quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

ESPERANÇA: DESCANSO NA DOR

"Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos" (Romanos 8:22-25).


Vou ser sincero com você: Não tenho muito interesse na comemoração de um ano que passa. Para mim, todas as festividades de hoje não fazem muito sentido. Para mim, dia primeiro de janeiro é apenas um feriado. Considero o meu aniversário como sendo o meu réveillon.
No entanto, devemos agradecer por cada dia que vivemos e, hoje à noite, estarei agradecendo a Deus por este dia também, se Deus o permitir, é claro. Também, por que não louvar a Deus por mais um ano que passa na história da humanidade ocidental? Viver é sempre o maior milagre, pelo qual nunca devemos nos cansar de dar graças.
Quando um ano termina e outro começa, um sentimento arrebata a massa: a esperança. E é sobre esse sentimento que quero comentar hoje.
São Paulo nos fala da criação que geme sob a corrupção do pecado, sujeita ao diabo. De fato o mundo inteiro padece o nosso pecado e o domínio de Satanás. Terremotos, tsunamis, enfermidades, sequidão e tantos outros males assolam os seres viventes. Também nosso pecado castiga o mundo: rios poluídos, inundações, aquecimento global, derretimento das geleiras, escassez de água, etc. Neste ano, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco ceifou vidas e destruiu todo um ecossistema. O mundo deveras geme por causa de nosso pecado e devido à opressão satânica.
São Paulo fala também de nosso gemido, o gemido dos cristãos. Diz coisas estranhas: "AGUARDANDO a adoção de filhos, a redenção do corpo". Como assim, aguardando? Por acaso ainda não fomos redimidos e não somos filhos de Deus? São Paulo porventura quer nos tirar a certeza da salvação?
O cristianismo é marcado pelo paradoxo. O cristão convive com realidades opostas o tempo inteiro. O cristão é santo e pecador, salvo e perdido, filho de Deus e filho do diabo, Cristo e Adão, está na bem-aventurança celeste e padece horrores neste mundo, está junto de Deus e separado dele. Veja como é difícil a nossa condição!
O homem descrente não conhece esse paradoxo. Ele todo está sob o domínio do diabo. Nada dele pertence a Deus.
O homem salvo igualmente não conhece esse paradoxo. Ele todo está em Deus e pertence a Deus.
Mas o cristão está entre a terra e o Céu, está partido em carne e espírito. Crê em sua condição permanente, que é celestial, mas sua condição transitória, que é mundana. Ah, mas como é difícil resistir ao que nossos olhos veem! O cristão verdadeiro se vê péssimo todos os dias, porque não aceita o que vê. O cristão vive inconformado consigo mesmo e com o mundo. Afinal, a realidade do pecado e da corrupção enche seus olhos, sua mente e sua razão, acusando-o permanentemente de perdido e apartado de Deus.
