sábado, 6 de agosto de 2016

O TERÇO LUTERANO

Confesso que tenho um apreço muito grande por orações escritas. É evidente que converso com Deus livre e intimamente: uma oração longa ao início do dia e orações curtas o dia inteiro. Mas tenho um lugar especial em meu coração para as orações escritas, porque sou amparado por elas em dias nos quais estou tão cansado e abatido que não consigo conversar com Deus. Nos dias de profundo desânimo, quando sou tentado a pensar que Deus não me ouve e que tudo é em vão, são essas orações escritas que disciplinam minha carne a falar com Deus e a entregar-lhe os meus cuidados, a minha tristeza, o meu pecado e minha desolação.
Meses atrás, uma senhora da igreja onde congrego, Irene Hasse, emprestou-me um livro que pertenceu ao seu pai, o pastor Paulo Hasse, para que o copiasse: Pequeno Tesouro de Orações. Como eu o utilizo em minhas devoções diárias! Tenho uma predileção pela oração Renovação diária do concerto batismal, em que reafirmo a minha fé perante mim mesmo, para que não perca o foco.
Pois bem, vou confessar outra coisa: sempre gostei da recitação do terço. Sempre me trouxe paz ao coração ouvir as orações repetidas do terço mariano, mesmo não concordando com a teologia contida nele. Ouço só para sentir paz, não me atentando muito ao teor das palavras.
Foi então que comecei a pesquisar terços cristocêntricos, em que não houvesse invocações à Virgem Maria. Infelizmente, não encontrei um sequer na Igreja de Roma, até que soube do terço luterano, que vem sendo usado e ensinado por luteranos dos Estados Unidos. Ele é, na verdade, uma adaptação do rosário à fé luterana. A oração principal é a Oração do Coração, usada pelos cristãos orientais, em seu cordão de oração. No lugar do Salve Rainha, é utilizada a oração da Virgem Maria, o Magnificat. A jaculatória atribuída à Virgem de Fátima é omitida ou substituída por um texto bíblico. Os mistérios são os mesmos do rosário, exceto pela ausência dos mistérios luminosos. Nos mistérios gloriosos, a contemplação da assunção da Virgem Maria e de sua coroação foi substituída pela contemplação da comunhão dos santos e da Nova Jerusalém, respectivamente.
Algumas coisas deverão ser colocadas em pauta, para que se evitem os abusos. A oração do terço deve ser feita voluntariamente, como expressão de verdadeira fé. Ninguém deve orar o terço por obrigação, por penitência ou para merecer algo de Deus. Também não associamos o terço ao purgatório e às indulgências, por motivos óbvios, já que nós, luteranos, não cremos na existência de um purgatório e, por conseguinte, na validade das indulgências. Seu uso é adiáforo ou indiferente: não é pecado usá-lo nem é ordenado. Cada cristão pode decidir por usar o terço ou não. Além disso, é bom que se esclareça que a oração do terço não é feita por obediência à Virgem Maria, igualmente por razões óbvias. Também não há promessa alguma a quem ora o terço diariamente.
O terço luterano tem melhorado a qualidade de minhas devoções diárias. Não estou escrevendo este texto com o intuito de gerar polêmica, mas com a honestidade de quem se sente bem ao orá-lo e que deseja compartilhá-lo, para que luteranos - e até romanos - tenham essa opção de oração.
Eu oro o terço luterano todos os dias. Depois de tomar banho e jantar, é a primeira coisa que faço. Ele me tranquiliza, liberta-me das preocupações, faz-me pensar em Deus, preparando-me para a leitura das Escrituras. Enquanto o oro, ponho-me a lembrar de meus pecados cometidos ao longo do dia e sou levado por ele à contrição. Também é uma disciplina corporal, uma espécie de compromisso que assumi comigo mesmo, para que não negligencie a oração, a meditação e a leitura das Escrituras. A mesma disciplina do terço tenho levado para o meu trabalho, procurando sorrir e tratar a todos bem, mesmo quando estou cansado. Cada hora trabalhada eu tenho visto como a contemplação de um mistério. Cada problema, colega de trabalho difícil ou paciente que atendo é uma conta do cordão. Portanto, tenho procurado trazer a experiência de vivenciar o terço em minha vida cotidiana.
O terço é para ser refletido. Não à toa se utilizam os mistérios. É necessário orá-lo em um ambiente calmo, de preferência em voz alta, falando devagar e, principalmente, meditando em nossa indigência e pecado e no grandioso amor e misericórdia de Deus para conosco.
Não tenho problemas com relação a orações repetidas. Sempre tenho diante de mim o ensinamento de S. Paulo, de que "todas as coisas são puras para os puros" (Tt 1:15). Tudo o que faço como expressão da fé não é pecado. Tudo o que faço sem fé é pecado. Carrego comigo esse dogma.
Como então você interpreta as palavras de Jesus: "E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo muito falar serão ouvidos" (Mt 6:7)? Jesus está condenando a visão da oração como obra meritória, como algo que damos a Deus a fim de merecermos algo dele. Também condena a falta de fé, a oração mecânica e supersticiosa, usando os gentios como exemplo. Outra possibilidade interpretativa é que Jesus esteja repreendendo aqueles que acham que orações longas são melhores e o mau hábito de querer explicar a Deus o que ele deve fazer. Portanto, não podemos utilizar esse texto do Evangelho para condenar o terço, como alguns pretendem. Jesus não se opõe a uma prática de oração específica, mas à incredulidade e hipocrisia.
Ah, mas é uma tradição da Igreja de Roma! Bem, nunca concluo que algo está errado porque a Igreja de Roma o pratica e incentiva. Igreja é a morada do Evangelho. Ora, na Igreja de Roma todos têm o texto do Evangelho, sua Pregação e o santo Batismo. Portanto, a Igreja de Roma é tão Igreja quanto as demais. Também é um argumento falacioso, pois pressupõe que a Igreja de Roma está errada. Isso é quase uma petição de princípio. Digo "quase", porque é um argumento por demais rudimentar para que se possa atribuir a ele petição de princípio. Quem costuma argumentar assim nem sabe que petição de princípio existe.
Deixo aqui o terço luterano passo a passo, para quem quiser utilizá-lo em suas devocionais. 
1) Utiliza-se o mesmo cordão da Igreja de Roma, que você pode encontrar em qualquer livraria católica.


