domingo, 21 de agosto de 2016

COMO COMPREENDER O ANTIGO TESTAMENTO?

"Ora, não tendes chegado ao fogo palpável e ardente, e à escuridão, e às trevas, e à tempestade, e ao clangor da trombeta, e ao som de palavras tais, que quantos o ouviram suplicaram que não se lhes falasse mais, pois não suportavam o que lhes era ordenado: Até um animal, se tocar o monte, será apedrejado. Na verdade, de tal modo era horrível o espetáculo, que Moisés disse: Sinto-me aterrado e trêmulo! Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel" (Hebreus 12:18-24).


A leitura do Antigo Testamento muito estranha quem não é experiente na fé. A impressão que se tem é que o Deus do Antigo Testamento é diferente do Deus do Novo Testamento. Eu mesmo fui tentado a pensar assim diversas vezes, razão pela qual estou relendo a Bíblia.
Para se compreender a unidade que há na Bíblia, é necessário ter em mente a distinção entre as duas pregações de Deus: Lei e Evangelho. Quem não conhece essa distinção, transfere a distinção para Deus: o Deus do Antigo Testamento e o Deus do Novo Testamento. Portanto, deve-se manter a distinção clara entre Lei e Evangelho para que, ao invés de distinguirmos Deus de Deus, façamos uma correta distinção entre suas duas pregações.
A Lei é a primeira pregação de Deus. Ela consiste de ordenanças e ameaças. Não tem o propósito de salvar. Não justifica absolutamente ninguém. A quem a cumpre, Deus promete recompensas temporais. A quem não a cumpre, Deus ameaça com punições temporais e eternas. 
Ninguém pode cumprir o que é exigido pela Lei, porque ela quer algo que não está sob o nosso controle: o coração. Ela não se contenta com obras exteriores, mas quer que tudo seja feito como expressão de amor sincero a Deus. Mas ainda que alguém pudesse cumprir a Lei, não seria justificado por ela, porque a Lei não foi dada para justificar.
A Lei também ameaça terrivelmente quem não a cumpre. Com isso Deus está revelando a seriedade do pecado. Deus não permitirá que pecado algum fique impune.
Qual seria, então, a razão de ser da Lei? São Paulo nos ensina que a Lei foi acrescentada por causa do pecado (Gálatas 3:19). Deus a instituiu entre os israelitas para que esse povo aprendesse o quão pecador era, o quanto estava distante da vontade de Deus e a seriedade com que Deus lida com o pecado. A Lei, ao nos ordenar que façamos algo que está acima de nossa capacidade de fazer, ela quer nos mostrar o quão indigentes, maus e miseráveis nós somos, o quanto carecemos de Deus e o quanto estamos condenados perante ele. Ela nos amedronta com um Deus irado, do qual queremos fugir e que não podemos amar, distanciando-nos ainda mais dele. Portanto, a Lei, em seu uso próprio ou teológico, quer nos mostrar o quão perdidos nós estamos, retirando de nós qualquer vaidade e autossuficiência.
O Evangelho é uma pregação totalmente distinta da Lei. Aqui Deus promete salvar gratuitamente todo aquele que se sente pecador. Não quer que façamos nada, senão que creiamos nele, em seu amor e misericórdia. Ele quer que tão somente confiemos nele, quando nos promete a gratuita remissão de pecados. Se a Lei nos despe, o Evangelho nos veste. Se a Lei nos humilha, o Evangelho nos dignifica. Se a Lei nos fere e mata, o Evangelho nos cura e vivifica.
O pregador da Lei e do Evangelho é o mesmo Deus Pai, revelado em seu Filho, Jesus Cristo. Ele primeiro ordena o que não podemos cumprir, ameaça terrivelmente os transgressores de sua Lei, ferindo nossa presunção e fazendo-nos fugir dele, desesperados. Depois ele revela seu amor pelos pecadores, o perdão e sua Justiça, atraindo-nos a si. Embora sua Lei nos revele seu rigor com relação ao pecado, seu Evangelho nos revela o quão gracioso ele é para quem se arrepende. São as duas faces do mesmo Deus.
Este é o modo "estranho" de Deus agir. Ele nos revela quem somos, através da Lei. Depois revela quem ele é, através do Evangelho. Dificilmente alguém aceitaria tomar algum remédio caso não esteja certo de sua doença. Portanto, Deus revela a doença, para depois revelar o remédio.
Isso que Deus faz com o homem individualmente, ele fez com um povo inteiro, Israel.
No Antigo Testamento, Deus pregou principalmente a Lei. No Novo Testamento, Deus prega principalmente o Evangelho.
É claro que há Evangelho no Antigo Testamento. Caso contrário, ninguém teria sido salvo. Também há Lei no Novo Testamento, porém muito menos. O importante é que se mantenha que Deus é o único pregador na Bíblia inteira, inicialmente ameaçando mais, depois socorrendo mais. 
Quem fica somente com a Lei, não conhece o Deus benevolente e gratuito, misericordioso e justificador. Quem fica somente com o Evangelho, não conhece a realidade e gravidade de seu pecado, não consegue ser grato, faz pouco caso das dádivas que recebe. Quem, porém, apropria-se de ambas as pregações, tem ciência de seu pecado e da misericórdia de Deus. Portanto, é necessário que as duas pregações sejam ouvidas, cada qual a seu tempo. A primeira nos tira sempre da presunção e da autossuficiência. A segunda nos socorre quando nos vemos caídos.
É assim que a correta distinção entre Lei e Evangelho nos permite compreender a unidade que há na Bíblia. Quando lemos que Deus provocou mortandades em Israel, consumiu povos e a todos aterrorizou com sua glória, devemos saber que ali Deus está revelando a Lei. Não devemos permanecer nessa figura de Deus, mas avançar para o Evangelho, onde Deus nos revela Jesus Cristo crucificado para remissão de nossos pecados. Só assim teremos o Deus inteiro.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

