizando-o, impedindo-o de ser o que Deus deseja que ele seja e provocando nele morte contínua.
Foi por isso que Deus se fez homem. Jesus Cristo é Deus e homem, que viveu uma vida verdadeiramente justa, tendo cumprido a Lei de Deus de maneira perfeitíssima. Depois morreu na cruz pelos pecados da humanidade e ressuscitou.
Com isso, Jesus alcançou para a humanidade a verdadeira justiça, a verdadeira santidade, que envolve tanto os atos exteriores, como também o coração. 
Jesus morreu na cruz em nosso lugar, padecendo as consequências de nosso pecado. Depois venceu a morte, através de sua ressurreição. 
Quão amados nós somos! Jesus levou sobre si as consequências de nosso pecado, sobretudo a morte eterna. Também por nós venceu a morte, transformando-a em algo bom, por meio da qual nos despimos de nossa carne pecaminosa e nos unimos a Deus.
Graças à vida e morte sacrificais de Jesus, Deus passou a ter em mãos duas preciosidades: a justiça humana e a destruição da morte. Esses dois tesouros são a melhor roupa, o anel e a sandália que o Pai guardou para seu filho.
Nós ainda tentamos resolver nossos problemas por conta própria. Quantas pessoas estão por aí tentando se tornar justas através de suas obras! Mas o fim dessas pessoas é se dar com os porcos, como aconteceu com o filho pródigo. Quando o filho se deu conta de seu estado miserável, lembrou-se do Pai e desejou voltar.
Ao encontrar-se com o Pai, este o abraçou e beijou. Em seguida, retirou dele seus andrajos e o vestiu com a sua melhor roupa, pôs um anel em seu dedo e sandálias em seus pés.
Isto que o Pai fez, faz e continuará fazendo se chama justificação. É importante falar sobre ela toda vez que se fala de pecado. Há muita dúvida sobre justificação. 
Justificação é um ato de Deus em que ele chama um pecador e o declara justo, obviamente sem qualquer colaboração desse pecador, que é escravo do pecado e não tem condições de decidir nada. Deus passa por cima de todo o pecado que essa pessoa tem e a declara justa, santa, reta, tanto quanto os anjos do Céu, tanto quanto Jesus. Isso é justificação. Ela é obra exclusiva de Deus, sem nossa participação.
Quando Deus justifica, ele o faz com base no que Cristo fez. Ele declara o pecador justo ao colocar sobre esse pecador a justiça de Cristo, como se fosse uma roupa. Mas ao fazê-lo, o pecado ainda permanece sob o tecido, provocando morte. É então que Deus nos dá a morte e ressurreição de Cristo, como vitória sobre a morte, para que esta não tenha mais a última palavra.
Portanto, ao justificar, Deus dá ao homem a justiça de Cristo, a morte de Cristo e sua ressurreição. O homem é declarado justo e santíssimo, embora continue pecador. Seu pecado é crucificado dia a dia e a morte não tem mais o poder de destruir. 
Entretanto, para que tudo isso aconteça, é necessário retornar à casa paterna. O filho sempre terá a opção de retornar ou de permanecer na carestia, entre os porcos. A esse regresso chamamos de fé, que é a única exigência de Deus para a justificação.
Fé é o retorno do filho à casa do Pai. O filho pródigo creu quando, no chiqueiro, lembrou-se da bondade do Pai e de como ele tratava seus servos. Então teve coragem de voltar, confiante nessa bondade.
Quando o homem crê, ele regressa ao Pai e é justificado por ele. Por isso, o homem é justificado unicamente pela fé, sem a participação das obras, conforme declara S. Paulo: "O homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" (Romanos 3:28).
Qualquer tentativa de autojustificação é hipocrisia, trabalho vão e labuta entre porcos. Na verdade, qualquer tentativa de autojustificação é rebelião contra Deus.