Por que nos enxergamos assim tão péssimos? Quem nos torna inconformados com tudo o que nossa vista alcança? Certamente é a fé. Não tivéssemos fé, estaríamos reconciliados conosco e com o mundo, sem paradoxos, sem embates, sem pecados. Então seríamos pessoas honestas e boas, caminharíamos com a cabeça erguida, como pessoas de bem. Mas quem crê está condenado a sentir-se desonesto, mau e a caminhar cabisbaixo, gemendo. Sim, gemendo! "Igualmente gememos em nosso íntimo".
Veja que até a fé do cristão existe num contexto paradoxal: quem crê sente-se pecador e perdido. Quem não crê se sente santo e salvo, dentro daquilo que considera salvação.
É então que S. Paulo nos exorta à esperança. Não a qualquer esperança, mas a um tipo específico de esperança, que é a esperança cristã.
O que é esperança cristã? A esperança cristã consiste em considerar mentira o que se vê e ter por verdade absoluta o que não se vê. Vejo o presente e chamo-o de mentira deslavada. Em seguida, dirijo-me ao futuro como verdade. Vejo meu pecado como mentira, creio em minha santidade como verdade. Vejo minha carne como mentira, creio em meu espírito como verdade. Esperança cristã tem por base a fé. A esperança cristã é a ousada resposta da fé ao que se vê. Ela diz: "Não me importa a tua concretude, ó realidade, porque sei, tenho certeza que não és verdade. Tua concretude me tenta a crer em ti, mas não irei crer em ti, porque tu és mentira e, como eu, tu passarás. Eu tenho certeza que a verdade existe e que tu a queres esconder de mim. Enquanto isso, ponho-me a esperar a revelação da verdade. Não queiras que compre gato por lebre".
São Paulo declara que "na esperança fomos salvos". É a esperança que nos salva, porque é fé genuína em seu exercício. O que mantém o cristão é a fé, que o faz descrer na mentira tangível e crer na verdade intangível, o que outra coisa não é senão esperança. Se você sente essa esperança é porque você crê. Não queira buscar sua fé e, com ela, a certeza de sua predestinação e de sua salvação eterna fora dessa esperança. Eu a tenho! disso me glorio e nisso descanso. Descanso de lágrimas, de dor, de inquietude, de gemido, mas descanso!
São Paulo afirma o óbvio: "Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?" É então que declaro preferir mil vezes ou infinitas vezes meu descanso doído da esperança ao descanso epicureu da vista. 
Para mim, dia 31 de dezembro continuará sendo véspera de primeiro de janeiro, mas passo de um dia ao outro levando comigo a mais autêntica comprovação da fé, que é a esperança cristã.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

