sábado, 30 de setembro de 2017

A EUCARISTIA DE SÃO JUSTINO MÁRTIR - PARTE 1

São Justino, mártir do século II, escreveu o seguinte, a respeito da Eucaristia:

"Este alimento se chama entre nós Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a não ser que creia serem verdadeiros nossos ensinamentos(1) e se lavou no banho que traz a remissão dos pecados e a regeneração (2) e vive conforme o que Cristo nos ensinou.
De fato, não tomamos coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim (3) nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo (4) que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne (5) - É (6) a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado" (I Apologia, Editora Paulus).



(1)Temos aqui uma clara referência à comunhão fechada. A Eucaristia é uma comunhão entre pessoas que comungam a mesma fé.

(2) São Justino confessa que o Batismo não é um ato simbólico ou um simples selo, mas um rito eficaz, que opera a regeneração e a remissão de pecados. Não o rito em si, obviamente, mas a Palavra de Deus que está unida a ele. É por isso que S. Justino usa a palavra: "Traz". O Batismo "traz" a Palavra, que opera a regeneração e a remissão de pecados. Não trouxesse ele a Palavra, não operaria nada. Mas como traz a Palavra, opera tudo.

(3) São Justino relaciona o dogma da Encarnação do Verbo à presença substancial de Cristo na Eucaristia. Duvidar da presença real de Cristo na Eucaristia significa duvidar da Encarnação do Verbo. 

(4) Não é a fé do comungante que opera o milagre eucarístico, muito menos o sacerdócio. Quem opera o milagre é o Verbo de Deus.

(5) Nosso santo Pai mantém intacta a substância do pão e do vinho. Cristo está presente de fato na Eucaristia, com seu verdadeiro corpo e verdadeiro sangue, mas sua presença não altera a substância dos elementos. Ele diz que o pão e o vinho são transformados (ou seja, digeridos) e nutrem o corpo, exatamente porque permanecem o que são, não obstante Cristo esteja neles.

(6) O pão É o corpo de Cristo. O vinho É o sangue de Cristo. Não devemos tomar "É" por "SIGNIFICA". Os santos Pais tiveram a oportunidade de corrigir uma suposta omissão ou falha dos apóstolos, colocando um "SIGNIFICA" no lugar de "É", mas não o fizeram. E não o fizeram porque não pensavam assim. Portanto, a Igreja, em seus primórdios, interpretava literalmente a Palavra da Instituição.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

domingo, 17 de setembro de 2017

E POR FALAR EM SANTA CRUZ...

Dia 14 de setembro é a data que a Cristandade reserva para a exaltação da Santa Cruz. Neste ano, a celebração se deu dentro de um outro contexto: a profanação da Santa Cruz pela exposição "Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", encerrada antes da hora devido ao seu teor fortemente agressivo não só contra a fé cristã, mas contra o patrimônio comum da moralidade. E se a finalidade de quem reuniu as obras da exposição é nos fazer pensar, que pensemos então, como cristãos que somos, em como nossa sociedade pagã vêm tratando os símbolos ou ícones. 