Como o homem está corrompido pelo pecado, ele não pode crer a partir de suas próprias habilidades, porque todas elas estão em franca oposição a Deus. Se S. Paulo, mesmo justificado e cheio do Espírito Santo, encontrava em si mesmo forte resistência a Deus, que se dirá de alguém que não foi justificado e está inteiramente sob a tirania do pecado? Sobre essa pessoa permanecem as palavras de S. Paulo: "Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignomínia em que vivem, pela dureza do seu coração" (Efésios 4:17-18).
A fé é obra de Deus. A lembrança da bondade do Pai provoca no filho a coragem de retornar. Se pararmos para refletir sobre o que é a lembrança, chegaremos à conclusão que ela é obra alheia em nós. Se nos lembramos de alguém e sentimos saudade, isso não se deve ao nosso esforço, mas à pessoa que agiu bondosamente conosco.
Pois bem, essa lembrança que atinge o filho é o Evangelho, que é poderoso para gerar a fé no coração humano. A fé é a coragem do regresso, que se baseia na confiança que o filho deposita no amor do Pai. Ele retorna sem medo de punição, porque sabe que seu Pai é muito bom.
O filho é cada um de nós, inclusive nossas crianças. Elas não são inocentes, como constatamos ao longo dos estudos. Muito pelo contrário, o ser humano é concebido em pecado e está sujeito ao seu próprio pecado. A única maneira de o homem se livrar da tirania do pecado é através da justificação, que se dá somente pela fé, sem qualquer esforço humano.
Como todas as crianças são pecadoras, elas necessitam de fé e justificação, para que possam tomar parte no Reino de Deus. Sabemos que a fé é suscitada pelo Evangelho. Mas seria uma sandice pregar o Evangelho a um bebê. É por isso que utilizamos o Batismo infantil.
O batismo não é menos Evangelho que a Pregação. Ele é o mais puro Evangelho, capaz de gerar a fé e justificar. Por esse motivo é que a Igreja manteve a tradição de batizar as crianças, para que elas creiam e sejam justificadas por sua fé. Parece estranho falar em fé infantil, não é verdade? Mas crianças creem, conforme lemos em Mateus 18:1-6 e em Lucas 1:39-41. E se creem, não serão justificadas por um caminho alternativo à fé.
Através do Batismo, as crianças pecadoras são presenteadas com a verdadeira fé e recebem de Deus não só o perdão do pecado original, mas a justificação. Quer dizer, elas saem da pia batismal crentes, perdoadas e justas aos olhos de Deus. Sua concupiscência é crucificada com Cristo e sua morte é vencida pela ressurreição. No entanto, a destruição do pecado e da morte não é instantânea, mas processual, estendendo-se ao longo de toda a vida e só terminando na ressurreição dos mortos. São Paulo ensina isso de maneira claríssima em quase toda a sua carta aos romanos.
Sobre a eficácia do Batismo, São Paulo ensina coisas muito preciosas. Cito aqui uma passagem em que trata especificamente da justificação operada pelo Batismo: "Porque todos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes". São Paulo assim nos ensina que através do Batismo a criança é coberta pela melhor roupa do Pai, que se chama justiça de Cristo. É com essa bela roupa que o homem esconde a nudez de seu pecado, enquanto esse pecado vai sendo destruído, o que é obra para uma vida inteira.
É um erro achar que o pecado original é removido pelo Batismo. Nenhum pecado é removido nunca. Se Deus removesse pecados, Cristo não precisaria ter vindo ao mundo para ser justo em nosso lugar e para morrer e ressuscitar em nosso lugar. O simples perdão não anula a natureza do pecado e sua obra destrutiva. É necessário que esse pecado seja combatido, após ter sido perdoado.
E assim é que quero concluir este estudo: o pecado deve ser combatido após ter sido perdoado, e não o inverso. Tem pessoas que querem primeiro combater o pecado para depois ser perdoadas. Somente quem é perdoado, justificado, reconciliado com Deus e unido a ele pode, graças a Cristo, combater o pecado que nele habita.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


sábado, 12 de setembro de 2015

PECADO ORIGINAL - PARTE 4


"Certo homem tinha dois filhos; o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. E ele lhe repartiu os haveres. Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada. Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome!" (Lucas 15:11-17).

