sábado, 7 de maio de 2016

CONSUBSTANCIAÇÃO: É NISSO QUE CREMOS?


Algumas coisas aprendemos nas aulas de história que precisam ser desaprendidas depois. A consubstanciação como doutrina luterana é uma delas. 
Nós, luteranos, não acreditamos na transubstanciação nem na consubstanciação. Em nada disso nós cremos!

O que é transubstanciação? É a transformação da substância do pão e do vinho em substância de Cristo. Permanecem os acidentes do pão e do vinho, mas a sua substância é milagrosamente transformada na substância de Cristo. 

Substância e acidentes são termos filosóficos. Substância é aquilo que define o ser. A substância do pão é aquilo que é necessário para que o pão seja pão, assim como a substância de Cristo é aquilo que o define, sendo necessária para que Cristo seja Cristo. Acidentes são os atributos que são acrescentados às substâncias e são dispensáveis ao ser, como grande e pequeno, estreito e largo, branco ou negro, culto ou inculto, etc. Um pão pode ser fermentado ou ázimo, mas é pão. Pão é a substância do pão fermentado e do pão ázimo. Um homem pode ser culto ou inculto, mas é homem. Homem é a substância do homem culto e do homem inculto. Portanto, substância é o que há de mais elementar no ser, que estabelece o ser. É um conceito puramente metafísico e abstrato. Não se deve confundir substância com matéria. Substância é algo que não se pode apreender com os sentidos, mas somente com o intelecto.

A transubstanciação explica que a substância do pão (aquilo que o define como pão) e que a substância do vinho (aquilo que o define como tal) são transformadas na substância de Cristo (aquilo que o define como Cristo), permanecendo os acidentes do pão e do vinho, como sabor, cor, quantidade, forma, etc. Como o pão se transformou em Cristo, dispensa-se a entrega do cálice, por considerar racionalmente que o Cristo inteiro é recebido sob os acidentes do pão. Também se defende a adoração contínua ou perpétua do pão, que já não é mais pão, mas apenas preserva os acidentes ou atributos sensíveis do pão. Isso é trans-substanciação.

A consubstanciação explica que a substância de Cristo passa a coexistir com a substância do pão e do vinho. A origem dessa tese não está nas Escrituras, mas na seguinte questão filosófica: como os acidentes do pão e do vinho podem permanecer sem sua substância? Diante da constatação de uma impossibilidade filosófica, nasceu a com-substanciação. 

Veja-se que transubstanciação e consubstanciação são explicações filosóficas de um mistério. Surgiram em um período da baixa Idade Média em que se recorreu ao pensamento de Aristóteles para explicar os mistérios de Deus. São frutos do apogeu do escolasticismo cristão.

Nós, luteranos, recusamos, o quanto nos é possível, qualquer intromissão da filosofia grega no mistério eucarístico. Sabemos que pão e vinho permanecem, pois S. Paulo nos ensina isso com clareza em 1 Coríntios 10:16 e 11:26. Professamos também que as palavras de Cristo: "Isto é o meu corpo" e "isto é o meu sangue" são verdadeiras e que de forma alguma devem ser interpretadas de maneira alegórica, pois não estamos autorizados a isso. Não se tratam de metáforas por razões óbvias, também não podemos seguramente entender pão e vinho como tipos ou símbolos de Cristo, pois nenhuma explicação nesse sentido nos foi legada por Cristo e seus apóstolos. É perfeitamente possível a Cristo estar sob o pão e o vinho e isso não contraria nenhuma outra verdade revelada nas Escrituras. Além disso, toda a história da Igreja depõe contra a interpretação alegórica. É por isso que quem assume tal interpretação também costuma declarar a apostasia da Igreja Católica desde seus primeiros séculos.

Tanto a transubstanciação, quanto a consubstanciação e a visão alegórica da Eucaristia são subterfúgios da razão humana para aceitar um mistério, como se fosse possível isso, visto que a razão humana foi criada por Deus somente para as coisas cognoscíveis, para as realidades sensíveis, não para apreensão de seus mistérios. Para isso Deus criou a fé.