2) Segure o crucifixo e persigne-se com ele, dizendo: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
3) Segurando ainda o crucifixo, professe o Credo Apostólico: Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno; no terceiro dia, ressuscitou dos mortos, subiu ao Céu e está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém!


4) Segurando a primeira conta, ore o Pai Nosso: Pai Nosso que estás no Céu, santificado seja o teu Nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. Pois teu é o Reino, o Poder e a Glória para sempre. Amém!


5) Em seguida, ore a Oração do Coração três vezes (uma vez para cada conta): Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador!


6) Na última conta, terminada a terceira Oração do Coração, incline a cabeça e ore o Glória ao Pai: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém!
No lugar da jaculatória atribuída à Virgem de Fátima, pode-se orar algum texto bíblico. No contexto atual de ferrenha perseguição à Igreja, recomendo: "Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos Céus. Também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (S. Mateus 16:17-18). 



7) Na quinta conta, anuncie o primeiro mistério e ore o Pai Nosso.


8) Na primeira dezena, ore uma Oração do Coração para cada conta. Na última conta, ore a Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico (S. Mateus 16:17-18), nessa sequência. Ore devagar, pensando no mistério, em suas necessidades, nas necessidades dos outros, nos seus pecados e na bondade de Deus.


9) Segurando a conta que separa uma dezena da outra, anuncie o segundo mistério e ore o Pai Nosso.
10) Na segunda dezena, ore uma Oração do Coração em cada conta. Na última, ore sequencialmente a Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico.
11) Segurando a conta que separa uma dezena da outra, anuncie o terceiro mistério e ore o Pai Nosso.
12) Na terceira dezena, ore uma Oração do Coração em cada conta. Na última conta, ore sequencialmente a Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico, encerrando, assim, mais uma dezena.
E assim, sucessivamente, até o quinto mistério.
Concluída a última dezena, tendo orado a última Oração do Coração, o Glória ao Pai e o texto bíblico, pegue a medalha e recite o Magnificat



A minh'alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade da sua serva. Pois desde agora todas as gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas; santo é o seu Nome. A sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem. Agiu com o seu braço valorosamente; dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos. Derrubou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia a favor de Abraão e de sua descendência para sempre, como prometera aos nossos pais. 
13) Encerre o terço novamente persignando-se com o cordão, enquanto diz: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!
14) Já calmo, pegue as Escrituras e as leia reverentemente. Sugiro um capítulo por dia, do livro de Gênesis ao Apocalipse.
15) Contemplação dos mistérios: 
Segunda-feira: Mistérios gozosos.
Terça-feira: Mistérios dolorosos.
Quarta-feira: Mistérios gloriosos.
Quinta-feira: Mistérios gozosos.
Sexta-feira: Mistérios dolorosos.
Sábado: Mistérios gloriosos.
Domingo: Mistérios gozosos do advento à quaresma. Mistérios dolorosos durante toda a quaresma. Mistérios gloriosos na Páscoa e em todos os domingos seguintes, até o fim do ano litúrgico.
16) Mistérios gozosos:
A) No primeiro mistério gozoso, contemplamos o anúncio do Anjo Gabriel à Virgem Maria.
B) No segundo mistério gozoso, contemplamos a visita da Virgem Maria à sua prima, Santa Isabel.
C) No terceiro mistério gozoso, contemplamos o nascimento de Jesus, em Belém.
D) No quarto mistério gozoso, contemplamos a apresentação de Jesus no templo.
E) No quinto mistério gozoso, contemplamos Jesus no templo, entre os doutores da Lei.
17) Mistérios dolorosos:
A) No primeiro mistério doloroso, contemplamos a agonia de Jesus, no Horto das Oliveiras.
B) No segundo mistério doloroso, contemplamos a flagelação de Jesus.
C) No terceiro mistério doloroso, contemplamos Jesus sendo coroado com espinhos.
D) No quarto mistério doloroso, contemplamos como Jesus, com toda a humildade, carrega a cruz.
E) No quinto mistério doloroso, contemplamos a crucificação e morte de Jesus. 
18) Mistérios gloriosos:
A) No primeiro mistério glorioso, contemplamos a ressurreição de Jesus.
B) No segundo mistério glorioso, contemplamos a ascensão de Jesus ao Céu.
C) No terceiro mistério glorioso, contemplamos o derramamento do Espírito Santo, em Pentecostes.
D) No quarto mistério glorioso, contemplamos a comunhão dos santos.
E) No quinto mistério glorioso, contemplamos a Nova Jerusalém.
Anuncie os mistérios com suas próprias palavras. Quanto ao Magnificat, ele poderá ser cantado (Ordem das Vésperas, Hinário Luterano).

Autoria: Carlos Alberto Leão.



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