sexta-feira, 11 de setembro de 2015

PECADO ORIGINAL - PARTE 3


Percebemos que Pelágio tinha uma visão muito restrita do pecado. Não à toa era monge, com conduta irrepreensível, verdadeiro santo segundo suas obras exteriores. Porque alguém que considera pecado somente transgressões da Lei voluntárias e exteriores, certamente também pensa que atos de justiça são somente exteriores. Se o coração é posto de fora ao considerar o que é ou não pecado, também fica de fora ao se considerar o que é ou não justiça. Então Pelágio tinha uma visão pobre do pecado e, por conseguinte, da justiça. Daí seu rigor ético e moral. Quando uma pessoa não tem uma percepção realista de seu pecado e da verdadeira justiça, facilmente é enredado pelas obras e torna-se grande obreiro, embora não se torne justificado e santo.
Aprendemos então que existem pecados voluntários e também pecados involuntários, inevitáveis, irresistíveis e ocultos, presentes inclusive em nossas boas obras. Também conhecemos a concupiscência, que é a árvore má enraizada profundamente em nossa humanidade, que é rebeldia contra a boa Lei de Deus, de onde procedem todos os pecados visíveis e invisíveis, que a partir de agora serão chamados de "pecados atuais". É por essa razão que nós, luteranos, não temos muito apreço pela confissão de pecados atuais, porque é impossível ter consciência e lembrar-se de todos eles. Dr. Martinho Lutero declarou o seguinte: "Tal arrependimento (o arrependimento sincero) não é mutilado e raquítico como aquele que faz penitência por pecados atuais. Também não é incerto como aquele. Pois não discute sobre o que é e o que não é pecado, senão que empilha tudo num monte e diz que tudo em nós é puro pecado" (Artigos de Esmalcalde). Portanto, uma confissão coerente não apresenta a Deus somente alguns poucos pecados atuais dos quais se tem recordação, mas entrega o Pecado inteiro nas mãos de Deus, clamando por piedade. Como confessou o salmista: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas". Esta confissão é muito melhor que aquela que diz: "Os meus pecados são os seguintes: Menti para meus pais hoje, roubei uma caneta ontem e tive desejos impuros por uma mulher há algumas horas". É claro que um ou outro pecado atual, por ser muito grave, por nos atormentar sobremaneira a consciência, terá que ser confessado ao presbítero em particular, quando permanece a dúvida quanto ao perdão, após absolvição pública. Então é função do presbítero não só absolver, mas aconselhar e ajudar a alma penitente a confiar no perdão de Deus sempre, seja ele proferido publicamente ou de maneira particular.
Mas agora quero me dirigir ao primeiro pecado. Quando afirmei que a concupiscência é uma árvore que produz os pecados atuais e que suas raízes estão fincadas profundamente em nossa humanidade, não estava exagerando. Para entender a concupiscência, é necessário retroceder a Adão e Eva.
Como é de conhecimento geral, Deus criou Adão e Eva e os colocou no jardim do Éden. Foram criados por Deus perfeitos, dotados da Lei natural (a mesma que temos) e de condições de vivê-la de maneira plena e alegre. Deus os amava profundamente e manifestava-se a eles de maneira muitíssimo delicada, caminhando pelo jardim, tocando neles, como se fosse também um homem. Em momento algum percebemos qualquer tipo de medo em Adão e Eva quando Deus ia ao encontro deles.
Deus havia plantado duas árvores no jardim, que revestiu de especial sacralidade: a árvore do conhecimento do bem e do mal e a árvore da vida. Deus ordenou a Adão e Eva que nunca comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Disse que certamente morreriam caso o fizessem.
Foi então que o diabo entrou em cena, sob a forma de uma serpente, sugerindo-lhes que estavam sendo enganados por Deus e que se comessem do fruto do conhecimento do bem e do mal seriam como Deus. Adão e Eva caíram em tentação, foram atraídos pelo desejo de ser como Deus e então comeram do fruto proibido. Imediatamente perceberam que estavam nus, esconderam-se um do outro e, quando Deus os foi visitar, como fazia sempre, esconderam-se dele também. A partir daquele momento começaram a morrer física e espiritualmente. 
Se analisarmos cuidadosamente o pecado de Adão e Eva chegaremos à conclusão que foi o mesmo pecado cometido por Lúcifer e seus anjos: desejaram ser como Deus. Eu imagino que, devido à maneira frágil em que Deus se revelou a eles, passou pela mente deles que poderiam ser melhores do que eram e iguais a Deus. Houvesse Deus se manifestado a eles da mesma maneira como se manifestou a Moisés, na sarça ardente, certamente não acreditariam no diabo.
A concupiscência é o desejo de ser como Deus. É a mesma arrogância do diabo invejoso, voltando-se contra Deus, querendo destruir e perverter tudo o que agrada a Deus pelo simples fato de agradar a Deus. Não há atrevimento maior do que a concupiscência. É dela que vem o prazer do pecado, que é tanto maior quanto maior é a desobediência. É ela que nos faz amar o pecado como fonte de prazer. É ela que nos faz cantar, zombeteiramente: "porque tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda". Ela se deleita com o pecado pelo simples fato de ser pecado ou transgressão da Lei divina. Ela é insolente, verdadeiro monstro que se levanta gratuitamente contra Deus. 
Quando a concupiscência é reconhecida, esconde-se como bruxa e não há poder humano que possa destruí-la. Um homem pode combater os pecados atuais, que emergem dela como frutos de uma árvore, mas somente o Espírito da fé pode lidar diretamente com ela.
Este foi o pecado cometido por Adão e Eva. Veja que não foi um pecado desprezível, como muitas vezes somos levados a pensar: caíram em um teste de Deus, foram incautos ao comer um fruto proibido, etc. Não, Adão e Eva foram atrevidos e desejaram ser como Deus. A partir de então esse terrível pecado, a concupiscência, que é inveja de Deus, começou a destruir tudo o que há de bom na criação, dentro e fora do homem, como terrível peste. Arrojou-se contra Deus e contra sua boa obra, o que resultou na corrupção humana e do universo.
Curioso é o nome "fruto do conhecimento do bem e do mal". Adão e Eva viviam o bem, mas não o conheciam, porque até então não haviam conhecido o mal. Só é capaz de identificar o bem quem primeiro se depara com o mal. Quando Deus disse: "Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal", ele não estava sendo irônico. De fato o homem se tornou conhecedor do bem através do conhecimento do mal e vice-versa. Deveria ter confiado em Deus, porque assim não conheceria nem o bem, nem o mal. Mas porque se rebelou contra Deus, passou a conhecer o mal e, a partir dele, o bem que havia perdido.
Está aí a coisa mais triste do mundo: identificar a existência do bem ao perdê-lo.
Escravizados pela concupiscência, que começou a destruir tudo o que havia de bom neles, Adão e Eva começaram a amargar seu processo de decadência e morte. 
Tendo abordado a questão do primeiro pecado, a concupiscência, as Escrituras avançam falando da destruição provocada por ela. Adão e Eva tiveram dois filhos: Caim e Abel. Caim desejou o que era de Abel e de Deus, cometendo o primeiro homicídio. Os capítulo IV e V do livro de Gênesis falam da morte de Adão e enumeram sua descendência maldita, fazendo questão de dizer que um a um, todos os seus descendentes morreram, até que, no capítulo VIII, Deus disse: "Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade". Preste bem atenção nestes dizeres de Deus, pois eles serão a base da próxima postagem.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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