domingo, 28 de dezembro de 2014

Ó TEMPO SANTO DE NATAL!




Natal bendito, tu nos revelas até onde o amor pode chegar.
Deus nos ama tanto que se tornou um de nós.

Se pararmos para refletir sobre tão grande milagre, ficaremos aturdidos e constrangidos a amar mais e mais.

"O amor de Cristo nos constrange"(S. Paulo).

Deus, espírito santíssimo, imutável, incriado, eterno e infinito assumiu nossa carne corruptível, mutável, sujeita às vicissitudes do tempo, limitada pelo espaço. Através da encarnação, o criador tornou-se criatura.

É como se o Universo se limitasse ao espaço de um grão de pó. Porém é muito, muito mais! Vai muito além.

A vida de Deus é entrega. Foi concebido através de uma mulher simples. Nasceu na pobreza de uma estrebaria. Assumiu a forma de servo. Serviu a todos que tiveram a graça de cruzar seu caminho. Serviu a toda a humanidade através de sua obediência e morte na cruz. Ele se sujeitou à sua Lei e foi severamente condenado por si mesmo. Ele é juiz, mas se fez réu. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões" (S. Paulo).

A quanta ignomínia Deus se sujeitou, na pessoa de Jesus!

Como Deus pôde se rebaixar tanto?

É que a vida de Deus é entrega. Ele enviou e envia seu Santo Espírito para nos moldar conforme a sua vontade. Envia vida e renova todas as coisas, através de seu Espírito. Essa transformação em nós não lhe traz benefício algum. O benefício é todo nosso.
A vida de Deus é entrega. Deixou-nos suas simplicíssimas palavras, que confundem os sábios do mundo e "sapientificam" os ignorantes. Essas palavras não o melhoram. São palavras que ele nos deu, para a nossa salvação.
A vida de Deus é entrega. Pois o mesmo corpo que Maria apanhou nos braços e o mesmo sangue que jorrou no madeiro, ele hoje oferece através do pão e do vinho, como sinais certíssimos da remissão dos pecados e de nossa pertença a Ele. Essa generosidade não lhe traz proveito algum. Mas a nós, sim!
E o que ele pede em troca por tão grandes benefícios? A fé? Não, a fé ele também nos dá.
Deus é todo gratuidade.
Deus é entrega gratuita porque é sumo Amor.
E então devemos olhar para nós e procurar esse amor, implantado em nós desde o santo Batismo. Se Deus está em nós, certamente há um potencial infinito de amor em nós. "O amor de Deus é DERRAMADO  em nosso coração pelo Espírito Santo, QUE NOS FOI OUTORGADO" (Romanos 5:5).
Mas o quanto temos usado desse maravilhoso e infinito depósito? Temos sido gratuitos em sua distribuição?
Amar com gratuidade, sem desejar recompensa, sem buscar elogios, sem desejar retribuição, sem desejar um "muito obrigado" ou um olhar de prazer. Amar com gratuidade. Amar sem querer evolução espiritual. Amar, mesmo que não haja coroa ou Céu. Amar, mesmo se nosso destino for a morte e o inferno.  
Pela salvação dos judeus, São Paulo desejou para si o inferno. "Sinto uma grande tristeza e uma dor sem fim no coração por causa do meu povo, que é minha raça e meu sangue. Para o bem desse povo, eu mesmo poderia desejar receber a maldição de Deus e ficar separado de Cristo" (Carta ao romanos 9:2-3).
Ah, pare! Isso é uma insuportável utopia! É impossível ao homem fazer qualquer coisa sem desejar retribuição. São Paulo falava da boca para fora! alguém poderá dizer.
Não, esse amor gratuito é o depósito que Deus fez em nosso coração, no dia em que recebemos as santas águas do Batismo. Eu posso retê-lo ou distribuí-lo, conforme minha coragem.
Lembro-me da parábola dos talentos. O que tenho feito com o meu depósito? Muitas pessoas estão sendo beneficiadas? Ou tenho usado esse meu depósito somente para satisfazer meus próprios interesses?
Alguns não fazem nada com seu depósito. Outros querem rendimentos para si. Outros apenas saem distribuindo o que possuem, na esperança que renda na vida dos outros. São disseminadores do amor de Deus.
Meu Senhor e meu Deus, ajuda-me a me entregar. Que minha vida seja uma entrega. Se o medo vier, ajuda-me. Se as consequências vierem (e certamente virão!), ajuda-me a assumi-las.
Os frutos do amor nem sempre são saborosos. Muitas vezes colhemos dissabores, decepções, inveja, oposição gratuita e ferrenha, malícia e incompreensão, depois de semearmos amor.
Amor e sossego não combinam. Quanto mais amamos, mais inquietos nos tornamos.
O amor não combina com "zona de conforto", pois nos conduz ao inesperado e ao perigo. O amor nos desaloja.
O amor não combina com protocolos, pois procura meios inusitados para solucionar problemas inusitados.
O amor não cabe em protocolos, pois é espontâneo, livre e tem pressa.
Se a dor da solidão e do desamparo visitá-lo ao amar, lembre-se que Jesus amou e, exatamente por isso, foi incompreendido, caluniado e crucificado.
Não pense que o amor trará consequências melhores para você. 
Ame, sem se importar com as consequências.
Eu creio que para o amor há recompensa. Quem semeia amor, é certo que haverá de colher amor. Mas eu só amo de verdade quando me esqueço da recompensa e prossigo em meu propósito.
Por isso, meu Deus, ajuda-me a crer no poder do amor e a não me importar com as consequências dele, sejam boas ou más.
Se o teu amor te conduziu ao abismo de nossa miséria, que eu, como teu filho, não me encha de pudores e de desculpas. Dá-me a ousadia de amar de verdade.
"E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará" (São Paulo).
Amém!





Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

CADÊ DEUS, QUE NÃO VÊ?






Talvez a pergunta seja: Por que Deus permite?
Há muito sofrimento neste mundo. E onde está o Todo-Poderoso Deus, que não interfere, que não impede, que permite?