No mundo ocidental, cada vez mais tem crescido a aversão contra os símbolos ou ícones, que vêm sendo compreendidos como instrumentos de dominação e opressão. Cada símbolo ou ícone representa uma instituição e toda instituição é uma manifestação de poder. Entretanto, poder é visto de maneira preconceituosa, unilateral e pejorativa, porque é compreendido apenas como força coerciva e excludente. A família, o governo, a Igreja, todos os símbolos ou ícones sociais vêm sendo alvo de dura perseguição por parte de grupos que querem aniquilar toda e qualquer forma de poder. Em outras palavras, o poder é visto como um mal social, que deve ser combatido.
Filho se volta contra os pais, esposas contra os maridos, leigos contra ministros, alunos contra professores, cidadãos contra o Estado. Quem detém o poder é visto como inimigo e não como colaborador.
A Santa Cruz é um símbolo do verdadeiro poder. Diferentemente do que é propagado por muitos grupos, o poder não é uma força coerciva e excludente, mas serviço, o que a Cruz vem mostrar muito bem. Porque foi numa cruz que Deus serviu à humanidade na carne de seu Filho. Não nos forçou a nada, não excluiu ninguém, apenas usou o seu poder para vencer a morte e o inferno por nós e para nós.
As instituições em geral mais servem que coagem. Hoje, que sou pai, vejo que sirvo muito mais que obrigo. Todos reclamamos do governo, e com razão! Mas ai de nós se ele não existisse. A Igreja é vista como ícone de poder e dominação, mas é ela que nos serve na hora da morte, quando nenhuma ideologia terrena nos presta auxílio e estamos sozinhos. É ela que tem ido ao encontro dos enfermos e excluídos, não com uma nova ideologia, mas com médicos, professores, enfermeiros, medicamentos, pão e consolo. Um professor está servindo aos alunos com seu conhecimento, via de regra mal pago e desvalorizado pela sociedade.
Poder é um privilégio tão grande que muitos não querem. Os jovens não querem casar e ter filhos, não querem se envolver com a política, o que é estranho, pois muitos afirmam que poder é um privilégio e é do ser humano querer ser privilegiado. Então, por que não querem? Porque há um custo, que não querem pagar. Quem detém o poder é obrigado a servir e isso eles não querem.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

domingo, 10 de setembro de 2017

FÉ E CRENÇAS SOBRE A EUCARISTIA

"Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós formamos um só corpo, embora sejamos muitos, pois todos participamos do mesmo pão" (1 Coríntios 10:16-17).

O propósito desta publicação é analisar sucintamente a fé luterana acerca da Eucaristia e as crenças que coexistem com ela.
A visão verdadeiramente luterana acerca da Eucaristia é chamada de "união sacramental". Nós professamos que a Palavra da instituição deve ser interpretada literalmente. O pão se torna o corpo de Cristo, o vinho se torna o sangue de Cristo, sem que pão e vinho deixem de existir. 
O luteranismo autêntico rejeita a ideia de metabolismo ou transformação do pão em corpo e do vinho em sangue, por não haver respaldo escriturístico para isso. São Paulo nos deixa claro que o pão é a "comunhão do corpo" e que o cálice é a "comunhão do sangue". Nossa confissão é que o verdadeiro corpo de Cristo une-se ao pão de maneira milagrosa, assim como o sangue ao vinho. Não é uma presença local, mas sublime, inacessível à razão humana. Entretanto, essa presença não é menos verdadeira e concreta que a presença local. 
Nós, também, enfatizamos que a participação do corpo e do sangue é para a remissão dos pecados. Por meio da Eucaristia, recebemos o fruto do sacrifício de Cristo, que é a remissão dos pecados e a vida eterna. Para nós, a Eucaristia é para perdoar e salvar, ela não tem outro propósito.