LITURGIA, UMA VERDADEIRA PROFISSÃO DE FÉ


A primeira Santa Ceia todos sabemos que foi extremamente simples. Por que o rito foi sendo enriquecido com o passar dos tempos? 



O objetivo da liturgia é basicamente a preservação doutrinária.

Quando orações são dirigidas a Deus pelo ministro, que está perante o altar, de costas para a congregação, ele realiza um sacrifício de louvor a Deus. Eucaristia significa "ação de graças". Nos atos sacrificais, o ministro se volta para o altar, local dos sacrifícios, representando toda a congregação. No entanto, ele não oferta o corpo e o sangue de Cristo, mas as primícias de tudo aquilo que Deus nos dá, sobretudo a fé.

Quando os ministros se ajoelham ao serem proferidas as palavras da Instituição, estão conservando a doutrina que a Onipotente Palavra de Deus opera o milagre eucarístico, sem participação humana, sem necessidade da unção sacerdotal. Adora-se o Verbo Vivificador de Deus.

Quando o pão é erguido, é testemunhado que o verdadeiro corpo de N. S. Jesus Cristo está em, com e sob o pão, substancialmente.
Quando o cálice é erguido, é anunciado que o verdadeiro sangue de N. S. Jesus Cristo, o mesmo que foi derramado na cruz, está substancialmente incluso no vinho, que então se torna vinho-sangue.
gundo o que foi ordenado aos apóstolos e à Igreja. Deus não quer memória diferente dessa.
As orações que se seguem a isso são orações ao Cristo corporalmente presente, incluso nos elementos. Ele é apresentado como o Cordeiro de Deus que remove o pecado do mundo. Aqui está o ponto máximo da anamnese.
Quando as pessoas se ajoelham perante os elementos, antes de comungá-los, não estão idolatrando esses elementos, pois têm plena certeza que Cristo está contido neles. 
Todo o rito serve, portanto, ao nobre propósito de preservação do dogma da presença real E corporal de Cristo na Eucaristia.
A liturgia também é catequética, porque nos instrui acerca da verdadeira doutrina. O corpo que é comido é o mesmo corpo que foi crucificado e que morreu para remissão de nossos pecados. O sangue que é bebido é o mesmo que foi vertido para remissão de nossos pecados. Por isso S. Paulo disse que todas as vezes que comemos o pão e bebemos o vinho, ANUNCIAMOS (quer dizer, catequese!) a morte do Senhor até que ele venha.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

FÉ: OBRA HUMANA OU DIVINA?

"E é evidente que, pela Lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé" (Gálatas 3:11).