Eis um mistério. Creio que Deus é bom, ainda que tudo o que me cerque seja ruim e mau. Creio que Deus tudo pode, ainda que veja em torno de mim densas trevas e angústia sem fim.
Eu creio. Não posso explicar minha fé. Não me proponho a harmonizar a onipotência e bondade divinas com o mal que há neste mundo, mas pretendo compartilhar algumas reflexões a respeito.

Jesus nos ensinou a parábola do filho pródigo. Eis um texto que não se esgota em sua exuberância de lições sobre a misericórdia de Deus.

O filho pediu ao pai que lhe desse sua parte na herança. O pai poderia ter recusado fazer isso, pois não estava morto ainda. Entretanto, deu ao filho o que ele havia pedido.
O rapazinho partiu para um outro país e dissipou todos os seus bens em prazeres sensuais.
Não tendo mais nada, foi deixado por todos. Além disso, sobreveio fome ao país e então a única oportunidade de trabalho foi alimentar porcos. No entanto, nem da comida que era dada aos porcos lhe era permitido comer.
Foi então que esse pobre jovem se lembrou de seu pai.
Voltou para a casa do pai envergonhado, desejando que o pai o recebesse como servo.
O pai, no entanto, o recebeu com amor.
Hoje questionei: Por que o pai lhe entregou a herança?
Por que o pai não foi atrás dele? Por que não foi buscá-lo?
O pai não fez nada disso. Somente aguardou. Homem sábio e experimentado que era, deu por certo o retorno do filho.
Acredito que Deus permite que erremos e soframos, para que possamos dar o valor devido ao seu amor.
É tão comum e banal termos um lar, cônjuge, filhos, saúde e comida.
É tão normal ter água para beber.
Entretanto, quando nos vemos privados ou ameaçados de perder qualquer uma dessas coisas é que percebemos o quanto elas são preciosas e o quanto nos são caras.
Para o rapazinho da parábola, era normal ter um pai, uma cama aconchegante e comida com fartura. Ele não via tais coisas como privilégios.
O pai permitiu que ele se afastasse desses tesouros, para que reconhecesse o seu valor.
Assim Deus age conosco. Ele permite que nos afastemos dele, para que então percebamos o quanto é bom estar perto dele.
Ele permite que percamos muitas coisas, para que possamos valorizá-las.
E assim, para evitar males maiores, permite que alguns males menores nos sobrevenham.
Não espere um divórcio para descobrir o quanto é precioso o amor que seu cônjuge lhe dedica.
Não deixe que seus pais morram para só depois descobrir o seu valor.
Cultive suas amizades! Quantas pessoas se vêem solitárias e suspiram pelas amizades perdidas.
Não deixe o amor de Deus. Não queira perder tudo para só então perceber o quanto Deus é bom e generoso.
Deus deixa ir! Ele não gerou fantoches. Ele nos gerou dotados de razão, vontade e afetos.
Deus deixa ir porque ama. Só existe amor onde há liberdade.
Por isso, Deus deixa ir. Ele sabe que ninguém nos ama como ele e que nenhum lugar é tão bom quanto sua casa. Ele tem por certo o nosso retorno.
Se você se sente injustiçado pela vida, reflita sobre isso! Não culpe a Deus por tudo ter dado errado. Muitas vezes só descobrimos o valor que as coisas têm depois de perdê-las. Não faz sentido culpar quem nos deixou perder para que possamos ganhar.
Somente a privação nos faz ter consciência do ganho.
Como terei consciência de um ganho, se antes não tiver perdido?
Lembre-se que Deus o aguarda. Ele sabe que seu retorno é certo.
Não será hora de voltar para casa? 


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

sábado, 27 de dezembro de 2014

SEREIS DEUSES








Em certa fase da caminhada, todo cristão, em sua busca pela santidade, depara-se com a força das letras: "Não cobiçarás".
A experiência de S. Paulo com essas letras está relatada na carta aos Romanos: "Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência".
Cobiça é o desejo por aquilo que não é nosso. Podemos desejar algo de nosso próximo. Isso se chama inveja. Mas podemos desejar algo muito maior, que pertence somente a Deus.
Cobiçamos o que pertence a Deus quando nos envaidecemos através de nossas obras. Recebemos alegres os elogios, que deveríamos render a quem agiu em nós.
Cobiçamos o que pertence a Deus quando julgamos nosso próximo. Nesse caso, nós pretendemos ser a verdade, sendo que somos mentira.
Cobiçamos o que pertence a Deus quando tentamos agradá-lo com boas obras. Destarte, queremos ser o mediador de nós mesmos perante ele. 
Cobiçamos o que é de Deus quando, muito ocultamente, amamos mais a nós do que ao próximo, em nossas obras de misericórdia.

Cobiçamos o que é de Deus quando enxergamos somente nós mesmos no outro. É o egoísmo. É dele que vêm a luxúria, a ganância e a lassidão.
Portanto, a usurpação do amor que pertence a Deus é cobiça, que nos leva à idolatria de nós mesmos.
"Sereis deuses". Com essa proposta, o diabo seduziu nossos pais, Adão e Eva. 
Ah se pudéssemos ouvir essa tentação e resisti-la, como nossos pais tiveram a oportunidade de fazer!
Infelizmente, esse desejo de ser deus, que é a cobiça, hoje faz parte de nossa natureza. 
De maneira muito sutil, ele aparece em nossos pensamentos e ações. Quantas vezes intencionamos o bem e o praticamos, mas depois percebemos que havia um sentimento ou intenção impura?