A primeira crença envolvendo a Eucaristia é o simbolismo. Por nenhum outro motivo, senão pela incredulidade, alguns deram uma interpretação alegórica à Palavra da instituição. Para eles, o pão é um símbolo do corpo, o vinho é um símbolo do sangue. Não entendemos ainda qual a base dessa analogia, porque os defensores do simbolismo até hoje não concluíram se o pão simboliza o corpo natural de Cristo ou a Igreja. 
Quando dizem que ele simboliza o corpo natural de Cristo, recorrem a S. João 6, onde Jesus se apresenta como "o pão da vida", uma clara alusão à sua Palavra. Jesus afirma, nessa pregação, que "AS PALAVRAS que eu vos tenho dito são espírito e são vida" (S. João 6:63). Portanto, o "pão da vida" não é propriamente a Eucaristia, mas tudo aquilo que Cristo diz.
Por outro lado, quando afirmam que é a Igreja, recorrem a 1 Coríntios 10:16-17, querendo defender a ideia de que corpo, nesse texto, é a Igreja. 
Bem, glosar esse texto não é uma tarefa tão simples, como pretendem. Quando S. Paulo ensina que "o pão que partimos é a comunhão do corpo", ele se refere ao corpo de Cristo ou à Igreja? É necessário que esse ensino de S. Paulo seja harmonizado com a instituição da Eucaristia. Cristo deixou muito claro que o pão partido é seu corpo OFERECIDO, não a Igreja (S. Lucas 22:19-20). O corpo que Cristo deu aos apóstolos é o mesmo corpo que foi OFERECIDO na cruz, algo que a Igreja não fez. Portanto, é de se esperar que S. Paulo tenha em mente o corpo de Cristo que foi oferecido na cruz, não a Igreja. Além disso, como introduzir a "comunhão do sangue" na alegoria da Igreja?
Já no versículo 17, São Paulo afirma que os coríntios são um só corpo porque participam do mesmo pão, que é a comunhão do corpo de Cristo, o mesmo corpo que foi entregue na cruz. A ideia central do texto é que há uma unidade entre quem cultua e quem é cultuado. Há uma unidade entre os pagãos e os deuses que eles cultuam, assim como há uma unidade entre os cristãos e Cristo. Vejam que o texto não prova, de forma alguma, que o pão seja uma analogia da Igreja. São Paulo não faz uma comparação entre a unidade da Igreja e o pão, mas estabelece que a unidade da Igreja é CONSEQUÊNCIA da participação do pão, que é o corpo de Cristo, o corpo OFERECIDO.
Quando questionado sobre qual o proveito da Eucaristia, o simbolista não tem algo muito concreto a dizer. Afirma algo vago, como "fortalecimento da fé", porque não acredita que a Eucaristia tenha o poder de salvar. Pudera, que ato simbólico teria o poder de justificar? Ninguém pode ser justificado com base em obras. Tudo o que acontece na Eucaristia para um simbolista está dentro do âmbito da intelectualidade, que é uma obra humana. Por esse motivo, ele não tem segurança alguma naquilo que está fazendo, não é algo em que pode confiar, pois só há o agir humano, no qual tudo é incerto.
Se o simbolista não tem o respaldo escriturístico, ele também não tem a história da Igreja e a pregação dos Pais a seu favor. Muito pelo contrário, a história da Igreja e a pregação dos Pais testemunham que Cristo está substancialmente presente na Eucaristia. Já no segundo século, Santo Inácio de Antioquia, em sua Epístola aos Esmirniotas, afirmou:

"Eles se afastam da Eucaristia e da oração, porque não professam que a Eucaristia É a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou".

Um simbolista prefere dizer que a Igreja esteve sempre errada, desde o seu início, desde o período apostólico, a admitir seu erro.