A doutrina central do cristianismo é a justificação somente pela fé, sem a participação das obras. Cremos que somos declarados justos por Deus no momento em que cremos nele, o que chamamos de justificação. Nenhuma obra anterior ou posterior à fé colabora em nossa justificação. É Deus quem imputa ao homem a perfeita Justiça de Cristo, tornando-o tão justo quanto o próprio Cristo. Isso Deus concede ao que crê em Jesus Cristo, sem participação de qualquer obra humana. A fé também é dom de Deus, algo que nos é concedido através do Evangelho. Sob hipótese alguma o homem irá crer sem a mediação do Evangelho, que traz consigo o Espírito Santo, que opera a fé em nosso espírito. Esta é a doutrina da justificação somente pela fé, sem obras.
Com isso estamos negando a relevância das obras? Sim, estamos negando no que concerne à justificação e salvação. Aqui as obras são absolutamente inúteis. Não há livre-arbítrio, vontade, mérito, nada que nos predisponha à justificação. Também negamos que a fé seja uma obra humana; é uma obra divina no homem. A fé é concedida por Deus ao homem, através do Evangelho. Destarte, ninguém é justificado e salvo pela pregação da Lei, mas tão somente pela pregação do Evangelho, que traz consigo o Espírito Santo, que é o criador da fé. 
O objeto da fé é o Evangelho ou Cristo. A fé apropria-se de Cristo e torna-o nosso. É assim que recebemos a Justiça de Cristo e somos salvos COM ele. Lutero afirmou o seguinte: "A fé, portanto, justifica porque se apropria e se apossa desse tesouro, a saber, do Cristo presente (...). Cristo forma e impregna a fé (...) ele é a forma da fé" (Comentário da Epístola aos Gálatas. Tradução: Prof. Paulo Flor).
Quando então vêm as obras? Elas vêm como consequência da fé. Só são aceitáveis a Deus quando realizadas pela fé. Portanto, é necessário crer e ser justificado por Deus primeiro, para depois praticar obras aceitáveis a Deus. O inverso é condenado por S. Paulo, em que devemos praticar boas obras para merecermos a graça da fé. Qualquer obra, por mais excelente que pareça, se praticada sem fé e sem justificação, é abominável a Deus.
É sobre essa doutrina que S. Paulo está tratando em toda a epístola aos Gálatas. Sem a doutrina da justificação somente pela fé, o cristianismo se degenera em judaísmo, muçulmanismo, platonismo e aristotelismo. 
Lutero dizia que esta doutrina é fácil de ser entendida, fácil de ser confessada, mas muito difícil de ser colocada em prática, porque nossa razão pervertida sempre quer colaborar com nossa justificação. Eu mesmo ando assustado com o que tenho visto entre cristãos os mais ortodoxos, que estão transformando a fé em obra e estão apoiando sua justificação nessa obra. É sobre isso que desejo tratar neste texto. 
O que é uma obra? Obra é tudo aquilo que é realizado pelas habilidades humanas. Chamamos de obras às esmolas, orações e jejuns. Tudo isso é feito com ou sem fé, por nossas próprias habilidades. Quando realizadas por fé, são aceitas por Deus como coisas santas. Quando realizadas sem fé, são rejeitadas por Deus como rebeldia contra ele e hipocrisia. Portanto, uma mesma obra pode ser santa ou abominável, a depender da presença ou ausência de fé. 
No Decálogo encontramos diretrizes perfeitas para a realização de boas obras, que se resumem em amar a Deus e amar ao próximo. Todavia, o homem só cumpre o Decálogo a partir do momento em que crê. Sem a fé, até o Decálogo se torna um manual para obras exteriores, hipócritas e abomináveis perante Deus. 
Tudo o que o homem faz sem fé e sem Cristo é rebeldia contra Deus, ainda que pareça muito bonito aos olhos humanos e melhore a situação de muita gente. Quando o homem faz qualquer obra sem fé e sem Cristo, ele está querendo ser o seu próprio mediador, seu próprio Cristo. Em outras palavras, ele está querendo ser Deus. É o antigo veneno que herdamos de Adão e Eva. 
Portanto, uma mesma obra pode ser fruto da razão e pecaminosa, ou fruto da fé e santa. Uma mesma obra! Mas fica estabelecido que obra é tudo aquilo que é operado pelas habilidades humanas.
Bem, o intelecto é uma habilidade humana. Aqui reside o perigo. Porque o intelecto pode fabricar uma pseudofé ou uma fé histórica, passível de ser ensinada e aprendida, que pode ser transmitida por via oral ou documental. Tem muita gente que acha que fé é um livro, um catecismo, a ortodoxia ou uma confissão de fé. Vez ou outra alguém diz: "Cada qual tem sua fé e eu a respeito". Na verdade, essa pessoa está se referindo a determinada teologia ou confissão de fé, que está erroneamente chamando de fé. 
Então o que é fé? Para começar, fé é uma só: "há um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (Efésios 4:5). Embora haja diversas confissões de fé e teologias dentro da cristandade, há somente uma fé, que irmana a todos os cristãos. Fé é algo que se tem ou não se tem. Se ela está presente, há plena justiça e salvação. Se ela não está presente, há somente hipocrisia, judaísmo e muçulmanismo. 
A fé é obra exclusiva de Deus: "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus" (Efésios 2:8) e "olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus" (Hebreus 12:2). Deus Espírito Santo é quem opera a fé no homem, através da pregação do Evangelho. Não existe fé sem a mediação do Evangelho, conforme aprendemos abundantemente de S. Paulo, como no texto a seguir: "Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas (ex) obras da lei ou pela (ex) pregação da fé?" (Gálatas 3:5). 
A pregação do Evangelho traz consigo o Espírito Santo, que opera a fé no coração. Essa fé, por sua vez, tem um objeto, que é o próprio Evangelho. Portanto, o Evangelho traz consigo o Espírito Santo, que opera a fé no Evangelho.
