sábado, 12 de setembro de 2015

PECADO ORIGINAL - PARTE 4


"Certo homem tinha dois filhos; o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. E ele lhe repartiu os haveres. Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada. Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome!" (Lucas 15:11-17).

Eu aprendi que não se deve estudar o Antigo Testamento sem ter em vista a revelação de Deus em Jesus. Por isso escolhi esta parábola, a famosa "parábola do filho pródigo", minha favorita, para nos auxiliar a compreender o que ocorreu no Éden, que precedeu a queda de Adão.
Deus criou o homem racional para relacionar-se com ele. Não estou querendo dizer que Deus precisasse dessa relação. Ele é Vida e, como já expus meu ponto de vista em outra publicação (Vida: a dádiva de Deus), a Vida se desdobra em mais vida. Mas ao dotar o homem de razão, é evidente que Deus desejou relacionar-se com ele. Eu até imagino Deus caminhando pelo jardim do Éden como se fosse homem, não segundo sua majestade, mas segundo sua humildade, como um pai que brinca com seus filhos. Imagino o próprio Senhor Jesus Cristo caminhando pelo jardim.
Adão e Eva tinham tudo, mas não sabiam disso. O filho pródigo também tinha tudo, mas não percebia isso. O conhecimento do bem, infelizmente, só se dá através do conhecimento do mal. 
Acredito que por isso Deus plantou no jardim essa "árvore do conhecimento do bem e do mal". Ele queria um relacionamento baseado em amor real e confiança plena. Deus não é um pai que superprotege seus filhos. Esta é uma característica de Deus que permanece clara em toda a Bíblia. Eu imagino que Deus deixou aquela árvore à disposição de Adão e Eva assim como o pai da parábola deixou a herança à disposição do filho, não lhe negando a possibilidade de partir. Eu não conheço nenhum pai que tenha dado sua herança a um filho, estando ainda vivo, sobretudo a um filho desajuizado. Deus é o único pai que chega a esse extremo de amor.
Deus quer se relacionar com seres humanos, não com robôs. O amor sempre deixa partir, não prende ninguém. O amor "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".
É óbvio que Deus sabia que Adão e Eva haveriam de pecar. Afinal, ele é onisciente. Veja que ele plantou a árvore da vida no jardim, antes mesmo de o pecado entrar na humanidade, para que o homem, ao cair, contemplasse aquela árvore como símbolo da redenção que haveria de vir. É então que fico ainda mais encantado com esse Deus Pai: ele sabia que o homem haveria de se rebelar contra ele, que para salvá-lo dessa rebelião seria necessário padecer até à morte, mas ainda assim o criou, porque o amor não recusa o sofrimento e até se compraz nele. Nada nos diviniza mais que sofrer por amor. Nada nos torna tão semelhantes a Deus.
Como sabemos, a concupiscência foi o primeiro pecado. Concupiscência, repito, é o desejo de ser igual a Deus ou inveja de Deus. Todo invejoso quer desfazer a obra de quem é alvo de sua malícia. A inveja é alimentada pela incompetência de ser o que o outro é. Não tendo como igualar-se ao outro, quem inveja se contenta em destruir o que ele faz. Assim é com o diabo, assim é com o homem.
Quando eu trato a concupiscência como enfermidade ou monstro, não pense que estou falando de uma possessão do homem, que o exima da responsabilidade pelo que faz ou deixa de fazer. Jesus estava tratando da questão da concupiscência, quando afirmou: "em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado"(João 8:34). Esse pecado é escravizante e altamente destrutivo, pois se volta contra a boa obra de Deus, sendo que o homem é a melhor obra de Deus. Então, o primeiro alvo da concupiscência é a própria humanidade, pervertendo-a o quanto estiver ao seu alcance. Mas ainda assim não é possessão, mas pecado. Um usuário de droga usa a droga porque é escravo dela, mas porque quer também. Nascemos e somos rebeldes contra Deus porque somos escravos dessa rebeldia, mas porque queremos também.