Vontade de aparecer, de ser elogiado ou de obter algo em troca podem facilmente se esconder por trás de boas ações.
É necessária muita honestidade para lidar com o dilema da cobiça. O pai de família pode ocultar sua avareza de si mesmo e dos outros, alegando que trabalho é virtude e que deseja dar aos filhos o que não teve. Quantas pessoas ajudam ao próximo não porque o amam, mas para alívio de consciência ou por publicidade. Muitas pessoas vão com regularidade à igreja, mas para cumprir um papel social.
Já percebeu o quanto somos resistentes e hostis às críticas? Por outro lado, amamos os elogios e tendemos a ser mais amigos de quem aprecia talentos que possuímos.
A cobiça é também o pecado oculto citado por Davi, no salmo 19:"Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas". É que, por mais honestos que sejamos conosco mesmos, nem sempre podemos detectar malícia ou falta de amor em nossas boas ações.
Portanto, cobiça é a pedra no calçado de quem deseja ser santo.
Sabemos que quem transgride um só mandamento é transgressor da Lei inteira e, portanto, réu perante Deus. Assim diz S. Tiago: "Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos".
Por isso, não devemos confiar em nossa obediência. Devemos confiar tão somente na misericórdia divina. Essa confiança se chama fé.
A Bíblia deixa claro que o homem não é tornado justo perante Deus através de sua obediência, mas através da fé.
"O homem é justificado pela fé, independentemente das obras" (Carta de S. Paulo aos romanos 3:28).
Fé é o descanso da alma em seu Deus misericordioso.
Se você está sentindo a força da Lei, não consegue ter paz, nem dormir, recorra à misericórdia de Deus.
Quem crê em Deus (e não em suas obras) não tem pecado, embora peque continuamente. É que Deus perdoa continuamente o pecado de quem crê.
"Quem vive unido com Cristo não continua pecando" (1 João 3:6).
Eu posso me esforçar por honrar pai e mãe. Posso aumentar minha vigilância para nunca usar em vão o nome de Deus. É possível que nunca mate alguém. Mas é impossível fugir da cobiça, porque ela está implantada em nossa natureza. Como disse, é próprio do ser humano caído querer ser como Deus. Isso é tão natural no homem quanto comer, beber ou dormir.
Portanto, desistamos de nós mesmos e aceitemos a justiça que Deus deseja nos dar.
Deus, através de Cristo, obedeceu à Lei por nós e levou sobre si a culpa de nosso pecado, para que pudéssemos obter dele o perdão.
Veja que troca maravilhosa! Deus levou consigo nossos trapos e deseja nos dar suas vestes de santidade.
Como se apropriar delas? Crendo!
Lembre-se que fé não é algo que brota de nossa natureza pecaminosa. Nós somos árvore ruim, que só produz cobiça e outros pecados. Árvore ruim não pode gerar um fruto tão bom, como a fé.
A fé é dom de Deus. Mas não é algo que Deus não gosta de dar. Ele deseja dá-la a todos!
Se você não crê, peça a Deus. Quem busca encontra. Vá em busca de uma cura ao seu coração. Mas procure essa cura em Deus. Livros de autoajuda, meditação e rigor ético somente servirão para fomentar seu desejo de ser Deus, fazendo com que se desvie cada vez mais dele.
Deixe de procurar vida onde só há morte.
Deixo aqui as palavras de Jesus para aqueles que já não suportam mais o peso dos pecados e desejam recomeçar: "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei".


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.




LIBERDADE DE SER - PARTE 2





"Para a liberdade foi que Cristo nos libertou" (S. Paulo).

Ser livre não é uma tarefa simples. Temos que cultivar dia após dia a liberdade de sermos quem nós somos.

Somos expostos todo dia a muitas críticas e elogios.

As críticas e elogios muitas vezes partem de visões superficiais e equivocadas de nós mesmos. As pessoas deliram em nós aquilo que esperam de nós ou de si mesmas. Jogam sobre nós o fardo da expectativa. Outros querem simplesmente exaltar em nós qualidades suas. 

Alguns criticam por não suportarem o que não são em nós. Outros criticam por verem em nós coisas que não aceitam em si mesmos.

A pior crítica, no entanto, costuma vir de nós mesmos, que, levados pelo perfeccionismo ou pelo temor da rejeição, não aceitamos o que somos e não respeitamos nossa história, nossas limitações, nosso processo de amadurecimento e o tempo que as transformações desejadas demandam. 

É claro que existem as boas críticas, sem as quais não crescemos. Geralmente elas vêm dos verdadeiros amigos. Lembrem-se que os verdadeiros amigos criticam! Mas o fazem por amor, com respeito e misericordiosamente. Nesse caso, não criticam e saem. Eles nos apontam o que em nós precisa ser melhorado, mas se dispõem a nos ajudar e estão muito próximos, quando as lágrimas vêm. Não é próprio do verdadeiro amigo nos atacar com suas carências afetivas. Por isso, a crítica de um amigo, verdadeiramente construtiva, é chamada de conselho. E nossa alma recebe o que o amigo tem a dizer não como crítica, mas como conselho.