O que é o Evangelho? Aqui não podemos colocar nosso catecismo ou confissão de fé. O Evangelho é a Promessa de remissão gratuita de pecados ao que crê. O Evangelho é algo eterno. O Evangelho é o próprio Cristo, que é a Promessa de Deus. 
Também aprendemos com S. Paulo que a fé não é obra do intelecto, mas obra de Deus, que ocorre no espírito: "Porque com o coração (kardia) se crê para justiça" (Romanos 10:9). Portanto, não busque sua fé em seu intelecto, mas no coração, na alma, no espírito. 
Não podemos simplificar o conceito de fé. É algo por demais sublime! Assim como não conhecemos a natureza de nosso espírito e onde se encontra ele, também não conhecemos a natureza da fé. Podemos conhecer os seus frutos, mas não a sua essência. Fé é algo sobrenatural ou místico. Somente algo sobrenatural ou místico pode apreender a Promessa de Deus, que é Cristo. Somente algo sobrenatural ou místico pode comungar a essência de Cristo, que é sumamente sobrenatural e mística. Nenhuma mente pode compreender quem é Cristo. O espírito, porém, captura Cristo, através da fé. Então tudo o que pertence a Cristo é transmitido ao seu portador. Isto é ser justificado (ou tornado justo) através da fé.
É claro que a fé terá seus frutos, porque é portadora de Cristo e Cristo não descansa. Ela misteriosamente opera através de nossas habilidades, santificando nossas obras. Como disse Lutero: "Não devemos, portanto, duvidar que o Espírito Santo habita em nós, mas devemos admitir firmemente e reconhecer que somos 'santuário do Espírito Santo', como afirma Paulo. Pois se alguém sente amor pela Palavra e com prazer ouve, fala, pensa, leciona e escreve a respeito de Cristo, este deve saber que isso não é obra da vontade humana ou da razão, mas é dom do Espírito Santo, pois é impossível que essas coisas aconteçam sem o Espírito Santo" (Comentário da Epístola aos Gálatas). A fé opera através de nossa razão ou intelecto, através de nossa vontade, de nossos membros. Enfim, opera através de todas as habilidades humanas, de maneira a gerar OBRAS agradáveis a Deus. Uma dessas OBRAS é a teologia. Igualmente são OBRAS da fé os credos, catecismos, ortodoxia e confissões de fé. Toda essa papelada que nos acompanha, que estudamos, aprendemos, ensinamos e defendemos são OBRAS ou frutos da fé. Transformamos fé em obra, algo divino em algo humano, Evangelho em Lei toda vez que confundimos fé com teologia, credos, catecismos, ortodoxia e confissões de fé.  
Então você é contra a teologia, credos, catecismos, ortodoxia e confissões de fé? Sim, a partir do momento em que todas essas OBRAS substituem o Evangelho ou Cristo. Sim, toda vez que sua compreensão substituir a verdadeira fé em Cristo.
Se a fé for a aceitação intelectual de uma teologia ou de uma só doutrina, então a fé é obra. Vou além: se minha justificação decorrer dessa minha "fé" em uma teologia ou em uma só doutrina, então sou justificado por uma obra. 
É assim que escorregamos facilmente da justiça da fé para a justiça das obras, quando começamos a atribuir a justificação e salvação a determinada confissão, ameaçando com o inferno quem confessa coisa diferente. 
Quer ser justificado por obra aquele que atribui sua justificação ao fato de ser fiel ao catolicismo romano. Quer ser justificado por obra aquele sectário que espera ser justificado por "crer" em determinada confissão de fé.
Pessoas que assim "creem" gostam de trovejar contra os "papistas" e contra os "protestantes", ameaçando-se mutuamente com a condenação do inferno, repousando seguras sobre a justiça precária de suas confissões e em uma "fé" histórica ou intelectual. Assumem a postura inflexível própria dos moralistas, que decaíram da verdadeira fé.
Desgraça pouca é bobagem, vejo também que muitos não só querem transformar sua teologia em Evangelho, sua intelectualidade em fé, buscando na intelectualidade sua justiça e condenando ao inferno quem pensa diferente, como também estão agregando à sua teologia elementos não teológicos, como temas da sociologia e filosofia. Você já deve ter visto cristãos sendo ameaçados com a condenação do inferno por serem socialistas. Desde quando é impossível crer em Jesus e ser socialista? Por acaso não pode a verdadeira fé santificar todas as coisas, até o socialismo? Quer dizer que a justiça consiste em opor-se ao socialismo? Sim, o critério usado para condenar pode ser usado, inversamente, para justificar. 
Ah, meus amigos, não queiramos reduzir a essência da fé a tal ponto! Quero concluir que sou justificado somente pela fé. Essa minha fé não é obra do meu intelecto, mas obra de Deus. Fosse obra minha, já não seria justificado pela fé, mas por uma obra. O objeto da fé não é um livro, mas o próprio Cristo. Por isso, a fé não pode ser ensinada ou aprendida. Confesso também que somente a fé é capaz de apropriar-se de Cristo e de sua Justiça, tornando-nos possuidores desse Cristo e de sua Justiça. A partir de então as verdadeiras obras aparecem, como frutos santos de uma árvore santa, como obras do próprio Cristo, pois quem assim crê está preenchido por Cristo e Cristo vive nele e opera através dele. 
Confesso igualmente que ninguém é salvo pelo que pensa e que ninguém é condenado pelo que não pensa, ou vice-versa, mas que todos somos salvos pela fé em Cristo e condenados pela incredulidade. 
A fé é uma só e é o elemento unificante da Igreja, que é um mosaico de teologias, catecismos e confissões de fé. Somente essa fé estabelece o cristianismo autêntico, não o papa, não o catecismo, não a ortodoxia, não a confissão de fé. 