De tal maneira a concupiscência depravou a humanidade, em corpo e alma, em todas as suas habilidades, agindo contra Deus através de tudo o que o homem é essencialmente, que ela se tornou um atributo humano, passando de pai para filho. Por isso, a concupiscência é chamada também de PECADO ORIGINAL. Todo o ser humano nasce com esse pecado, o mesmo de Adão, que arrasou a humanidade, tornando-se atributo dela, e tudo o que Deus criou. Essa rebeldia é concebida conosco, como coisa humana, embora não o seja. Toda criança nasce com a concupiscência de Adão, pronta para agir contra Deus assim que tiver condições para isso, ou seja: assim que andar, falar, raciocinar, etc. Por isso dizemos que o pecado original é inato, quer dizer, está presente à concepção, quando óvulo e espermatozoide se fundem.
Para que não pensem que estou exagerando, recorro ao capítulo VIII de Gênesis, em que Deus fala consigo mesmo: "Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade". Por "mocidade" entenda, por favor, infância. Não havia adolescência entre o povo hebreu. Deus diz que o homem tem concupiscência, cobiça, carne, desígnio íntimo mau desde a infância.
O rei Davi então confessou a Deus: "Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Salmo 51). Davi não está tratando, nesse salmo, do pecado de seus pais. Do início ao fim, ele confessa a Deus o seu próprio pecado. Quando afirma que "em pecado me concebeu minha mãe", muitos imaginam que, através do ato conjugal pecaminoso de seus pais, é que Davi foi concebido. Não, ele trata de seu próprio pecado, não do pecado de seus pais. Além disso, o ato conjugal antecede a concepção. O que na verdade ele está confessando é o seguinte: Quando fui concebido no corpo de minha mãe, já estava em pecado, em desobediência, em rebeldia contra Deus e, como desdobramento disso, nasci pecador, fui pecador a vida toda e, por fim, desejei a mulher de Urias e, por causa desse desejo maligno por ela, matei Urias. Portanto, Davi volta os olhos à sua concupiscência inata como origem de todos os seus pecados atuais, sobretudo desse último, que tanto lhe entristeceu. Ele confessa não só o fruto, mas a árvore inteira, que é ele.
Esta é a triste realidade do pecado original: rebeldia contra Deus mergulhada em nossa essência, de maneira que somente Deus tem poder para separar o que somos de fato desse pecado horrendo.
Sobre o pecado original, S. Paulo nos deixou muita coisa. Por exemplo: "Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram" (Romanos 5:12). S. Paulo não fala de "pecados" (os pecados atuais), mas de "Pecado", a origem dos pecados atuais, que é a concupiscência ou pecado original. Declara que a morte é consequência desse pecado e que ela é passada de homem para homem, sem participação de Deus. Quer dizer, a morte é consequência da concupiscência porque esse pecado quer destruir tudo o que Deus faz. E o que Deus faz? Vida. E o que Deus faz de melhor? O homem. Então a concupiscência se volta principalmente contra o homem, para matá-lo. Não creio que Deus castigue o homem com a morte, a não ser que uma morte seja de fato necessária para impedir muitas outras, conforme Ezequiel 33:11: "Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso". Para mim, a morte é consequência do pecado original. Também não vejo Deus imputando o pecado dos pais nos filhos. Deus disse ao profeta Ezequiel: "O filho não levará a iniquidade do pai" (Ezequiel 18:20). Essa desgraça, o pecado original, cobiça ou concupiscência, de tal maneira dominou o homem que se tornou um atributo seu, passando de pai para filho, como se fosse uma coisa essencial, embora não o seja!
Se você achava que um bebê era anjo do Céu, sem pecado, merecedor da vida eterna, como pensava Pelágio; que o homem nasce bom e que o meio o perverte; se você é cristão e está disposto a crer no que foi revelado, você ainda mantém essa opinião?
A Igreja não manteve. Confessamos a realidade do pecado original como sendo pecado universal e gravíssimo, que está presente à concepção humana, muito antes de a criança nascer, e que não merece outra coisa senão o inferno. O grande debatedor de Pelágio foi Santo Agostinho de Hipona, que defendeu arduamente, contra a razão humana, a realidade triste do pecado original.
Mas a esperança não acabou. Não terminei de apresentar a parábola do filho pródigo. O pai que deixou o filho partir, que não quis prendê-lo ou fazer dele um ursinho de pelúcia, foi sofrer a perda do filho e pôs-se a esperar seu retorno. Esse será o desfecho desta série de reflexões sobre o pecado original.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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