domingo, 27 de dezembro de 2015

NO RECÔNDITO DO LAR

"E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens" (S. Lucas 2:52).


Deus se fez homem no ventre de uma virgem chamada Maria. Um silêncio profundo envolvia aquele insondável mistério!
Sua mãe bendita casou-se com José e o deu à luz num curral de Belém. Novamente, silêncio, muito silêncio!
Tendo nascido, deram ao Deus humanado o nome de Jesus, conforme orientação do anjo. Mas de tal maneira a Divindade estava oculta e silenciosa em Jesus, que ele não passava de simples menino aos olhos de seus pais. O evangelista mostra claramente que José e Maria não sabiam da Divindade de seu filho. Assim narra S. Lucas: "Ele [Jesus] lhes respondeu [aos pais]: Por que me procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai? Não compreenderam, porém, as palavras que lhes dissera" (S. Lucas 2:49-50). Obviamente, sabiam que aquele menino era o Messias, mas não o próprio Deus. 
Jesus foi criado por seus pais como todo menino judeu. Foi circuncidado, apresentado no templo e todos os anos era levado por eles a Jerusalém, para participar da Festa da Páscoa. Silêncio de uma família comum, com um filho aparentemente comum. Segredo!
Fico olhando para as casas daqui mesmo, de onde escrevo, e ponho-me a pensar: que segredos há no silêncio de cada lar? Problemas há com certeza. Não é fácil a vida matrimonial, menos ainda a incumbência de educar filhos. Muitos são os desgostos e dores que permeiam as relações familiares. Mas eu tenho certeza que o amor existe em cada uma dessas casas que avisto de meu escritório. 
Família é assim: ensaio da vida. Aprendemos a lidar com as perdas e com os ganhos, a respeitar, a impor limites; erramos e acertamos, reparamos os danos, tudo o que fazemos fora do lar, mas no contexto do amor. É necessário que eu aprenda a lidar comigo mesmo e com o outro em meu lar, onde o amor me dá a oportunidade de vivenciar cada erro e cada fracasso diante de pessoas que não irão me condenar. Os erros são permitidos e bem-vindos nos ensaios, não nos espetáculos. Família é local de ensaio, não de espetáculo.
Família é o mundo ideal. Lembro-me de quando deixei a casa de meus pais e morei por seis meses em um pensionato. Ali não havia a paciência e o perdão do lar, mas eu havia sido preparado para encarar essa nova realidade durante vinte anos. Em minha opinião, o ser humano precisa de condições ideais para crescer e florescer. Que seria de mim se crescesse em um ambiente hostil, sem amor, onde só há disputas e mentiras, como ocorre no mundo? Para enfrentar o desamor, a indiferença, o ódio e o egoísmo, é necessário que primeiramente eu aprenda o que é o amor, a atenção, o perdão e o altruísmo. Os valores devem ser formados na família, como mundo ideal. O conhecimento do amor me faz resistir ao desamor. Ter sido ouvido me auxilia a ouvir, a interessar-me pelo outro, contrapondo-me ao que o mundo é. Por isso, corretamente associamos valores humanos ao berço.
Família é amparo. Toda vez que nos machucamos, é no lar que são feitos os curativos. 
Família é descanso. Para ela retornamos após um dia exaustivo de lutas e ali encontramos o descanso do desabafo, do choro, da refeição, da risadaria, dos pés esticados no sofá, do filhinho dormindo serenamente.
Incrivelmente silenciosa é a vida familiar. Tudo isso acontece sem qualquer alarde. Muito pelo contrário, tudo ocorre de maneira discretíssima! Dos lares alheios só enxergamos as luzes que se acendem e que se apagam.
Deus teve uma família. De seu lar temos muito pouco, praticamente o acender e apagar das luzes. Dos trinta anos de convivência familiar, temos somente isto: "E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens".
De tal maneira a Divindade de Jesus se silenciou, que ele nem se dava conta dela. Viveu como simples menino e rapaz a vida familiar, sendo submisso aos seus pais, trabalhando, comendo, descansando e aprendendo. Os evangelistas não sabem dizer - aliás, quem sabe dizer algo de qualquer lar? - mas eu creio que ele se decepcionou com seus pais, teve que perdoá-los, brincou, esfolou-se, chegou chorando aos pais, reclamou dos curativos. Eu creio que ele teve medo dos relâmpagos, quis dormir com os pais; que tomou chuva, chegou em casa enlameado, foi corrigido diversas vezes, etc. Tudo aquilo que silenciosamente ocorre no ambiente familiar ele viveu, obviamente sem pecado algum.
Então fico surpreso ao perceber que Deus quis CRESCER numa família. Que estima Deus tem pela família! O Verbo eterno e a Sabedoria se calaram para ouvir seus pais, honrá-los, interagir com eles e aprender com eles. Preparou-se para sua missão durante trinta anos de convívio familiar!
Não à toa o diabo tem investido tanto contra as famílias. Sem alarde, as famílias têm formado pessoas de bem para o mundo, têm promovido tudo o que há de bom no mundo, absolutamente tudo! Tudo o que há de bom começou no silêncio de um lar. Sem alarde, uma família muito comum formou o próprio Deus.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


domingo, 20 de dezembro de 2015

O SILÊNCIO DE DEUS

Então, Jesus me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porquanto, quando sou fraco, então, é que sou forte" (2 Coríntios 12:9-10).