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

ANDO COM SAUDADES...

Em dias tão especiais como o de hoje - Sexta-feira Santa e também Páscoa e Natal, meu coração transborda de saudades do meu pai. Já são 26 anos sem ele mas ainda posso ouvir sua voz cantando com vigor a liturgia especial para estes dias. E os enormes olhos azuis, ah aqueles lindos olhos azuis que me faziam amá-lo ou sentir medo, dependendo da ocasião e do que eu havia aprontado. Porque ele tinha excelente pontaria, tanto com um chinelo como com um abraço apertado.
Todo pai é um herói para o seu filho e comigo não foi diferente. A diferença é que, em vez de uma macacão azul e uma capa vermelha, meu pai usava um talar.
Não foi um homem de posses mas teve a oportunidade de fazer um curso superior para realizar o sonho de ser pastor. Casou-se com a mulher que lhe roubou o coração através de um hino que ela cantou. Conforme ele, nunca havia ouvido voz tão linda. Precisou namorar com ela durante os 46 anos em que estiveram casados porque, dizia ele, não pode fazê-lo no curto período de 5 dias entre conhecê-la e ir para o seu local designado depois de formado. Era comum ver seus bilhetes carinhosos para ela, colados nas paredes e espelhos de casa. 
Não era médico mas sabia fazer curativos e pontos falsos em minhas feridas e cortes como nenhum outro. Em momentos de dor ele segurava minha mão e dizia baixinho: já vai passar filhinha, já vai passar. Em momentos em que minha vida correu perigo, ele sentou-se ao lado da minha cama hospitalar, deitou a cabeça sobre minha mão e ficou quieto por um longo tempo. Eu sabia que ele estava orando e isso me acalmou.


