domingo, 14 de fevereiro de 2016

A TENTAÇÃO DA IGREJA NO DESERTO - PARTE 2


"Então, o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o sobre o pináculo do templo e lhe disse: Se és Filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. Respondeu-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus" (S. Mateus 4:5-7).

No texto anterior, vimos como o diabo tenta Jesus a partir de uma fome não pecaminosa. Agora, no entanto, está indo mais longe, querendo provocar em Jesus um sentimento cobiçoso, da mesma forma como fez com Eva.
O atrevimento do diabo nunca foi tão grande! Ele tinha plena consciência da Divindade de Jesus, tanto é que debochou dela. O que ele não entendia, nem entende e nunca irá entender é o mistério da Encarnação de Deus. É que não se pode entender aquilo que deve ser crido. A Encarnação de Deus é por demais mística para ser apreendida pela razão natural.
O diabo tentou despertar sentimentos perversos no coração de Jesus por pensar que o Homem Jesus estava ao lado da Divindade, que o Homem Jesus não era Deus e que estava suscetível ao pecado tanto quanto Adão. Não é assim que a razão compreende o mistério da Encarnação? Nestório pregou exatamente isso, que o Homem Jesus estava ao lado da Divindade, nascendo, sofrendo e morrendo sozinho, sem participação da Divindade, visto que Deus não pode nascer, sofrer ou morrer. Eu convido quem estiver interessado nessa questão a ler os textos "Eis que estou convosco até à consumação do século partes 1, 2 e 3", publicados neste blog no mês de abril do ano passado.
O diabo levou Jesus ao pináculo do templo de Jerusalém e, utilizando o Salmo 91, tentou-o a pôr em prática o que está escrito ali: "O SENHOR é o meu refúgio. Fizeste do Altíssimo a tua morada. Nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra" (Salmo 91:9-12). O diabo convidou Jesus a pular do pináculo do templo, com base nesta Palavra. "Certamente anjos do Senhor virão em seu socorro!" Essa foi a proposta do diabo, com o intuito de acender em Jesus uma coisa chamada "soberba espiritual".
A soberba espiritual é um perigo gravíssimo à Igreja por ser insidiosa e por acometer suas colunas, seus membros mais santos e vigorosos, que sustentam-na com seu conhecimento e piedade. A soberba espiritual é o pecado dos santos!
A tentação de Jesus tem muito a nos ensinar. É importante que saibamos que os fracos na fé são tentados de um jeito, enquanto que os fortes são tentados de outra maneira. Devemos, portanto, estar atentos, porque Deus nos informa quais são as estratégias do diabo contra cada um de nós, a fim de nos precaver contra elas.
Todos os cristãos autênticos vivem piedosamente. A santidade é desdobramento da fé e revela-se no amor a Deus e ao próximo. Alguns se sobressaem, impelidos por um amor imenso a Deus e ao próximo, logo atraindo os olhos do mundo para si. É então que podem cair em pecado, ao fazerem o que já faziam, porém não mais motivados pelo amor a Deus e ao próximo, mas pelo amor a si mesmos, pelo amor à fama. Suas boas obras são corroídas pela vanglória, de maneira que o prédio desaba em pouco tempo. 
Veja-se que é necessário sempre analisarmos com honestidade nossas motivações. É evidente que o amor próprio permeia tudo o que fazemos. Todavia, não estamos tratando aqui de amor próprio, mas de soberba. Vez ou outra devemos nos questionar: Estou fazendo isso por amor a Deus e ao próximo ou quero me exibir? Estou me sentindo melhor que meu próximo? Se me for imposto o anonimato, continuarei com o mesmo empenho? 
Misericordiosamente, Deus nos concede vez ou outra ingratidão, desacato e esquecimento como salário, para que sejamos obrigados a analisar o que nos impulsiona ao serviço. Se o que me motiva a fazer o bem é o amor a Deus e ao próximo, continuarei servindo do mesmo jeito, ainda que ninguém se importe comigo e seja tratado com ingratidão. 
O Espírito Santo dota a sua Igreja de muitos dons. Alguns, porém, atraem publicidade. É o caso, por exemplo, de quem prega, governa, canta, escreve e leciona. De repente, o cristão que é dotado de dons tão brilhantes pode ser enredado pela soberba, recebendo para si mesmo os louvores que pertencem a Deus. Somente a retirada dos holofotes fará com que seu pecado seja revelado. É o que, misericordiosamente, Deus faz. 
Outros estudam muito, tornam-se eruditos, tão sábios que começam a achar insosso o que aprenderam e tratam de especular. São pessoas que querem servir à Igreja com seu conhecimento, mas não percebem que estão trabalhando contra a simplicidade da fé e que estão sendo motivados pela fama. É assim que as heresias sempre surgiram na Igreja. Heresia é coisa de doutores, não de pessoas simples.
Que dizer então daqueles que se jactam daquilo que consideram sucessão apostólica? Enchem a boca para desdenhar outros cristãos, alegando que sua igreja foi fundada pelos apóstolos, da mesma maneira como os fariseus se envaideciam por serem descendentes de Abraão. São João Batista teve então de adverti-los com as seguintes palavras: "Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão" (S. Lucas 3:8). Se Deus pode tornar uma pedra descendência de Abraão, que ele não fará com um ministro da Palavra, regularmente chamado e ordenado pela Igreja, como aconteceu com Lutero? Portanto, todo pregador do Evangelho é sucessor dos apóstolos, não importa a qual igreja pertença. Igualmente, todo pregador que não é fiel ao Evangelho, é filho do diabo e nada tem com os apóstolos. 
Quantos se envaidecem de suas confissões, concedendo a elas o poder de fazer cristãos! Quando agem assim, estão atribuindo o seu cristianismo a uma obra sua, a um livro, não à fé.
Em tudo isso, percebemos que as boas obras permanecem: Pregação, ensino, serviço, ortodoxia doutrinária, obras de misericórdia, etc. Mas a fé que lhes garante solidez está sendo corroída pela soberba espiritual, sem que ninguém se dê conta disso, nem mesmo quem caiu em tentação, até que as obras ocas se esfacelam e a casa desaba, provocando escândalo em toda a Igreja. O barulho é tremendo! Afinal, quem cai não é um cristão qualquer, mas um santo, um modelo de piedade, um líder!
Jesus nos ensina a resposta que devemos dar ao diabo quando ele nos vem cheio de elogios, querendo nos inflar: "Não tentarás o Senhor, teu Deus"
O que significa para a Igreja não colocar seu Deus à prova? Significa não garantir-se. Há pessoas tão seguras diante de Deus que pulariam do pináculo do templo com convicção plena de que Deus mesmo as apanharia no ar, de tão sábias, santas e indispensáveis que são.
Nunca pense que Deus está impressionado com você, porque não está. Jesus nos advertiu da seguinte maneira: "Porventura, terá de agradecer ao servo porque este fez o que lhe havia ordenado? Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer" (S. Lucas 17:9-10).
Quaresma é tempo oportuno para analisarmos honestamente nossas motivações e baixarmos a bola. Nossos dons e obras não são patrimônio nosso, mas do próximo e da Igreja. Dons e obras só plenificam à medida em que subsistem em comunhão. Um coração só é indispensável à vida quando há nervos, sangue, pulmões, cérebro, rins e esqueleto. Sem o conjunto, sem o restante do organismo, o coração não presta para nada! Assim devemos servir à Igreja, como quem é servido primeiro.
Concluo com S. Paulo: "Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense em si mesmo além do que convém; antes pense com moderação" (Romanos 8:3).

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.





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