Desamparados pelas Escrituras e pelos Santos Pais, alguns simbolistas foram obrigados a colocar o corpo e o sangue de Cristo substancialmente na Eucaristia, mesmo a contragosto. Foi então que surgiu o espiritualismo.
O espiritualismo afirma que comer o pão é participar espiritualmente do corpo de Cristo, que está localmente no Céu. Igualmente, beber o vinho é participar espiritualmente do sangue de Cristo, que está localmente no Céu. 
Se o simbolismo ao menos tentou provar-se como verdade por meio das Escrituras, o espiritualismo pouco se interessou por isso. Os argumentos dos espiritualistas são os mesmos dos simbolistas, eles recorrem aos mesmos textos e apresentam a mesma exegese. Eles não se sentem movidos a ter que provar sua opinião pelas Escrituras. Contentam-se com a razão, que se deixa inspirar por Platão. Para os espiritualistas, é a autoridade da razão que autentica sua crença, não há necessidade de se recorrer às Escrituras.
O espiritualismo é uma manifestação do neoplatonismo cristão, que despreza a matéria como algo ruim e almeja a imaterialidade. O comungante espiritualista é movido a intelectualmente abandonar a matéria corruptível e elevar-se ao Deus incorruptível. Tudo é permeado pela intectualidade e pela contemplação. Embora afirme que é uma comunhão espiritual, trata-se de um claro esforço intelectual de sublimar a matéria e elevar-se ao mundo da incorruptibilidade, que é o Céu.
Debater o espiritualismo com as Escrituras não é um problema em si, porque eles não querem provar seu ponto de vista com base nelas, mas na razão. Então, que fiquem com a razão e continuem batendo na tecla que não é razoável que coisas tão sublimes se rebaixem a esta nossa realidade precária. Só cuidem para que não tragam esse mesmo raciocínio para o dogma da Encarnação do Verbo, onde é impossível um rebaixamento mais profundo. Quanto a nós, luteranos, ficaremos com o Sola Scriptura.
Por falar em dogma da Encarnação, é notória a dificuldade dos espiritualistas a respeito, porque não admitem que Cristo seja sempre Deus e homem. Estão dispostos a admitir que Cristo seja Deus e homem em um lugar que chamam de Céu. Fora desse lugar, Cristo não é humano. Portanto, há duas pessoas em Cristo: uma humana e outra divina, que se sobrepõem somente no Céu, de maneira local. Em resumo: são todos nestorianos!
As Escrituras nos ensinam que Cristo está à direita de Deus (Efésios 1:20) e no Céu (Atos 3:21). Por direita de Deus devemos entender a sua onipotência (Salmo 118:16), que está em todo lugar e, ao mesmo tempo, em lugar algum. A direita de Deus não está sujeita ao tempo e ao espaço, não é um lugar, é uma realidade incorpórea. Também não tenho nenhuma prova escriturística que o Céu seja um lugar, como os neoplatônicos pretendem desde sempre. Mas supondo que estejam certos, que o Céu seja um lugar específico, o que devo alegorizar: o Céu ou a direita de Deus? Se for preciso alegorizar, o que não precisamos, que alegorizemos o Céu, porque a direita de Deus é algo muito maior que um suposto lugar. A direita de Deus é um atributo dele e não podemos alegorizar a essência de Deus. 
A pergunta que se segue é: Como pode um homem ser onipresente? Lembremo-nos que esse homem é Deus e tudo pode. Mas deixemos isso para os curiosos, porque não é função da Igreja explicar, somente confessar.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagens extraídas da internet.


quinta-feira, 7 de setembro de 2017

MUITA OU POUCA ÁGUA? EIS A QUESTÃO

O Batismo necessita de dois elementos: a Palavra de Deus e a água. No entanto, o elemento mais importante não é a água, como alguns pretendem, mas a Palavra.Seja a água corrente ou parada, muita ou pouca, haja ou não imersão, quem batiza é Deus, por meio de sua Palavra.


"Quanto ao Batismo, procedam assim: Depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Se você não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaqué, Padres Apostólicos, Editora Paulus).


Pode-se reduzir a água, contanto que não se reduza o valor da Palavra.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM

"Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus" (S. João 3:3).

Nascido da semente da mulher, ou seja, sem colaboração do homem, Jesus é a criação refeita de Deus. Nele se encontra o verdadeiro homem, com o qual Deus está unido em uma só pessoa. Nele está a dignidade humana, que deriva da dignidade do próprio Deus. É ele a verdadeira Imagem de Deus, aquele no qual habita toda a plenitude da Divindade, aquele homem que se pode chamar de Deus, porque de fato é. Adão, da maneira como foi criado, não era o protótipo da verdadeira humanidade, mas a prefiguração do Senhor Jesus. O protótipo da verdadeira humanidade é Jesus.
O primeiro indício da Encarnação de Deus se encontra no ato criador do homem: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" (Gênesis 1:26). Deus tinha em si mesmo o modelo para a criação do homem, porque ele próprio haveria de se encarnar no tempo, embora seja homem desde sempre, na eternidade, onde não há antes ou depois. 