Não era professor mas foram horas e horas me ensinando doutrina Bíblica para que eu pudesse depois transmitir aos meus alunos de Escola Dominical. E as nossas conversas à mesa, durante as refeições, sobre política, assuntos gerais, história e suas histórias de vida... me ensinou a amar música enquanto eu crescia e ele ouvia seus discos de Bach, Beethoven, Haendel, tchaikovscky, grandes corais... sábados à noite, antes de eu ir dormir, era sagrado deixar um bule de café pronto e um pote de pudim de chocolate para ele, que invadia a madrugada preparando e estudando o sermão (ou prédica) do dia seguinte.
Foi rígido em me disciplinar, não poupando a régua ou o chinelo quando necessário. Conforme fui adquirindo idade, suas atitudes e exemplos consolidaram seus ensinamentos em minha vida. Viveu exatamente aquilo que pregou.
Me deu segurança. Eu sabia que, não importava o tamanho do meu medo, ele estaria lá, me esperando para me admoestar, dar colo e me perdoar. Me ensinou sobre a esperança quando os dias eram turbulentos e escuros. Nos deixou muito cedo. Aos 69 anos um tumor cerebral galopante nos separou. Ele não deixou herança material. Deixou uma ordem amorosa e sábia, que só poderia vir de um homem que viveu sua vida a pregar o evangelho de Cristo: "continuem firmes na fé em que fostes batizados! Se o pai não voltar, vocês sabem onde me encontrar!"

Autoria: Eunice Hasse (Kuki)

