domingo, 6 de setembro de 2015

EIS O MENINO JESUS DA TURQUIA


"Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor" (1 João 4:8).

O princípio básico e elementar do cristianismo é a fé. Esta nunca é ociosa, pois apropria-se de Deus e de tudo o que ele possui. Portanto, quem verdadeiramente crê e é cristão, tem dentro de si Deus com seu Amor incomensurável.
A partir do momento em que se crê, quem assume o comando de todos os nossos atos é Deus. A fé lhe abre espaço para entrar e reger. Então, se Deus é Amor, é claro que a fé genuína redundará em Amor, porque a fé é seu trono. Como disse S. João: "Amados, amemo-nos de coração uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus".
Eu bem gostaria de inverter essa ordem (que S. João me perdoe o abuso): Aquele que é nascido de Deus e conhece a Deus ama, porque a fé lhe permite ser ocupado por Deus, que é Amor em essência.
É por isso que nós, luteranos, não estamos preocupados com obras. A verdadeira fé é o trono do Amor por excelência, que é Deus (Gálatas 5:6). E onde há esse Amor, há sempre obediência, com ou sem Lei. Igualmente, quando não há fé e o Amor que nela se assenta, nada é obediência, mesmo que a pessoa se consuma em fidelidade à Lei e venha a ser o maior santo do mundo.
Por isso Jesus disse que os cristãos seriam reconhecidos não pela sua tristeza, sobriedade, jejuns, penitências e outras abstinências e renúncias, mas pelo Amor (João 13:35). Levamos conosco a insígnia da cruz, mas devemos sempre nos lembrar que essa cruz é o Amor, a renúncia de nós mesmos, do que é nosso por direito, de nosso prazer e conforto, de nossa honra, em favor do próximo, que é o mundo inteiro. Ainda há pessoas decidindo quem é seu próximo ou não. Jesus deixou claro que todos são nossos próximos.
Jesus afirmou que, nos últimos tempos, o Amor de muitos esfriaria (S. Mateus 24:14). Mas de onde procede o esfriamento do Amor? Da falta de fé e, por conseguinte, da carência de Deus. Onde não existe fé, ali Deus não está entronizado. Onde Deus não reina, a carne dá as regras do jogo. E a carne não pode amar, senão a si mesma. Mesmo quando ajuda, presta socorro e é solidária, não ama ninguém, exceto a si mesma. Por isso o mundo está como está, porque perseguindo a fé, persegue-se o verdadeiro Amor.
O Amor verdadeiro tem dois objetos: Deus e o próximo. Ele direciona toda a sua vitalidade para esses dois objetos. O Amor autêntico não tem Deus e o próximo como meios, mas como fins. Mas é aqui que está a mística do cristianismo: o Amor tem um único objeto, que é Deus. Ele consegue enxergar Deus no próximo. E essa configuração é tão real, que o próximo não pode ser chamado de meio, mas de Deus.
Queremos fazer imagens que representem Deus. Eu mesmo tenho grande estima por imagens, especialmente por crucifixos, mas sei que a verdadeira representação de Deus entre nós é o nosso próximo. Eu não devo enxergar Deus através de meu próximo, mas exatamente nele, como se fossem a mesma pessoa. Assim afirmou o apóstolo do Amor: "Aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê". Quem quer servir a Deus de verdade, fazer-lhe sorrir, amenizar suas dores, curar suas feridas, beijar seus pés, deve se direcionar ao próximo, não aos templos.
Por isso, eu preferiria que nossos templos fossem profanados, que as imagens fossem quebradas, juntamente com cruzes e crucifixos, a ver um próximo meu ser profanado e destruído, porque ele sim deve ser representação de Deus para mim. Ele é meu verdadeiro altar e crucifixo.
Nada contra os símbolos de nossa fé cristã. Eu amo cada símbolo: cruz, crucifixo, altar, imagens, velas. Tudo isso me auxilia a silenciar meu coração, concentrar-me em Deus e abstrair-me do mundo por alguns minutos, para que minhas forças sejam renovadas. Mas a verdadeira representação de Deus entre nós, que deve ser servida e venerada, chama-se PRÓXIMO.
A razão dessa minha postagem é a morte desse mendigo que, ao tentar salvar a vida de uma moça, acabou sendo morto na escadaria da Catedral da Sé, em São Paulo. Ele morreu aos pés de lindas imagens, diante de um belíssimo santuário, como vários outros mendigos que morrem naquelas cercanias quase que diariamente. Sabemos que aquele templo é sagrado. Mas por que não conseguimos enxergar uma sacralidade maior, infinitamente maior nos muitos moradores de rua que jazem ao redor daquela catedral? Por que não conseguimos enxergar o próprio Jesus nessas pessoas? Penso que a morte daquele mendigo na escadaria de uma igreja não foi por acaso. Deus quer nos ensinar algo com isso.
Peregrinações são feitas para visitar a imagem do Menino Jesus de Praga. Não veem que o menino Jesus morreu semana passada numa praia da Turquia? Que vários meninos Jesus estão esquecidos em orfanatos, bem próximos de nós?
Queremos visitar as terras por onde Jesus andou. Mas Jesus está caminhando pela Turquia e Hungria. Jesus está atravessando não o mar da Galileia, mas o Mar Mediterrâneo. Santa Maria e São José não mais estão fugindo para o Egito, mas para a Alemanha.
Queremos crucifixos em nossas casas. Eu mesmo tenho um. Mas ninguém percebe que Jesus está sendo crucificado nos presídios e nas sombrias ruas do centro de São Paulo, todos os dias?
Eu não estou querendo propor um solução para isso. Reconheço a complexidade do problema diante de nossa tão pouca força e coragem. Quero apenas lançar minha queixa contra nossa atual espiritualidade, que está muito distante de seus autênticos santuários. Gastamos dinheiro com peregrinações ao invés de socorrer o pobre que está à nossa porta. Vamos à igreja para nos encontrarmos com Deus, mas não prestamos atenção ao nosso vizinho que desce conosco o elevador, nem na pessoa que se assenta ao nosso lado no metrô e passamos de largo pelos mendigos que pedem esmola ou estão morrendo ao longo do caminho que percorremos até chegar aos nossos templos. Não nos esqueçamos que a maior experiência com Deus está no Amor ao próximo. É ali que Deus está. Mesmo na igreja, Deus só está ali porque o outro está ali também. Caso contrário, não haveria sermão, absolvição ou eucaristia.
Quero concluir com S. Paulo: "Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens" (Colossenses 3:23).



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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