O propósito redentor de Deus está intimamente conectado à sua própria humanidade. O verdadeiro homem se encontra unido pessoalmente a Deus, imerso no mistério da Trindade, compartilhando a Justiça de Deus e tudo aquilo que lhe é próprio. O desejo de Deus para com a humanidade caída é elevá-la à dignidade que ele lhe conferiu desde a eternidade. Do Antigo ao Novo Testamento, toda a atividade de Deus na história humana visa a isso. 
A glória de Deus está intimamente conectada à glória do homem. Por isso mesmo, Deus clama que o louvemos por meio de obras de misericórdia, porque quando o homem é honrado e dignificado, Deus é honrado e dignificado. Por outro lado, quando o homem é profanado, Deus é igualmente profanado. 
Oseias prega: "Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos" (Os 6:6). E Miqueias: "Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo, pelo pecado da minha alma? Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus" (Mq 6:7-8). Por fim, Jesus: "O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes" (S. Mateus 25:40).
Portanto, Deus submete todo o conhecimento acerca dele ao conhecimento do homem e todo o seu serviço ao serviço do homem. Qualquer prática religiosa que se volta para um Deus não encarnado ou transcendente é ímpia. A verdadeira piedade busca Deus na concretude da humanidade e não na especulação ou meditação solitária. Quer conhecer Deus? Então conheça o homem, porque é no homem onde Deus está e onde ele quer ser encontrado. Não é no campo das ideias, mas no seio da Virgem. Não é na abstração, mas na Igreja, no Sagrado Ministério e nos sacramentos.
Como íamos falando, o propósito redentor de Deus está atrelado ao seu conhecimento da humanidade. Ele quer que nossa humanidade seja purificada de suas mazelas até configurar-se à verdadeira humanidade, que está nele mesmo. É como se o "façamos o homem à nossa imagem e semelhança" se estendesse no tempo e passasse por toda a história humana, por todas as eras, em que Deus revela seu desejo de fazer o homem à sua própria semelhança, tendo Jesus como modelo eterno.  
O novo nascimento pregado a Nicodemos nada mais é do que ser criado por Deus, não segundo o modelo de Adão, mas de acordo com o modelo da verdadeira humanidade, que é Jesus. A Palavra: "Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da ÁGUA e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus" (S. João 3:5) vem nos mostrar que o início da obra redentora de Deus está no Batismo, na água que é veículo do Espírito e que nos enche dele. O Batismo não é um ato momentâneo, mas é o princípio de uma nova criação, porque ele nos configura ao modelo de Cristo, o que não ocorre da noite para o dia, mas terá sua consumação somente na ressurreição dos mortos. 


Mas a pregação ouvida por Nicodemos vai além da ideia de um simples aperfeiçoamento humano perante Deus, que aliás é uma ideia muito popular entre os pagãos. Nicodemos ouve o seguinte: "O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é Espírito" (S. João 3:6). Quem nasce de Deus é Deus, compartilha de sua Justiça e dignidade, ainda que não possamos entender o que isso significa e embora isso se dê no âmbito da fé, pois tudo o que vemos em nós é precariedade. Eu vejo em mim um animal, mas Deus me enxerga como a si mesmo.
Deus cumpre o seu "façamos o homem à nossa imagem e semelhança" por meio do Santo Batismo. Entramos na água como animais, saímos dela como Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus em uma pessoa indivisa. Perante nós mesmos, é um nascimento, porque temos toda uma vida de penitência pela frente. Mas perante Deus já somos o que ele gostaria que fôssemos, desde os tempos eternos: Espírito!

Santo Ireneu: "Nisto Deus difere do homem: Deus faz, o homem é feito. Aquele que faz é sempre o mesmo e quem é feito tem necessariamente início, meio, aumento e desenvolvimento. Deus faz o bem, o homem recebe o bem. Deus é perfeito em tudo, igual e idêntico a si mesmo, é por inteiro luz, pensamento, substância e fonte de todos os bens, enquanto o homem recebe o progredir e o crescer para Deus. Enquanto Deus é sempre o mesmo, o homem que se encontra em Deus progredirá sempre em direção a Deus" (Contra as Heresias, volume IV).

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagens extraídas da internet.