Eu aprendi que não se deve estudar o Antigo Testamento sem ter em vista a revelação de Deus em Jesus. Por isso escolhi esta parábola, a famosa "parábola do filho pródigo", minha favorita, para nos auxiliar a compreender o que ocorreu no Éden, que precedeu a queda de Adão.
Deus criou o homem racional para relacionar-se com ele. Não estou querendo dizer que Deus precisasse dessa relação. Ele é Vida e, como já expus meu ponto de vista em outra publicação (Vida: a dádiva de Deus), a Vida se desdobra em mais vida. Mas ao dotar o homem de razão, é evidente que Deus desejou relacionar-se com ele. Eu até imagino Deus caminhando pelo jardim do Éden como se fosse homem, não segundo sua majestade, mas segundo sua humildade, como um pai que brinca com seus filhos. Imagino o próprio Senhor Jesus Cristo caminhando pelo jardim.
Adão e Eva tinham tudo, mas não sabiam disso. O filho pródigo também tinha tudo, mas não percebia isso. O conhecimento do bem, infelizmente, só se dá através do conhecimento do mal. 
Acredito que por isso Deus plantou no jardim essa "árvore do conhecimento do bem e do mal". Ele queria um relacionamento baseado em amor real e confiança plena. Deus não é um pai que superprotege seus filhos. Esta é uma característica de Deus que permanece clara em toda a Bíblia. Eu imagino que Deus deixou aquela árvore à disposição de Adão e Eva assim como o pai da parábola deixou a herança à disposição do filho, não lhe negando a possibilidade de partir. Eu não conheço nenhum pai que tenha dado sua herança a um filho, estando ainda vivo, sobretudo a um filho desajuizado. Deus é o único pai que chega a esse extremo de amor.
Deus quer se relacionar com seres humanos, não com robôs. O amor sempre deixa partir, não prende ninguém. O amor "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".
É óbvio que Deus sabia que Adão e Eva haveriam de pecar. Afinal, ele é onisciente. Veja que ele plantou a árvore da vida no jardim, antes mesmo de o pecado entrar na humanidade, para que o homem, ao cair, contemplasse aquela árvore como símbolo da redenção que haveria de vir. É então que fico ainda mais encantado com esse Deus Pai: ele sabia que o homem haveria de se rebelar contra ele, que para salvá-lo dessa rebelião seria necessário padecer até à morte, mas ainda assim o criou, porque o amor não recusa o sofrimento e até se compraz nele. Nada nos diviniza mais que sofrer por amor. Nada nos torna tão semelhantes a Deus.
Como sabemos, a concupiscência foi o primeiro pecado. Concupiscência, repito, é o desejo de ser igual a Deus ou inveja de Deus. Todo invejoso quer desfazer a obra de quem é alvo de sua malícia. A inveja é alimentada pela incompetência de ser o que o outro é. Não tendo como igualar-se ao outro, quem inveja se contenta em destruir o que ele faz. Assim é com o diabo, assim é com o homem.
Quando eu trato a concupiscência como enfermidade ou monstro, não pense que estou falando de uma possessão do homem, que o exima da responsabilidade pelo que faz ou deixa de fazer. Jesus estava tratando da questão da concupiscência, quando afirmou: "em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado"(João 8:34). Esse pecado é escravizante e altamente destrutivo, pois se volta contra a boa obra de Deus, sendo que o homem é a melhor obra de Deus. Então, o primeiro alvo da concupiscência é a própria humanidade, pervertendo-a o quanto estiver ao seu alcance. Mas ainda assim não é possessão, mas pecado. Um usuário de droga usa a droga porque é escravo dela, mas porque quer também. Nascemos e somos rebeldes contra Deus porque somos escravos dessa rebeldia, mas porque queremos também.