Instintivamente todos nós gostaríamos de ver Jesus e adorá-lo. Pensamos no quão seria mais fácil crer se víssemos algo. Pedimos milagres, sinais, desejosos que alguma evidência seja posta diante de nós para que prossigamos em nossa caminhada.
Entenda, porém, que sua razão ou intelecto é que requer isso. A fé não se compraz no que vê. Muito pelo contrário, qualquer evidência a reduz.
Fé é uma coisa estranha. Quanto mais improvável, invisível e insensível seu objeto for, mais fortalecida ela é. Ela não quer ver ou sentir nada. É fome do Deus invisível!
Como a razão é o que temos ao nosso dispor, não deve causar estranheza que igrejas que enfatizam milagres e outras prosperidades estejam crescendo muito mais que igrejas onde Deus permanece invisível e em silêncio. 
Somente a fé convive muito bem com o silêncio de Deus. A razão natural não o suporta e está sempre atrás de evidências, que nunca lhe são concedidas, senão em situações extremas, como a de S. Tomé, quando Deus age por pura misericórdia diante da indigência humana.
Deus se esconde de nós com o propósito de fortalecer nossa fé. Qualquer evidência fortalece a razão e reduz a fé. Deus não quer nossa razão, mas nossa fé, e ele tem motivos para isso.
Quem pauta sua religiosidade na razão estará se ancorando em algo pecaminoso. Nossa razão está corrompida pelo pecado. Por esse motivo, ela conclui que Deus só lhe é favorável quando tudo estiver ocorrendo de maneira perfeita. Igualmente concluirá que Deus a abandonou quando a primeira tribulação vier. A razão também conecta teimosamente qualquer intervenção divina ao homem: a um santo intercessor, à própria oração, à oração de outrem, sobretudo de alguma autoridade religiosa. A razão humana teima nessas ninharias. Daí vêm as romarias, vigílias, orações no monte, novenas, grandes aglomerações em torno de pessoas com poder de cura, sensacionalismo televisivo e outras coisas do tipo, que conhecemos bem. 
É facilmente explorado quem pauta sua religiosidade na razão. Quem explora a razão pensa o seguinte: basta eu dar alguma evidência à pessoa que eu a terei por discípula. Sendo minha discípula, espero que seja generosa comigo. É dessa maneira que os "exploradores da razão" se enriquecem.
A razão atrela a misericórdia divina à mediação de santos por não encontrar misericórdia em lugar algum. Ela analisa cuidadosamente nossas indignidades, compara nossa situação miserável à de outros, onde ela costuma enxergar santidade, e passa a crer que a mediação dessas pessoas santas é fundamental, já que ela não entende o que é misericórdia e quer lidar com Deus com base na evidência da santidade.
A razão também tem a mania de querer pagar algum preço. Ela não aceita nada de graça. Por que ela é assim? De onde ela tira a ideia renitente de que é necessário sempre pagar? É que ela se baseia em nós mesmos e concebe seu Deus de acordo com nossa natureza. Nós não somos gratuitos. Ah, não somos mesmo! E quem se sente gratuito, trate de estudar seu comportamento com mais honestidade. Daí a razão cria sofrimentos, dízimos e ofertas sem fim, com o intuito de pagar por cada graça recebida. 
É por isso que Deus não quer nossa razão. Se Adão e Eva não tivessem pecado, a razão certamente faria o papel da fé. Mas uma vez que a razão foi pervertida pelo pecado, Deus não pode mais utilizá-la como forma de relacionar-se com o homem.
Então Deus cria essa coisa estranha chamada fé. A ela Deus condiciona a salvação humana.
A fé é uma fome de Deus. Assim como a concupiscência é uma fome de pecado, a fé é uma fome de Deus. Ela impulsiona o homem ao verdadeiro Deus, que difere muito do Deus que a razão constrói. 
Não à toa fé e razão se digladiam terrivelmente no cristão, porque são diferentes demais para conviverem pacificamente. É essa contenda permanente entre fé e razão que torna a vida do cristão tão sofrida. Quem não tem fé, sente-se muito mais confortável no exercício de sua religião, porque lida somente com a razão.
A razão de Deus estabelecer a fé como maneira de o homem relacionar-se com ele é que ela não está pervertida pelo pecado. Ela é uma força santa e diviníssima que atua através de nossa vontade, puxando-a para Deus. Não há pecado algum em nossa fé e ela nunca erra!