Mas não sejamos românticos! É importante lembrar que a crítica irrefletida e sem misericórdia pode vir de quem amamos e de quem nos ama, visto que somos frágeis e carregamos expectativas, carências, traumas, etc. E quem está mais próximo de nós que o amigo? Quem está mais próximo de nós, que nós mesmos?
A crítica sem misericórdia pode ter inúmeras consequências. Mas acredito que a pior consequência é o rótulo. Interessante é que o rótulo não vem do outro. Somos nós que nos rotulamos, a partir de uma crítica desamorosa.
Pacientes meus, que sofrem de AIDS, muitas vezes confessam sentirem-se sujos. E de onde vem esse terrível rótulo de impureza? Deles mesmos, que não se aceitam como são.
Não podemos tomar por verdade opiniões superficiais a nosso respeito, não importa de quem tenham vindo. 
Todo dia é necessário que nos voltemos à nossa verdade interior, fruto do que vivemos, fruto de uma história que ainda não terminou. 
O tempo é como o vento, que passa, modifica o ambiente e se vai.
O resultado da passagem do tempo por nós é o que enxergamos no espelho e na alma, recôndito da memória.
Não somente as rugas. É importante lembrarmos que o tempo modifica nossa alma, de maneira mais intensa que o corpo.
O tempo vai marcando nossa alma com sabores e dissabores, alegrias e tristezas, esperanças e decepções. E a partir desse trabalho do tempo, vai aparecendo a verdade acerca de nós mesmos.
Não podemos nos deixar levar por análises superficiais, ainda que estas venham de nossa mente!
Não aceitemos rótulos! Somos muito complexos para sermos rotulados com uma palavra. Quem se define com mil palavras, está muito perdido com relação a si mesmo.
Em meio a tantas críticas e elogios, quem é você?
Somos o resultado do tempo em nós. Somos o resultado da mão de Deus através desta sua criatura, o tempo. E acredite: Envelhecer faz bem! Cada vez mais tenho gostado disso! Vendo o que os últimos dois anos fizeram em mim, olho com esperança para meus próximos dois.
Toda vez que se sentir cansado e abatido, reflita. Muito provavelmente você está pesado porque recebeu críticas, senão de si, de outros. Peça a Deus discernimento e reflita honestamente sobre a crítica. De onde ela veio? Para que ela veio? Mereço essa crítica? Estou sendo autocomplacente? Estou sendo rígido demais comigo mesmo?
O próximo passo é perdoar. Perdoar-se e perdoar ao outro.
O terceiro passo é ter paciência.Como é importante dar tempo ao tempo! Não tenho que ser perfeito, desde que eu esteja caminhando rumo à perfeição. O desejo da perfeição, que é legítimo, porque procedemos de Deus, que é perfeito, e para ele queremos retornar, deve contextualizar-se no perdão e na paciência. A perfeição é uma esperança. Por ser esperança, é necessário que esperemos.
Aprenda com o erro a acertar!
O quarto passo é não permitir que a crítica, construtiva ou não, nos rotule, fazendo com que um erro, real ou não, apegue-se a nós como vício ou defeito. Eu não sou mentiroso porque menti! Não sou irresponsável porque agi com irresponsabilidade! 
Quando se sentir demasiado feliz, devido a um elogio, também reflita! O elogio pode ser mais danoso que a crítica. Porque se nos revestimos da crítica, também podemos nos revestir de um elogio, que poderá cegar-nos com a soberba. Quantas vezes recebemos com alegria um elogio que não merecemos e acreditamos nele! É assim que muitas pessoas não percebem que estão sendo bajuladas. Elas acreditam cegamente ter a virtude e acomodam-se nessa impressão, agindo com bondade para quem lhes mantém essa cegueira.
Um elogio pode ser construtivo, quando nos motiva, mas pode ser um veneno, quando nos paralisa e nos torna satisfeitos. Também é um veneno quando me torno dependente dele, de maneira que o reconhecimento se torna algo que passo a buscar compulsivamente. O elogio, pela sensação agradável que produz, pode agir em nós como um entorpecente, viciando-nos. E como todo vício, surge daí a necessidade de doses cada vez mais altas de elogio, para que nos mantenhamos de pé.
O ideal é que recebamos elogios e críticas com a mesma serenidade. Quem hoje se alegra por um elogio, irá entristecer-se amanhã por uma crítica, pois toma por verdade opiniões que se baseiam tão somente em imagem.
Mas confesso que isso é muito difícil! Acredito que só os perfeitos possuem essa capacidade. Mas nada impede que avancemos nesse sentido.
Para concluir, somos o que somos. Em nós, corpo e alma,  estão a "dor e a delícia de ser o que é".


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

LIBERDADE DE SER - PARTE 1






"Para a liberdade foi que Cristo nos libertou" (São Paulo).


Coisas que nos prendem. Coisas que nos afastam de nós. Coisas que nos afastam de Deus. Pecados!

Quer uma coisa que nos prende? A  mágoa. Aqui fala um especialista em malefícios provocados por essa desgraça. O rancor, o ódio e outros sentimentos similares nos prendem àquilo que detestamos e não queremos. Fazem com que a coisa odiada grude em nossas costas como fardo pesadíssimo.

Só podemos ser livres se perdoarmos. Perdão é uma decisão de compreender o outro e nós mesmos. É necessário refletirmos sobre a origem do mal que sofremos e sobre nossas expectativas.

Ofendemos também. E quem nos ofende, sofre da mesma dor de existir que nós sofremos. Entretanto, nem todos sabem lidar com seus dilemas com a mesma maturidade. Se estivéssemos na pele, história e contexto de quem nos ofende, talvez agiríamos pior!

Será que Deus não está por trás da ofensa que sofremos? Outro questionamento que lanço, pois está! E ele quer nos libertar através das ofensas. Não nos quer escravizados pela mágoa. A cada ofensa temos a oportunidade de avançar em direção ao conhecimento de quem nós somos, do que não somos e do que queremos ser. Assim, quem nos ofende presta-nos um favor e é instrumento da misericórdia de Deus.

Confesso que eu preciso acreditar nisso!

Outra coisa que nos aprisiona é a soberba. Para sermos livres, temos que ser humildes. É tão libertador compreender que não preciso ser o que os outros são. Não preciso ser melhor que ninguém. Não preciso me equiparar a ninguém. É libertador sentir-se o menor. Ser o maior e o melhor são fardos insuportáveis. Sermos quem somos, com nossas limitações, é grandemente libertador!

Confesso que eu preciso acreditar nisso!

Outra corrente que nos ata os pés é o desejo de ter razão. Há liberdade nos erros. Há liberdade no diálogo. É tão libertador dialogar e perceber que estamos errados. Assim, damos lugar a um novo conhecimento e a uma nova perspectiva.
Confesso que eu preciso acreditar nisso!
Não somente ter razão, mas a própria razão nos escraviza. Estou numa fase da vida em que não desejo mais harmonizar as coisas. Elas são o que são. É tão libertador poder dizer: "Não sei!".  
E por fim, o apego a este mundo também nos priva da liberdade. As pessoas mudam. Elas partem, esquecem-se, não agradecem, morrem. É tão libertador poder deixar ir e permitir que vivam as lembranças! Apegue-se somente àquilo que não passa, nem muda. Apegue-se a Deus, para ser verdadeiramente livre. E deixe que as pessoas cheguem e partam. Não se feche! Não se apegue!
Confesso que eu preciso acreditar nisso!