Quando Lutero se viu em situação de combate, foi obrigado a elaborar melhor seu pensamento, obviamente recorrendo à razão. Foi aí que ele apareceu com o conceito de união sacramental. Lutero ensinou que o pão consagrado está em comunhão com o corpo de Cristo, cuja presença no pão não é material ou local, mas sobrenatural e celeste. Semelhantemente, o vinho consagrado está em comunhão com o sangue de Cristo, cuja presença no vinho não é material ou local, mas sobrenatural ou celeste. A isso chamou de união ou unidade sacramental. Lutero procurou se abster o quanto pôde do termo filosófico "substância" (em grego, ousia). Teve muito pouca ou nenhuma consideração por Aristóteles.

Assim afirma Lutero, em sua Confissão da Ceia de Cristo: "Pois, na verdade, corpo e pão são, cada um por si, duas naturezas distintas e, quando separadas, uma não é a outra. Quando, porém, se unem e se tornam um ser novo e inteiro, perdem suas diferenças no que diz respeito a esse novo e único ser. E, tal como se tornam e são uma só coisa, assim também os conceituamos e chamamos de uma coisa só, de modo que não é necessário que uma das duas desapareça e pereça, mas que ambos, pão e corpo, fiquem, e que, de acordo com a unidade sacramental, se possa dizer corretamente: 'Isto é o meu corpo', sendo que a palavrinha 'isto' indica para o pão. Pois já não é mais simples pão do forno, mas pão-carne, ou pão-corpo, quer dizer, um pão que se tornou uma só essência sacramental e uma só coisa com o corpo de Cristo. O mesmo vale a respeito do vinho no cálice: 'Isto é o meu sangue', onde a palavrinha 'isto' indica para o vinho. Pois já não é mais simples vinho da adega, mas vinho-sangue, portanto, um vinho que se tornou uma só essência sacramental com o sangue de Cristo".
É essa unidade sacramental que nós, luteranos, professamos.

Mas para ser sincero, eu não aprecio qualquer explicação desse mistério, nem mesmo a de Lutero. Ele estava em situação de combate quando escreveu isso. Minha situação é outra e prefiro abster-me de qualquer explicação. Como luterano, creio que o pão se torna corpo de Cristo e creio que o vinho se torna sangue de Cristo e ponto final. Creio também que toda paróquia se transforma nO bendito cenáculo, que Cristo é o verdadeiro e único celebrante e que estamos ao seu redor como os apóstolos estiveram. Creio também que essa oferta de Cristo é para nossa salvação. 

Eu creio! Não quero nenhuma explicação do que acontece ali. Não quero que me expliquem como essa presença ocorre, em que momento ocorre ou em que momento deixa de ocorrer. O que sei é que ela ocorre. Também não me interesso por presença localiter ou definitive. Minha fé se dá por muito satisfeita em saber que, juntamente com o pão e o vinho consagrados, estou recebendo o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de meu Salvador. Minha fé se dá por satisfeita em saber que minha boca recebe e mastiga o corpo de Cristo, o mesmo que foi imolado na cruz e que ressuscitou ao terceiro dia. Minha fé se dá por satisfeita em saber que minha boca engole o sangue de Cristo, o mesmíssimo sangue que jorrou em sua face, que pingou na terra e que verteu no madeiro. Minha fé se dá por muito satisfeita em saber que o homem Cristo está de fato presente em cada celebração eucarística, a conceder-me o pão e o vinho com suas próprias mãos. Por fim, minha fé está muito satisfeita em saber que este comer e beber são salutares a mim, garantem-me a remissão dos pecados e, por conseguinte, minha salvação eterna.
Importa-me lá o que meus olhos veem ou deixem de ver! O importante é o que a minha fé experimenta. Quanto ao meu pensamento, trago-o cativo à obediência de Cristo (2 Coríntios 10:5).

Autoria: Carlos Alberto Leão.

Imagem extraída da internet.

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