De tal maneira a concupiscência depravou a humanidade, em corpo e alma, em todas as suas habilidades, agindo contra Deus através de tudo o que o homem é essencialmente, que ela se tornou um atributo humano, passando de pai para filho. Por isso, a concupiscência é chamada também de PECADO ORIGINAL. Todo o ser humano nasce com esse pecado, o mesmo de Adão, que arrasou a humanidade, tornando-se atributo dela, e tudo o que Deus criou. Essa rebeldia é concebida conosco, como coisa humana, embora não o seja. Toda criança nasce com a concupiscência de Adão, pronta para agir contra Deus assim que tiver condições para isso, ou seja: assim que andar, falar, raciocinar, etc. Por isso dizemos que o pecado original é inato, quer dizer, está presente à concepção, quando óvulo e espermatozoide se fundem.
Para que não pensem que estou exagerando, recorro ao capítulo VIII de Gênesis, em que Deus fala consigo mesmo: "Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade". Por "mocidade" entenda, por favor, infância. Não havia adolescência entre o povo hebreu. Deus diz que o homem tem concupiscência, cobiça, carne, desígnio íntimo mau desde a infância.
O rei Davi então confessou a Deus: "Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Salmo 51). Davi não está tratando, nesse salmo, do pecado de seus pais. Do início ao fim, ele confessa a Deus o seu próprio pecado. Quando afirma que "em pecado me concebeu minha mãe", muitos imaginam que, através do ato conjugal pecaminoso de seus pais, é que Davi foi concebido. Não, ele trata de seu próprio pecado, não do pecado de seus pais. Além disso, o ato conjugal antecede a concepção. O que na verdade ele está confessando é o seguinte: Quando fui concebido no corpo de minha mãe, já estava em pecado, em desobediência, em rebeldia contra Deus e, como desdobramento disso, nasci pecador, fui pecador a vida toda e, por fim, desejei a mulher de Urias e, por causa desse desejo maligno por ela, matei Urias. Portanto, Davi volta os olhos à sua concupiscência inata como origem de todos os seus pecados atuais, sobretudo desse último, que tanto lhe entristeceu. Ele confessa não só o fruto, mas a árvore inteira, que é ele.
Esta é a triste realidade do pecado original: rebeldia contra Deus mergulhada em nossa essência, de maneira que somente Deus tem poder para separar o que somos de fato desse pecado horrendo.
Sobre o pecado original, S. Paulo nos deixou muita coisa. Por exemplo: "Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram" (Romanos 5:12). S. Paulo não fala de "pecados" (os pecados atuais), mas de "Pecado", a origem dos pecados atuais, que é a concupiscência ou pecado original. Declara que a morte é consequência desse pecado e que ela é passada de homem para homem, sem participação de Deus. Quer dizer, a morte é consequência da concupiscência porque esse pecado quer destruir tudo o que Deus faz. E o que Deus faz? Vida. E o que Deus faz de melhor? O homem. Então a concupiscência se volta principalmente contra o homem, para matá-lo. Não creio que Deus castigue o homem com a morte, a não ser que uma morte seja de fato necessária para impedir muitas outras, conforme Ezequiel 33:11: "Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso". Para mim, a morte é consequência do pecado original. Também não vejo Deus imputando o pecado dos pais nos filhos. Deus disse ao profeta Ezequiel: "O filho não levará a iniquidade do pai" (Ezequiel 18:20). Essa desgraça, o pecado original, cobiça ou concupiscência, de tal maneira dominou o homem que se tornou um atributo seu, passando de pai para filho, como se fosse uma coisa essencial, embora não o seja!
Se você achava que um bebê era anjo do Céu, sem pecado, merecedor da vida eterna, como pensava Pelágio; que o homem nasce bom e que o meio o perverte; se você é cristão e está disposto a crer no que foi revelado, você ainda mantém essa opinião?
A Igreja não manteve. Confessamos a realidade do pecado original como sendo pecado universal e gravíssimo, que está presente à concepção humana, muito antes de a criança nascer, e que não merece outra coisa senão o inferno. O grande debatedor de Pelágio foi Santo Agostinho de Hipona, que defendeu arduamente, contra a razão humana, a realidade triste do pecado original.