sábado, 6 de agosto de 2016

O TERÇO LUTERANO

Confesso que tenho um apreço muito grande por orações escritas. É evidente que converso com Deus livre e intimamente: uma oração longa ao início do dia e orações curtas o dia inteiro. Mas tenho um lugar especial em meu coração para as orações escritas, porque sou amparado por elas em dias nos quais estou tão cansado e abatido que não consigo conversar com Deus. Nos dias de profundo desânimo, quando sou tentado a pensar que Deus não me ouve e que tudo é em vão, são essas orações escritas que disciplinam minha carne a falar com Deus e a entregar-lhe os meus cuidados, a minha tristeza, o meu pecado e minha desolação.
Meses atrás, uma senhora da igreja onde congrego, Irene Hasse, emprestou-me um livro que pertenceu ao seu pai, o pastor Paulo Hasse, para que o copiasse: Pequeno Tesouro de Orações. Como eu o utilizo em minhas devoções diárias! Tenho uma predileção pela oração Renovação diária do concerto batismal, em que reafirmo a minha fé perante mim mesmo, para que não perca o foco.
Pois bem, vou confessar outra coisa: sempre gostei da recitação do terço. Sempre me trouxe paz ao coração ouvir as orações repetidas do terço mariano, mesmo não concordando com a teologia contida nele. Ouço só para sentir paz, não me atentando muito ao teor das palavras.
Foi então que comecei a pesquisar terços cristocêntricos, em que não houvesse invocações à Virgem Maria. Infelizmente, não encontrei um sequer na Igreja de Roma, até que soube do terço luterano, que vem sendo usado e ensinado por luteranos dos Estados Unidos. Ele é, na verdade, uma adaptação do rosário à fé luterana. A oração principal é a Oração do Coração, usada pelos cristãos orientais, em seu cordão de oração. No lugar do Salve Rainha, é utilizada a oração da Virgem Maria, o Magnificat. A jaculatória atribuída à Virgem de Fátima é omitida ou substituída por um texto bíblico. Os mistérios são os mesmos do rosário, exceto pela ausência dos mistérios luminosos. Nos mistérios gloriosos, a contemplação da assunção da Virgem Maria e de sua coroação foi substituída pela contemplação da comunhão dos santos e da Nova Jerusalém, respectivamente.
Algumas coisas deverão ser colocadas em pauta, para que se evitem os abusos. A oração do terço deve ser feita voluntariamente, como expressão de verdadeira fé. Ninguém deve orar o terço por obrigação, por penitência ou para merecer algo de Deus. Também não associamos o terço ao purgatório e às indulgências, por motivos óbvios, já que nós, luteranos, não cremos na existência de um purgatório e, por conseguinte, na validade das indulgências. Seu uso é adiáforo ou indiferente: não é pecado usá-lo nem é ordenado. Cada cristão pode decidir por usar o terço ou não. Além disso, é bom que se esclareça que a oração do terço não é feita por obediência à Virgem Maria, igualmente por razões óbvias. Também não há promessa alguma a quem ora o terço diariamente.
O terço luterano tem melhorado a qualidade de minhas devoções diárias. Não estou escrevendo este texto com o intuito de gerar polêmica, mas com a honestidade de quem se sente bem ao orá-lo e que deseja compartilhá-lo, para que luteranos - e até romanos - tenham essa opção de oração.
Eu oro o terço luterano todos os dias. Depois de tomar banho e jantar, é a primeira coisa que faço. Ele me tranquiliza, liberta-me das preocupações, faz-me pensar em Deus, preparando-me para a leitura das Escrituras. Enquanto o oro, ponho-me a lembrar de meus pecados cometidos ao longo do dia e sou levado por ele à contrição. Também é uma disciplina corporal, uma espécie de compromisso que assumi comigo mesmo, para que não negligencie a oração, a meditação e a leitura das Escrituras. A mesma disciplina do terço tenho levado para o meu trabalho, procurando sorrir e tratar a todos bem, mesmo quando estou cansado. Cada hora trabalhada eu tenho visto como a contemplação de um mistério. Cada problema, colega de trabalho difícil ou paciente que atendo é uma conta do cordão. Portanto, tenho procurado trazer a experiência de vivenciar o terço em minha vida cotidiana.
O terço é para ser refletido. Não à toa se utilizam os mistérios. É necessário orá-lo em um ambiente calmo, de preferência em voz alta, falando devagar e, principalmente, meditando em nossa indigência e pecado e no grandioso amor e misericórdia de Deus para conosco.
Não tenho problemas com relação a orações repetidas. Sempre tenho diante de mim o ensinamento de S. Paulo, de que "todas as coisas são puras para os puros" (Tt 1:15). Tudo o que faço como expressão da fé não é pecado. Tudo o que faço sem fé é pecado. Carrego comigo esse dogma.
Como então você interpreta as palavras de Jesus: "E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo muito falar serão ouvidos" (Mt 6:7)? Jesus está condenando a visão da oração como obra meritória, como algo que damos a Deus a fim de merecermos algo dele. Também condena a falta de fé, a oração mecânica e supersticiosa, usando os gentios como exemplo. Outra possibilidade interpretativa é que Jesus esteja repreendendo aqueles que acham que orações longas são melhores e o mau hábito de querer explicar a Deus o que ele deve fazer. Portanto, não podemos utilizar esse texto do Evangelho para condenar o terço, como alguns pretendem. Jesus não se opõe a uma prática de oração específica, mas à incredulidade e hipocrisia.
Ah, mas é uma tradição da Igreja de Roma! Bem, nunca concluo que algo está errado porque a Igreja de Roma o pratica e incentiva. Igreja é a morada do Evangelho. Ora, na Igreja de Roma todos têm o texto do Evangelho, sua Pregação e o santo Batismo. Portanto, a Igreja de Roma é tão Igreja quanto as demais. Também é um argumento falacioso, pois pressupõe que a Igreja de Roma está errada. Isso é quase uma petição de princípio. Digo "quase", porque é um argumento por demais rudimentar para que se possa atribuir a ele petição de princípio. Quem costuma argumentar assim nem sabe que petição de princípio existe.
Deixo aqui o terço luterano passo a passo, para quem quiser utilizá-lo em suas devocionais. 
1) Utiliza-se o mesmo cordão da Igreja de Roma, que você pode encontrar em qualquer livraria católica.


2) Segure o crucifixo e persigne-se com ele, dizendo: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
3) Segurando ainda o crucifixo, professe o Credo Apostólico: Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno; no terceiro dia, ressuscitou dos mortos, subiu ao Céu e está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém!


4) Segurando a primeira conta, ore o Pai Nosso: Pai Nosso que estás no Céu, santificado seja o teu Nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. Pois teu é o Reino, o Poder e a Glória para sempre. Amém!


