sábado, 22 de abril de 2017

EUCARISTIA: O SACRAMENTO DA HUMANIDADE DE DEUS

"Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha" (1 Coríntios 11:26).



Para aqueles que têm uma Eucaristia de pão e vinho, o significado facilmente se esgota e o sacramento cabe confortavelmente na razão. Quem, porém, tem uma Eucaristia de corpo verdadeiro e sangue verdadeiro de Cristo, jamais compreenderá seu significado, nem aqui, nem no porvir. Jamais caberá na mente humana o que significa e o proveito de receber o próprio Senhor na boca e no coração. O significado da Eucaristia é tão grandioso quanto o próprio Céu, com a Santíssima Trindade e os santos anjos. É então que, não tendo como compreender isso, o que nos resta é experimentar e anunciar.
O credo que professamos todos os domingos está inteiramente contido na Eucaristia. Nela está o Cristo inteiro, Deus e homem em uma só pessoa indivisa. Nela está a Santíssima Trindade, que é revelada ao mundo unicamente por Cristo. Nela está a misericórdia do Pai e o consolo do Espírito Santo. Nela está a Santa Igreja Católica, a remissão de pecados, a ressurreição e a vida eterna. Tudo o que há de santo no céu e na terra encontra-se nesse sacramento, de maneira que ele está muito além da capacidade humana de compreender.
Quero me ater a três tesouros que podemos encontrar na Eucaristia: a humanidade de Cristo, a morte de Cristo e sua ressurreição. Se fôssemos falar de tudo aquilo que a Eucaristia contém, nem todas as páginas do mundo iriam caber a décima parte. Portanto, fiquemos com esses três tesouros e procuremos nos ater a eles toda vez que formos comungar.
A Eucaristia é um anúncio poderoso de que Cristo é verdadeiro homem. Já bem no início da Era cristã, quando S. João ainda era vivo, a humanidade de Cristo começou a ser negada. Alguns começaram a ensinar que Cristo havia se apoderado temporariamente de um ser humano, filho natural de Maria e José. Outros vieram a ensinar que Cristo nunca teve um corpo verdadeiramente humano, mas um corpo etéreo ou pneumático, humano só na aparência, que passou pelo corpo de Maria como por um canal. Essas heresias  que negavam a humanidade de Cristo são conhecidas pelo nome genérico de gnosticismo, que declarava ser a matéria algo ruim, que somente o espírito é bom, numa tentativa ímpia de conciliar o platonismo com a fé cristã. Consequentemente, recusavam a Cristo um corpo verdadeiramente humano. Foi então que S. João clamou: "Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus" (1 João 4:2).
Fico pensando se uma Eucaristia simbólica teria resistido a essa investida. A Igreja teve de proclamar e ainda proclama perante um mundo que nega a encarnação de Deus, que Deus se fez homem, continua homem e dá seu corpo e sangue através do sacramento da Eucaristia. 
A Eucaristia é também um anúncio da paixão e morte de Cristo. Não só anuncia a humanidade de Deus, mas sua morte em favor dos pecadores. Por isso mesmo, São Paulo afirma que "todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor".
Toda vez que comungamos em fé, recebemos o fruto do sacrifício de Cristo. Não devemos pensar que o sacrifício está sendo repetido ou atualizado. O que nos é dado na Eucaristia - e que é memorial da paixão - é o sacrifício de Cristo e seu fruto eterno, que é a remissão de pecados. Não basta Cristo ter morrido na cruz para remissão dos pecados. É necessário que recebamos essa morte e essa remissão, pois o Cristo que professamos não é um fato meramente histórico. Ele é a Palavra de Deus, que deve ser recebida e fruída. Não basta Cristo ter morrido para expiação dos pecados, é necessário que ele tenha morrido por mim! Portanto, eu preciso receber em mim sua morte e tudo aquilo que resulta dela.
O sacrifício da missa é uma deturpação dessa verdade. Receber o sacrifício de Cristo e tudo o que resulta dele não é o mesmo que sacrificar de novo ou atualizar. Aqui não cabe o operar humano, mas só o receber.
Por fim, a Eucaristia é um anúncio da ressurreição de Cristo. A Igreja recebe, através da Eucaristia, um corpo vivo, um coração que bate, pois Cristo ressuscitou. Enquanto o mundo procura restos de um corpo, a Igreja anuncia que esse corpo está dentro dela, em seu seio, em cada celebração eucarística. O corpo de Cristo não está na sepultura, não está escondido em algum lugar, não está no Céu, como que distante de nós, mas com, em e sob o pão e o vinho.
Após a ressurreição, Cristo não mais se manifestou ao mundo, mas somente aos seus discípulos, àqueles que criam nele. Isso não mudou mais, pois até hoje ele continua muito junto daqueles que creem nele e oculto ao mundo.
Ah se pudéssemos entender que cada celebração eucarística é um encontro de Santa Maria Madalena com o jardineiro! Que podemos tocar em Jesus como S. Tomé tocou! Que estamos sentados à sua mesa, em Emaús! Ah se pudéssemos entender que, em cada celebração eucarística, Cristo come conosco e indaga-nos: Você me ama? Então apascenta minhas ovelhas. Como seria bom se entendêssemos que cada comunhão eucarística é um encontro pessoal e íntimo com o homem Cristo! Se o entendêssemos, não trocaríamos a Eucaristia por nada! Por absolutamente nada!
Diante da lassidão da Igreja perante o sacramento da Eucaristia, sou sempre incomodado pelo seguinte questionamento: além daquilo que confessamos com os lábios, temos acreditado de fato na presença real de Cristo na Eucaristia? Ou temos sido simbolistas práticos?