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Foto retirada da internet.

LUTERO OU ELEUTHERIUS?





Lutero é uma figura que a história não pode esquecer.


Um dos maiores pensadores da história. Um dos maiores teólogos. Um dos maiores doutores da Igreja. Uma das figuras mais polêmicas de todos os tempos. Alvo de sérias acusações, de muitas calúnias. Basta colocar a palavra “Lutero” no Google, que imediatamente aparecem diversos sites falando dele. Alguns procurando honrá-lo. Muitos outros, querendo difamá-lo.

Lutero está morto há quase 500 anos, mas ainda fala muito e dá muito o que falar.

Nossa liturgia muito apropriadamente reserva um dia do ano para a memória desse mártir. Mártir não porque foi morto fisicamente, mas porque devotou toda a sua vida pela causa de Deus e viveu aqui como um condenado, até seu último suspiro. Muitos luxos que temos, ele não teve. A sua vida não existiu neste mundo, desde que conheceu o amor de Deus.

Teria sido um profeta em seu tempo? É claro que foi! Mas não recebeu nada da boca de Deus além das Escrituras. Estas mesmas Escrituras que estão em suas mãos.

Homem muito profundo, que experimentou o dilema de saber que Deus existe, o dilema de saber que é pecador, o dilema de saber que o inferno existe e o dilema de não conhecer o amor de Deus.

Que dilemas são esses? Estão longe de nós, após 497 anos?

Não! São os dilemas enfrentados por bilhões de pessoas fora das paredes da igreja. Dilema de existir sem Deus e sem fé! Dilema da procura!

Lutero, portanto, é nosso vizinho, nosso colega de trabalho, nosso pai, nossa mãe, nossos filhos. Lutero está caminhando por aí, com um fone de ouvido, para não ter que ouvir as indagações de seu coração. Lutero está nos metrôs e elevadores, não querendo conversa, fechado em si mesmo, com medo do outro. Lutero está atrás de respostas nas universidades, nas ONGs, nos trabalhos voluntários, nas drogas e nas religiões.

Vivemos em um mundo plural. No entanto, muitas coisas nos unem. Somos unidos pela consciência de que Deus existe e somos unidos pela consciência de que o pecado existe.

Muitos não sabem que esse dilema existe. Sofrem sem saber. Outros são arrogantes, dizem saber, têm certeza, mas por dentro a situação é bem diferente. Nada sabem. Sofrem sem saber. Enfim, pessoas muito simples e muito cultas se unem nesse “não saber”. E esse “não saber” dói profundamente!

Lutero também está nas igrejas, mesmo evangélicas, querendo conhecer o amor de Deus. Ouve, ouve, vai aos cultos, mas não se sente saciado. Vai de um lugar para o outro, em busca de alívio. Assim como Lutero buscou o mosteiro, como forma de se aproximar de Deus, muitos buscam nossos templos com o mesmo intuito, sem jamais encontrá-lo. Por isso, desanimam.

Lutero sou eu e Lutero é você.

Será que somos o Lutero que busca ou o Lutero que encontrou?

Este é o tema de nossa reflexão.