Mas a esperança não acabou. Não terminei de apresentar a parábola do filho pródigo. O pai que deixou o filho partir, que não quis prendê-lo ou fazer dele um ursinho de pelúcia, foi sofrer a perda do filho e pôs-se a esperar seu retorno. Esse será o desfecho desta série de reflexões sobre o pecado original.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

PECADO ORIGINAL - PARTE 3


Percebemos que Pelágio tinha uma visão muito restrita do pecado. Não à toa era monge, com conduta irrepreensível, verdadeiro santo segundo suas obras exteriores. Porque alguém que considera pecado somente transgressões da Lei voluntárias e exteriores, certamente também pensa que atos de justiça são somente exteriores. Se o coração é posto de fora ao considerar o que é ou não pecado, também fica de fora ao se considerar o que é ou não justiça. Então Pelágio tinha uma visão pobre do pecado e, por conseguinte, da justiça. Daí seu rigor ético e moral. Quando uma pessoa não tem uma percepção realista de seu pecado e da verdadeira justiça, facilmente é enredado pelas obras e torna-se grande obreiro, embora não se torne justificado e santo.
Aprendemos então que existem pecados voluntários e também pecados involuntários, inevitáveis, irresistíveis e ocultos, presentes inclusive em nossas boas obras. Também conhecemos a concupiscência, que é a árvore má enraizada profundamente em nossa humanidade, que é rebeldia contra a boa Lei de Deus, de onde procedem todos os pecados visíveis e invisíveis, que a partir de agora serão chamados de "pecados atuais". É por essa razão que nós, luteranos, não temos muito apreço pela confissão de pecados atuais, porque é impossível ter consciência e lembrar-se de todos eles. Dr. Martinho Lutero declarou o seguinte: "Tal arrependimento (o arrependimento sincero) não é mutilado e raquítico como aquele que faz penitência por pecados atuais. Também não é incerto como aquele. Pois não discute sobre o que é e o que não é pecado, senão que empilha tudo num monte e diz que tudo em nós é puro pecado" (Artigos de Esmalcalde). Portanto, uma confissão coerente não apresenta a Deus somente alguns poucos pecados atuais dos quais se tem recordação, mas entrega o Pecado inteiro nas mãos de Deus, clamando por piedade. Como confessou o salmista: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas". Esta confissão é muito melhor que aquela que diz: "Os meus pecados são os seguintes: Menti para meus pais hoje, roubei uma caneta ontem e tive desejos impuros por uma mulher há algumas horas". É claro que um ou outro pecado atual, por ser muito grave, por nos atormentar sobremaneira a consciência, terá que ser confessado ao presbítero em particular, quando permanece a dúvida quanto ao perdão, após absolvição pública. Então é função do presbítero não só absolver, mas aconselhar e ajudar a alma penitente a confiar no perdão de Deus sempre, seja ele proferido publicamente ou de maneira particular.
Mas agora quero me dirigir ao primeiro pecado. Quando afirmei que a concupiscência é uma árvore que produz os pecados atuais e que suas raízes estão fincadas profundamente em nossa humanidade, não estava exagerando. Para entender a concupiscência, é necessário retroceder a Adão e Eva.
Como é de conhecimento geral, Deus criou Adão e Eva e os colocou no jardim do Éden. Foram criados por Deus perfeitos, dotados da Lei natural (a mesma que temos) e de condições de vivê-la de maneira plena e alegre. Deus os amava profundamente e manifestava-se a eles de maneira muitíssimo delicada, caminhando pelo jardim, tocando neles, como se fosse também um homem. Em momento algum percebemos qualquer tipo de medo em Adão e Eva quando Deus ia ao encontro deles.
Deus havia plantado duas árvores no jardim, que revestiu de especial sacralidade: a árvore do conhecimento do bem e do mal e a árvore da vida. Deus ordenou a Adão e Eva que nunca comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Disse que certamente morreriam caso o fizessem.