Autoria: Carlos Leão.
Imagem extraída da internet.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

O ESCÂNDALO DA MISERICÓRDIA

Há poucos dias o governo sírio cometeu outro atentado contra civis, em que de novo usou o gás sarin, matando muita gente e pior: seu próprio povo, o povo que devia proteger. Confesso que ao ver aquelas crianças mortas fui tomado de tamanha indignação que clamei a Deus por vingança, que não deixasse impune um crime tão bárbaro. 
Não sei se me arrependo por ter pedido isso a Deus. Não, não me arrependo e continuo desejando vingança.



Fato é que a vingança veio logo depois, por parte dos Estados Unidos. E eu senti prazer naquela revanche, porque de forma alguma poderia permanecer impune um crime como aquele. Considerei-a muito justa! 
De fato, a vingança é muito lógica e justa. É muito correto que cada qual pague por seu erro e que faça uma reparação à altura. Mesmo na Lei que Deus decretou a Israel percebemos a justiça sendo exercida pela vingança, das mais diversas maneiras, que podemos resumir com estas palavras: "Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe" (Êxodo 21:23-25).
Deus não é contra a vingança e a executa o tempo inteiro. Ele, inclusive, vale-se da lógica da vingança para exercer sua onipotência sobre os ímpios, pois é através da vingança humana que Deus vinga, depondo tiranos, permitindo que um ímpio mate outro ímpio, com o intuito de preservar a humanidade. Todos os dias presenciamos a vingança sendo exercida, embora somente os crentes saibam que Deus está por trás de tudo isso. O próprio inferno é a expressão máxima da vingança de Deus contra os maus. 
Seria muito ingênuo de nossa parte acreditar que nosso Deus não se vinga. "A mim me pertence a vingança, eu é que retribuirei" (Deuteronômio 32:35). Não fosse Deus vingador, no sentido de exercer a justiça, não teria havido encarnação, nem paixão, nem cruz, nem salvação. Portanto, deveria haver um temor no mundo ímpio em relação a esse Deus vingador, mas não há. Muito pelo contrário, o mundo se alegra e permanece seguro, como se não houvesse Lei, justiça e um Deus vingador. Enquanto isso, o braço invisível de Deus derruba governos, vinga os oprimidos e destrói os soberbos, os assassinos, aqueles que ameaçam a ordem pública e, por fim, condena ao inferno aqueles que não se arrependem. Parece que é o homem que se vinga e exerce a justiça, mas tudo isso procede da onipotência divina. 
A imagem do Deus vingador está incutida no pensamento humano. É uma imagem que causa temor e até terror na consciência, razão pela qual as religiões pagãs desenvolveram muitas obras com o intuito de apaziguar esse Deus e desviar sua vingança de nós.
É então que aparece Jesus, que nos revela algo novo acerca de Deus: ele é misericordioso. Embora o judaísmo e todas as religiões pagãs afirmem de Deus que ele é misericordioso, só os cristãos conhecem a dimensão dessa misericórdia, porque aqui Deus aparentemente luta contra a justiça, contra o que é correto e não vinga onde deveria vingar. De maneira que soa à razão humana que Deus está sendo injusto e transgressor da Lei. A razão humana encontra na misericórdia de Deus um enorme escândalo, porque a impunidade é algo injusto.
Nós, cristãos, sabemos que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele representa Deus perante os homens, assim como representa todos os homens perante Deus. Ensinamos que o homem Cristo assumiu todos os pecados da humanidade e foi punido por causa desses pecados, que não eram seus! Toda a vingança de Deus contra o pecado humano se voltou contra a pessoa de Cristo, que foi transformada por Deus em pecado. 
Então devemos perguntar: É lícito a Deus fazer isso? É uma manobra válida? Como pode Deus agir com justiça ao transferir os pecados de uma pessoa para a outra? Isso não soa justo e, com base na razão, não é. Ninguém consideraria justo que uma mãe fosse punida por crimes cometidos por seu filho, ainda que ela o desejasse do fundo do coração. Deus mesmo já havia se manifestado a respeito, com as seguintes palavras: "Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos, em lugar dos pais; cada qual será morto pelo seu pecado" (Deuteronômio 24:16). 