“Visto que a justiça de Deus se revela no Evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé” (Romanos 1:17).
Este texto incomodou muito Lutero.
A nossa razão sabe que existe Deus. “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos”. Nunca houve um povo sequer neste mundo que não aceitasse a realidade de um criador. Tudo o que enxergamos tem que ter tido um começo. Não somente a existência, mas também a manutenção. Deu novembro, a chuva cai sobre nós. Em maio, o frio vem. Quando solto alguma coisa, ela cai. E conforme as ciências avançam, descobrimos não só um universo cada vez maior, como descobrimos também um universo dentro de nosso corpo, dentro de cada órgão, dentro de cada célula, dentro de cada molécula. Os filósofos ficam a vida inteira refletindo sobre o nosso universo interior. Nossos sentimentos, memória, tudo o que se passa na mente, os sonhos, tudo isso é um imenso universo. Assim, foram surgindo as “logias”: psicologia, sociologia, antropologia, etc. Cada ciência fica por conta de um universo específico.
E como imaginar tudo isso existindo, vindo à existência, e não só existindo, mas continuando a existir, proliferando? Um milhão de flores, sem que nenhuma seja igual à outra. Bilhões de palmas das mãos. Nenhuma igual à outra.
Somente um Deus pode estar por trás disso. Algo que não seja o que nós enxergamos. Algo que não pode ser perecível. Algo que não pode passar. Algo que sempre existiu, que não teve começo e nem terá fim. Algo que não muda. Algo que é sábio e amoroso, porque essa harmonia, as estações do ano, as chuvas, as colheitas, só servem para apontar que esse algo é sábio e bom. Esse algo, que é Deus, quer o nosso bem.
Mas a gente se depara com as guerras, com a injustiça social. A gente vê as favelas, pessoas morrendo sem assistência médica, como estamos vendo com relação ao Ebola, na África. A gente vê a maldade de nossos colegas de trabalho. A gente vê a crueldade de pessoas tão próximas de nós, que são os familiares. A gente vê crianças nas ruas, malnascidas, pedindo dinheiro para seus pais, que são usuários de drogas. A gente prevê nessas crianças bandidos. A gente também olha para a natureza e vê terremotos, tsunamis e tantos outros desastres naturais.
E então a gente pensa: Se Deus é bom, por que tais coisas acontecem? Por que são assim?
Até porque a gente, quando nós estamos sozinhos, a gente vê em nós mesmos coisas muito horrorosas. Meu Deus, como pude ser tão mesquinho! Como pude ser tão cruel! Quanta inveja em meu coração!
Daí somos levados a pensar que, além de um Deus bom, existe o mal. E não podendo reunir em um Deus bondade e maldade, chegamos à conclusão que esse mal existe. E pior! Esse mal existe dentro de nós e tem que ser retirado, para que possamos sair do mal e ir para Deus. Se Deus é bom, eu preciso me tornar bom para me unir a ele.
Até aqui a razão humana. E é daí que brotaram as mais diversas religiões que existem.
Para alguns, Deus é pessoa. Para outros, energia. Para alguns, o mal é pessoa, é o diabo, é demônio, que está espalhando o Ebola por aí. Para outros, é uma energia negativa.
O mal que está em nós é pecado, é energia, é fraqueza, é impureza.
Mas aí está! Como eu irei me desfazer desse mal, para me aproximar de Deus?
E se não me unir a Deus, o que será de mim? Já que o tempo está passando, vou morrer e até quando será possível para mim unir-me a Deus? Quantas oportunidades vou ter?
Então as pessoas saem inventando coisas. Como se trata de uma realidade espiritual, lançam mão de símbolos, que possam fazer uma conexão entre a nossa realidade corporal e uma realidade espiritual. É assim que surgiram as oferendas, sacrifícios, velas, incensos, mantras, imagens, simpatias e várias superstições. Para retirar o mal que está em mim, tenho que fazer o bem, para reparar esse mal, e tenho que me punir, para que meu corpo não associe o erro ao prazer, mas associe o mal à dor. Daí vêm as flagelações, jejuns, peregrinações e tantos outros sofrimentos.
Outros desistem de tudo e dão de ombros para Deus, para o mal, para reparação e entram na filosofia do “comamos e bebamos, que amanhã morreremos”. Mas lá no fundo, ou quando a morte se aproxima, voltam ao antigo dilema. Assisti a um filme, O Juiz, em que o personagem principal, que está com câncer, é questionado pelo filho sobre se acredita em Deus. Ele diz: “Estou prestes a morrer. Me resta alguma outra alternativa?”
Mas é aí que Deus surpreende com a fé.
Fé não é simples conhecimento de Deus. Todo o mundo sabe que Deus existe. Nesse sentido, o bispo Tiago disse que até o diabo crê e estremece. Então, saber que Deus existe não é fé. É uso da inteligência ou da razão. Desde o mais pobre ao mais rico, desde o mais inculto ao mais culto, todos sabem que Deus existe. Ainda mais no Brasil, onde até se diz que  “Deus é brasileiro”.
Fé também não é saber que o Céu existe. Todo mundo sabe que se fizer o bem, vai ter recompensa. Se fizer o mal, vai ter castigo. O bem nos aproxima de Deus, que é bom. O mal nos afasta dele, porque ele é bom. Alguém pode até fazer piadinha do Céu e dizer que o Céu é aqui. Mas no fundo, no fundo, ele sabe que não é. Ele sabe que o Céu, seja lá o que for, é recompensa e, por ser recompensa, é coisa boa.
Fé também não é saber que o inferno existe. Todo o mundo sabe que é para lá que os maus vão. E é de lá que todos querem se salvar.
Fé também não é saber que a alma existe. Todo o mundo sabe que Deus não é corpo. Se Deus não é corpo, ele só pode ser espírito. E se é espírito, eu preciso ter espírito para poder ter comunhão com ele. Alguns se perdem em energias. Deus é energia. Mas, no final das contas, Deus é imaterial e algo imaterial existe em mim, com o qual eu posso me conectar com Deus. E esse algo imaterial é a alma. Pronto, basta a inteligência. Até aqui não precisei da fé.
É então que Deus nos surpreende com a fé. Porque a fé não é simples conhecimento das coisas. Eu posso saber de cor e salteado, sem crer em nada. Como eu posso crer em tudo, mesmo sem entender nada.
A fé não vem do intelecto humano. A fé é dom de Deus. Dom significa “presente”. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto (ou seja, a fé!) não vem de vós; é DOM de Deus”.
A fé não se baseia em conhecimentos. Ela não se baseia em evidências. Muito pelo contrário, a fé se baseia no que não se conhece e naquilo que não se vê e sobre o qual não há evidência alguma. Se eu posso ver ou entender, então não é necessária a fé.