Foi então que o diabo entrou em cena, sob a forma de uma serpente, sugerindo-lhes que estavam sendo enganados por Deus e que se comessem do fruto do conhecimento do bem e do mal seriam como Deus. Adão e Eva caíram em tentação, foram atraídos pelo desejo de ser como Deus e então comeram do fruto proibido. Imediatamente perceberam que estavam nus, esconderam-se um do outro e, quando Deus os foi visitar, como fazia sempre, esconderam-se dele também. A partir daquele momento começaram a morrer física e espiritualmente. 
Se analisarmos cuidadosamente o pecado de Adão e Eva chegaremos à conclusão que foi o mesmo pecado cometido por Lúcifer e seus anjos: desejaram ser como Deus. Eu imagino que, devido à maneira frágil em que Deus se revelou a eles, passou pela mente deles que poderiam ser melhores do que eram e iguais a Deus. Houvesse Deus se manifestado a eles da mesma maneira como se manifestou a Moisés, na sarça ardente, certamente não acreditariam no diabo.
A concupiscência é o desejo de ser como Deus. É a mesma arrogância do diabo invejoso, voltando-se contra Deus, querendo destruir e perverter tudo o que agrada a Deus pelo simples fato de agradar a Deus. Não há atrevimento maior do que a concupiscência. É dela que vem o prazer do pecado, que é tanto maior quanto maior é a desobediência. É ela que nos faz amar o pecado como fonte de prazer. É ela que nos faz cantar, zombeteiramente: "porque tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda". Ela se deleita com o pecado pelo simples fato de ser pecado ou transgressão da Lei divina. Ela é insolente, verdadeiro monstro que se levanta gratuitamente contra Deus. 
Quando a concupiscência é reconhecida, esconde-se como bruxa e não há poder humano que possa destruí-la. Um homem pode combater os pecados atuais, que emergem dela como frutos de uma árvore, mas somente o Espírito da fé pode lidar diretamente com ela.
Este foi o pecado cometido por Adão e Eva. Veja que não foi um pecado desprezível, como muitas vezes somos levados a pensar: caíram em um teste de Deus, foram incautos ao comer um fruto proibido, etc. Não, Adão e Eva foram atrevidos e desejaram ser como Deus. A partir de então esse terrível pecado, a concupiscência, que é inveja de Deus, começou a destruir tudo o que há de bom na criação, dentro e fora do homem, como terrível peste. Arrojou-se contra Deus e contra sua boa obra, o que resultou na corrupção humana e do universo.
Curioso é o nome "fruto do conhecimento do bem e do mal". Adão e Eva viviam o bem, mas não o conheciam, porque até então não haviam conhecido o mal. Só é capaz de identificar o bem quem primeiro se depara com o mal. Quando Deus disse: "Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal", ele não estava sendo irônico. De fato o homem se tornou conhecedor do bem através do conhecimento do mal e vice-versa. Deveria ter confiado em Deus, porque assim não conheceria nem o bem, nem o mal. Mas porque se rebelou contra Deus, passou a conhecer o mal e, a partir dele, o bem que havia perdido.
Está aí a coisa mais triste do mundo: identificar a existência do bem ao perdê-lo.
Escravizados pela concupiscência, que começou a destruir tudo o que havia de bom neles, Adão e Eva começaram a amargar seu processo de decadência e morte. 
Tendo abordado a questão do primeiro pecado, a concupiscência, as Escrituras avançam falando da destruição provocada por ela. Adão e Eva tiveram dois filhos: Caim e Abel. Caim desejou o que era de Abel e de Deus, cometendo o primeiro homicídio. Os capítulo IV e V do livro de Gênesis falam da morte de Adão e enumeram sua descendência maldita, fazendo questão de dizer que um a um, todos os seus descendentes morreram, até que, no capítulo VIII, Deus disse: "Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade". Preste bem atenção nestes dizeres de Deus, pois eles serão a base da próxima postagem.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.