Cristo revela o significado profundo da Lei de Deus e da justiça, que está no amor. Ele ensina: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas" (S. Mateus 22:37-40). 
Há quem pense que uma lei é cumprida quando uma regra ou preceito é cumprido. Os fariseus pensavam assim! Mas Cristo coloca o amor como verdadeiro cumprimento da Lei, estando acima de qualquer regra, preceito, texto ou ordem. O amor coloca a dignidade humana acima da letra, de maneira que colaborar com a preservação dessa dignidade nunca é errado, ainda que muitas regras sejam desobedecidas. Foi assim que Cristo cumpriu a Lei de Deus não cumprindo várias leis e passando por cima de muitos preceitos. Foi assim que o Pai passou por cima de sua Lei para, paradoxalmente, cumpri-la na carne de seu Filho. 
Quando se tenta cumprir a Lei sem amor, então ela é transgredida, ainda que visivelmente tudo transcorra de acordo com o que a regra estabelece. Se nos debruçarmos sobre várias passagens da vida terrena de Cristo, perceberemos facilmente que muitas vezes os judeus é que agiam de acordo com as regras e que Deus havia pecado. Entretanto, quando entendemos que sem amor não há justiça, concluímos que os judeus pecavam ao obedecer e que Deus cumpria a Lei ao transgredi-la, porque em seu coração há puro amor pelos homens e tudo o que fez e faz é para o verdadeiro bem do homem.
Se o amor cumpre a Lei invariavelmente, assim como a falta de amor sempre a transgride, que dizer da misericórdia? Porque a misericórdia é o extremo do amor. Misericórdia é o amor direcionado a quem não o merece, é todo dádiva, não envolve qualquer devolução ou permuta. Aliás, o amor é validado pela misericórdia! Só podemos dizer que amamos alguém quando esse amor tolera a fraqueza pessoal do outro, quando ele persiste diante da miséria do outro. Caso contrário, não é amor verdadeiro, mas uma ilusão. 
Sendo a misericórdia o extremo do amor, ela é o cumprimento máximo da Lei. É por isso que Cristo quer nos direcionar à misericórdia - e não à vingança - como o caminho para o cumprimento da Lei. Ele não nos pede um amor natural, mas o amor ao inimigo, que é misericórdia. Ele não quer que a mulher de má conduta seja punida com a morte, mas que seja perdoada, o que é misericórdia. Ele nos desafia a colocar a misericórdia acima do direito da vingança. Por fim, é misericórdia assumir voluntariamente todo o mal da vingança para isentar miseráveis indigentes dela. Foi isso o que Cristo fez por nós!
Aqui está o que há de mais santo e justo: assumir o mal da vingança com o intuito de proteger e salvar quem não tem condições de evitá-la. Se o amor cumpre a Lei, a misericórdia - que é o extremo do amor - cumpre maximamente a Lei, sendo que a misericórdia pode tudo e nunca erra. A misericórdia é o cumprimento abscôndito e perfeito da Lei, que o mundo e o diabo não conhecem e, por causa disso, crucificaram o Senhor da Glória. A misericórdia é a pedra na qual o diabo tropeçou para sempre!

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.