A fé se baseia na promessa. Promessa não é algo que eu toco, vejo, degusto, sinto ou cheiro. Promessa pode ser hoje, mas tem cara de amanhã. Eu sou de Deus, mas espero ser de Deus. Eu sou do Céu, mas espero viver no Céu. Eu sou santo, mas espero ser santo. Eu sou salvo, mas espero ser salvo.
Esperar é o verbo próprio da promessa. Então, promessa é esperança. A gente tem, sabe que tem por causa da fé, não por causa daquilo que a gente vê ao nosso redor, por causa daquilo que nós sabemos. Então a fé nos faz sentir que já temos, mas porque não enxergamos ainda, dizemos que esperamos ou temos esperança.
O que não podemos entender de Deus? Eu sei que Ele é bom. Eu sei que sou mal. Eu sei que terei que me tornar bom para me unir a esse Deus bom. Eu sei que Deus é água e eu sou óleo e que preciso virar água, para poder me misturar com Deus.
O que não podemos entender de Deus? É aí que entra a fé.
“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Como assim? Basta crer? Se eu crer não irei perecer? Se eu crer terei a vida eterna? Não posso aceitar entrar no Céu sem fazer algo. Como assim? Eu me esforço tanto para eliminar o mal que há em mim. Eu sofro fome, sede. Eu me flagelo, raspo meus cabelos, vivo na pobreza, me privo de tanta coisa boa, como casamento, filhos. E depois, qualquer pessoa que crê, mesmo não fazendo tudo o que eu faço, mesmo sendo um bandido, vai receber a mesma recompensa que eu, só porque creu?
“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente”. Um homem dizendo que é a ressurreição e a vida? Não. A vida é Deus. E Deus não é homem, como esse Jesus. Ou Jesus é charlatão ou isso que ele diz deve ser simbólico. Não tem outra explicação! E como assim: Crer nele? Eu posso até acreditar no que ele fala, mas eu não deveria crer em Deus? Acho muito pouco crer. Eu tinha que fazer uma porção de coisas, além de crer, para ser salvo ou para ter a vida. E imagine se crer em um homem, um profeta, sei lá quem ele é, vai fazer com que eu viva para sempre! Não vou cair nessa não!
“Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus”. É simples assim? Basta alguém me desligar aqui na terra, que eu estarei desligado no Céu? Sou da opinião que terei de pagar por isso. Não é simples assim!
Então vejam que fé não combina com razão. A razão atua em cima do que se vê, em cima daquilo que nossos sentidos captam. Que montanha linda! Que variedade de flores! Que amor eu vejo ou sinto em tudo isso!
A fé atua em cima do que não se vê. Ela atua em cima do inusitado, do inesperado, do inimaginável, do insondável, do incompreensível e de todos os “ins” que você puder imaginar.
Lutero buscou Deus em sua razão e não encontrou outro Deus senão alguém irado contra ele. Deus como alguém que não poderia suportar tanto erro e que, com certeza, haveria de cobrar isso dele. O amor de Deus ficou encoberto por uma nuvem de ira. Lutero então se esquecia desse amor e só via a ira. Ele olhava o céu nublado, escuro, e se esquecia de que o sol continuava a brilhar do mesmo jeito.
E Lutero constatou que esse mal não era só proveniente de sua vontade. Quando ele não queria pecar, ele pecava ainda mais. E quanto mais ele se penitenciava, mais pecado, mais pecado e mais ira, mais ira. Até que se sentiu tentado a largar tudo e odiar sua vida e odiar quem lhe deu vida, ou seja: odiar Deus.
Até que encontrou a verdadeira fé.
A fé é a única maneira de enxergarmos o lado oculto de Deus. É que buscamos em Deus aquilo que somos. Nós não somos dados ao perdão. Nós achamos que quem erra tem que pagar pelos seus erros. Nós buscamos em Deus aquilo que nós somos. Nós não achamos que quem fez pouco merece mais. Não achamos que quem nos fere deve ser mais amado. Tudo isso é ilógico. E com base nisso é que a gente concebe Deus. Deus não pode ser ilógico!
Mas a fé vem nos apresentar o Deus ilógico. Aquele Deus que não tem nada a ver com o ser humano. Aquele Deus que perdoa sem cobrar nada, que ama mais quando é ofendido, que não liga para méritos, que não se importa com aparência, que não cobra nada que ele não dê de graça.
A fé vem nos apresentar o Deus ilógico. Aquele Deus que se preocupa mais com os pobres, com os pecadores, com os miseráveis, com os pequenos e que, quando olha para os grandes, é para abatê-los, é para derrubá-los de seus pedestais.
A fé vem nos apresentar aquele Deus que não gosta da santidade que vem de nós mesmos. Aquele Deus que não se agrada de sacrifícios. Aquele Deus que não cobra uma oferta que não venha dele mesmo. Aquele Deus que não cobra um sacrifício que não seja feito por ele mesmo. Aquele Deus que ama de graça, perdoa de graça, dá a quem pede, sem querer nada em troca. Aquele Deus que é todo gratuidade.
Fomos feitos à imagem de Deus. Mas pergunto: Por que não encontramos esse Deus em nós? Por que Deus é tão ilógico aos nossos olhos?
A verdade é que o pecado nos fez ficar diferentes de Deus. Ele colocou ira onde deveria haver compaixão. O pecado colocou preço no que antes era gratuito. O pecado colocou vingança onde Deus havia colocado misericórdia. É por isso que, apesar de tanto esforço, bilhões de Lutero estão se esforçando para encontrar Deus dentro de si mesmos, a partir de si mesmos, sem nunca jamais encontrá-lo. E o pior! Tateiam, tateiam, acham que estão chegando, mas depois veem que não chegaram a lugar nenhum, senão aos seus próprios pecados e à estaca zero. Saem, divagam, discutem, voam em seus raciocínios, publicam vários livros, para enfim descobrirem que nunca saíram do nada, que continuam presos em si mesmos, sem ter certeza de nada.
Quando Lutero estudou a Bíblia, ele então conheceu o lado oculto de Deus, que só a fé pode conhecer.
A fé nos escolhe. Não escolhemos a fé.
Ela nos surpreende. Fé é um presente. Mas é um presente-surpresa. A gente ouve algo que nunca fez sentido e de repente faz. A gente ouve algo totalmente sem lógica que, de repente, passa a ter lógica.
Interessante é que o pecado torceu a imagem de Deus em nós. Mas essa verdade nunca deixou de existir, mesmo estando toda torcida e deformada. E quando o Espírito Santo nos toca com a fé, a gente se depara com essa verdade íntima e nosso desejo passa a ser um só: distorcer essa verdade que o pecado torceu. “O que agora vemos é como uma imagem imperfeita num espelho embaçado, mas depois veremos face a face. Agora o meu conhecimento é imperfeito, mas depois conhecerei perfeitamente, assim como sou conhecido por Deus”.
Quando o Espírito Santo nos toca com a fé, sentimos que somos ilógicos. E é então que percebemos que Deus é ilógico, eu sou ilógico e terei que ser cada vez mais ilógico para me parecer com ele e para me unir a ele.