5) Em seguida, ore a Oração do Coração três vezes (uma vez para cada conta): Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador!


6) Na última conta, terminada a terceira Oração do Coração, incline a cabeça e ore o Glória ao Pai: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém!
No lugar da jaculatória atribuída à Virgem de Fátima, pode-se orar algum texto bíblico. No contexto atual de ferrenha perseguição à Igreja, recomendo: "Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos Céus. Também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (S. Mateus 16:17-18). 



7) Na quinta conta, anuncie o primeiro mistério e ore o Pai Nosso.


8) Na primeira dezena, ore uma Oração do Coração para cada conta. Na última conta, ore a Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico (S. Mateus 16:17-18), nessa sequência. Ore devagar, pensando no mistério, em suas necessidades, nas necessidades dos outros, nos seus pecados e na bondade de Deus.


9) Segurando a conta que separa uma dezena da outra, anuncie o segundo mistério e ore o Pai Nosso.
10) Na segunda dezena, ore uma Oração do Coração em cada conta. Na última, ore sequencialmente a Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico.
11) Segurando a conta que separa uma dezena da outra, anuncie o terceiro mistério e ore o Pai Nosso.
12) Na terceira dezena, ore uma Oração do Coração em cada conta. Na última conta, ore sequencialmente a Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico, encerrando, assim, mais uma dezena.
E assim, sucessivamente, até o quinto mistério.
Concluída a última dezena, tendo orado a última Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico, pegue a medalha e recite o Magnificat



A minh'alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade da sua serva. Pois desde agora todas as gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas; santo é o seu Nome. A sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem. Agiu com o seu braço valorosamente; dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos. Derrubou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia a favor de Abraão e de sua descendência para sempre, como prometera aos nossos pais. 
13) Encerre o terço novamente persignando-se com o cordão, enquanto diz: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
14) Já calmo, pegue as Escrituras e as leia reverentemente. Sugiro um capítulo por dia, do livro de Gênesis ao Apocalipse.
15) Contemplação dos mistérios: 
Segunda-feira: Mistérios gozosos.
Terça-feira: Mistérios dolorosos.
Quarta-feira: Mistérios gloriosos.
Quinta-feira: Mistérios gozosos.
Sexta-feira: Mistérios dolorosos.
Sábado: Mistérios gloriosos.
Domingo: Mistérios gozosos do advento à quaresma. Mistérios dolorosos durante toda a quaresma. Mistérios gloriosos na Páscoa e em todos os domingos seguintes, até o fim do ano litúrgico.
16) Mistérios gozosos:
A) No primeiro mistério gozoso, contemplamos o anúncio do Anjo Gabriel à Virgem Maria.
B) No segundo mistério gozoso, contemplamos a visita da Virgem Maria à sua prima, Santa Isabel.
C) No terceiro mistério gozoso, contemplamos o nascimento de Jesus, em Belém.
D) No quarto mistério gozoso, contemplamos a apresentação de Jesus no templo.
E) No quinto mistério gozoso, contemplamos Jesus no templo, entre os doutores da Lei.
17) Mistérios dolorosos:
A) No primeiro mistério doloroso, contemplamos a agonia de Jesus, no Horto das Oliveiras.
B) No segundo mistério doloroso, contemplamos a flagelação de Jesus.
C) No terceiro mistério doloroso, contemplamos Jesus sendo coroado com espinhos.
D) No quarto mistério doloroso, contemplamos como Jesus, com toda a humildade, carrega a cruz.
E) No quinto mistério doloroso, contemplamos a crucificação e morte de Jesus. 
18) Mistérios gloriosos:
A) No primeiro mistério glorioso, contemplamos a ressurreição de Jesus.
B) No segundo mistério glorioso, contemplamos a ascensão de Jesus ao Céu.
C) No terceiro mistério glorioso, contemplamos o derramamento do Espírito Santo, em Pentecostes.
D) No quarto mistério glorioso, contemplamos a comunhão dos santos.
E) No quinto mistério glorioso, contemplamos a Nova Jerusalém.
Anuncie os mistérios com suas próprias palavras. Quanto ao Magnificat, ele poderá ser cantado (Ordem das Vésperas, Hinário Luterano).

Autoria: Carlos Alberto Leão.