É daí que vem a vontade de perdoar, de dar pelo prazer de dar, de dar sem receber, de ser ilógico, de ser louco! A fé nos faz querer ser tão loucos quanto Deus! “Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação”.
Ah, como é bom quando o oculto de nós mesmos encontra o oculto de Deus! E isso é fé! Não é conhecimento, não é o encontro do conhecido com o conhecido. É o encontro do oculto com o oculto.
Então Lutero saiu como louco a pregar: “Somente a fé salva, independentemente das obras”. O papa, quando ouviu isso, disse: “Ah, não deem importância a isso. É só a opinião de um bêbado alemão”. Mas essa loucura, essa falta de lógica, essa embriaguez, esse sonho, esse delírio é a verdade. E é a fé que me faz enxergar esse lado escuro da lua, que ninguém enxerga.
“O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito”. Não adianta eu procurar Deus em minha carne, ou em minha mente, ou em minha razão, ou em minha inteligência ou em minha claridade. Deus está na minha escuridão, onde luz nenhuma pode chegar, a não ser a luz que ele envia do alto, que é a fé.
Quando Lutero conheceu o oculto de Deus e se apaixonou, ele debateu com vários teólogos sobre a Teologia da Cruz, em oposição à Teologia da Glória, no chamado Debate de Heidelberg. A Teologia da Glória propunha a salvação pelas obras, a decisão humana sobre o bem ou sobre o mal, a escolha humana, a ira de Deus contra o pecado e as formas de o homem conquistar sua salvação. Na Teologia da Cruz, Lutero apresenta o lado oculto de Deus: O Deus que dá a fé e depois exige a fé, dá as obras e depois exige as obras, dá e depois exige, dá e só depois exige. Nunca exige algo que não tenha dado. “As obras dos seres humanos parecem excelentes, mas por dentro são imundas”. “Ainda que sejam sempre belas e pareçam boas, as obras dos seres humanos são, ao que tudo indica, pecados mortais”. “Quem quer tornar-se sábio não procure a sabedoria avançando, mas torne-se tolo, procurando a tolice, retrocedendo”. São palavras de Lutero, neste debate. A bem dizer, não mais de Lutero, que se cansou de buscar Deus em si mesmo, mas palavras de Martinus Eleutherius. Lutero passou a usar esse nome desde o debate de Heidelberg. Eleutherius vem do grego e significa "livre".
Agora voltemo-nos para nós. Nós nos sentimos loucos? Nós nos sentimos ilógicos, malucos, birutas?
Agora voltemo-nos para nós. Nós nos sentimos livres? Será que posso dizer para mim: Ei, você é livre? Você é Eleutherius?
Cuide bem do que irá responder. Lutero, quando desistiu de tudo para seguir a maluquice do Evangelho, viveu neste mundo como quem está morto.
Será que estou livre para viver somente por fé, sem querer dar uma ajudinha com minhas obras? Veja que muitos "evangélicos" não estão indo atrás da loucura do Evangelho, mas estão indo atrás da lógica e do bom-senso da prosperidade, das visões, das profecias, dos milagres, da santidade estabelecida por regras, de êxtases. Há muitos "evangélicos" que não querem saber da escuridão do Evangelho e da fé, do lado oculto de Deus, do lado oculto de si mesmos, mas estão indo atrás do que é bem visível: Empresas, imóveis, aparência de santidade, casamento perfeito, casamento blindado, visões, revelações e outras coisas assim. Há muitos "evangélicos" que querem a glória, mas não querem a cruz.
Será que sou tolo? Ou busco explicação para tudo? Muitos cristãos estão querendo explicar o que simplesmente não tem explicação. Aliás, a teologia é uma bênção, sem dúvida, mas um perigo, quando eu não me contento em crer e começo a especular, esmiuçar, querendo uma explicação lógica para Deus, para mim e para tudo. Teologia é um perigo quando eu trato Deus e a Bíblia como ciências exatas, como matemática. 2 + 2 igual a 4. Não pode ser 3, nem 5. E assim começam as divisões, as disputas, as brigas entre os cristãos.
Agora, se me sinto louco, ilógico, maluco, biruta, livre, Eleutherius, o que tenho feito com essa minha loucura? Por que essa loucura não frutifica e não me faz vir à igreja num domingo de manhã, quando todo o mundo está dormindo ou assistindo à Fórmula 1? Por que essa loucura não frutifica e não me faz trazer meus filhos à escola dominical, para que desaprendam o que sabem e aprendam o que não sabem, ou seja, por que não trago meus filhos à escola bíblica para que fiquem loucos como eu? Por que não cometo a loucura de amar sem pedir algo em troca? Por que não cometo a loucura de amar uma mulher ou um homem a minha vida inteira? Por que não cometo a loucura de ser fiel ao meu cônjuge? Por que não cometo a loucura de amar minha esposa, meu esposo, mesmo quando ele ou ela não fazem por merecer isso? Por que não cometo a loucura de dar a outra face a quem me esbofeteia? Por que não cometo a loucura de nunca mentir, de ser honesto, de cumprir minha carga horária no trabalho? Gente, eu pergunto: Por que nossa loucura não frutifica? E se essa fé me faz livre, por que quero ter sempre a razão? Por que prendo as pessoas a mim? Por que me prendo às pessoas? Por que me prendo ao trabalho, dando mais valor ao trabalho que à família, à igreja?
A fé é loucura. “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios”.
Agora me volto para os Luteros do mundo. Você é Lutero ou Eleutherius?
O Lutero está por aí, perdido, tentando encontrar em si mesmo a verdade sobre Deus. Anda, anda, para chegar a lugar nenhum, porque a Verdade de Deus está torcida em nós. Lá vai Lutero buscar Deus na meditação, livros de autoajuda, em gurus, no esoterismo, em pensamentos filosóficos muito profundos, ou seja: em si mesmo. Lá vai Lutero buscar Deus nas boas obras, na caridade, no bem ao próximo. Lá vai Lutero, desanimado de buscar Deus, decepcionado, não querendo pensar mais nisso.
E cadê os Eleutherius? Cadê os profetas? Cadê os loucos?
Eleutherius preso? Profeta calado? Louco que não delira?
Precisamos abraçar essa nossa fé. Viver essa nossa fé. E sair pregando que o Deus louco está em busca do que não presta. Que o Deus louco está procurando doentes, loucos, coxos, mancos, cegos e tudo quanto é pobreza e coisa vil para poder jantar com ele. Que o Deus louco quer perdoar quem não se arrepende, que quer dar a quem não quer receber, que quer amar quem o odeia.
Porém mais importante do que falar é fazer. “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade”.
Viver a loucura da fé é estar com Deus em seu louco jeito de amar.
“Todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do Homem o confessará diante dos anjos de Deus; mas o que me negar diante dos homens será negado diante dos anjos de Deus”.
Amém!

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.