A fé tem a característica de querer Deus, seja ele visível ou não, apresente-se ele bom ou mau, terno ou duro; não importa como ele se apresenta à razão. A fé não quer acordo algum com a razão. Ela quer somente Deus. E ela o procura com avidez! Quando há Igreja e Escritura, busca Deus na leitura, na meditação, na penitência, na Pregação, nos sacramentos e na comunhão dos santos. Quando lhe falta Igreja e Escritura, busca Deus no cotidiano. Ela quer o Deus invisível do ar, do alimento, do sorriso, do sofrimento, da labuta, da ingratidão e da dor. Ela quer o Deus invisível da chuva, do vento, da flor, da água e das calamidades. Ela busca o Deus do crucifixo, da imagem, do altar, do ornamento e da vela. Ela consegue enxergar seu Deus em tudo, até no mais improvável. Como consequência disso, também sacraliza todas as coisas, até mesmo as piores tribulações e martírios.
Embora a razão seja escrava do que é sensível e possa ser vencida por argumentações, a fé é livre como a corça. Sua liberdade consiste em não precisar de nada que é mutável e efêmero. Ela não está preocupada com minha pretensa santidade, com meu pecado, com a santidade alheia ou preços. Ela não quer saber das mudanças que ocorrem dentro e fora de mim. Seus olhos estão fitos em Deus, que nunca muda e permanece para sempre. Por isso, é próprio da fé ser constante.
Ao lidar com Deus, a fé é a única possibilidade humana. Ela é a única maneira de ver Deus onde a razão vê desgraça e desamparo. É a única maneira de ver Deus através dos dilemas. É por isso que Deus parece mais duro com quem crê do que com o descrente, que vive alegre e prosperamente. É que Deus não pode permitir sofrimento excessivo a quem não tem fé, sem levá-lo rapidamente ao desespero. A razão de nada ajuda diante da pobreza e indigência. 
No entanto, quando o sofrimento vem ao cristão, não é por acaso. Deus quer que sua fé se fortaleça diante da falta de evidências. A falta de evidências irá cansar a razão, abrindo espaço à fé.
Muita gente acha que a Igreja luterana não tem o poder de Deus. De fato, nunca vi um milagre acontecer em minha paróquia. Enquanto muitos que se dizem cristãos vivem a alegria da prosperidade em todos os aspectos: família linda, rica, casamentos perfeitos, filhos educados e bem encaminhados e saúde, aqui nós convivemos com dilemas, com sofrimentos, com coisas que não têm explicação. Aqui nós convivemos com o silêncio de Deus. Todavia, sou muito grato a Deus por esse silêncio, porque é através dele que nossa fé se mantém sempre viva. 
Pedimos a Deus que fortaleça nossa fé. Deus ouve e responde com invisibilidade. Porque onde for visível, ali a razão irá prosperar. Onde, porém, for muito invisível, ali a razão irá recuar, cedendo espaço à fé.
O verdadeiro Natal ocorreu segundo a fé. A virgem Maria e S. José nunca entenderam por que Deus os havia escolhido para serem pais do Messias. Nunca entenderam por que Deus determinou que seu Messias nascesse num curral e fosse posto a dormir num cocho. Tudo era extremamente improvável e invisível. Mas o mais improvável e invisível veio depois, quando o Homem Jesus anunciou e provou ser Deus. Um Deus verdadeiramente humano posto sobre um cocho, perseguido por Herodes e levado nos braços de sua mãe ao Egito. Diante disso a razão grita ressentida, a fé canta embevecida e uma das duas é obrigada a sair de cena. A diferença é que se a fé fica, você tem o verdadeiro Deus. Se a fé se vai, você não tem Deus algum. 
Se, porém, a fé ficar e, com ela, o verdadeiro Deus, nunca mais você ficará sem Deus, porque a fé é especialista em encontrá-lo.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

sábado, 12 de dezembro de 2015

COMO SE TORNAR UM PRÍNCIPE DA PAZ?

"Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, PRÍNCIPE DA PAZ" (Isaías 9:6).


Aproxima-se o Natal, mas alguém sabe onde se encontra o clima de Natal? Estou achando as pessoas tão tensas e cansadas! Quão minguados estão os enfeites e as luzes! Neste ano, o Natal irá chegar sem clima algum, ao que parece.
Acredito que a razão disso é que 2015 está sendo um ano difícil e as expectativas com relação a 2016 não são lá as melhores. Estamos de fato exaustos e com pouca esperança.
Por outro lado, quem sabe a falta desse "clima de Natal" nos favoreça em alguma coisa? Quem sabe neste ano o Natal se torne um pouquinho mais religioso e cristão? Pode ser que sim. Infelizmente, quando se fala em Natal, a primeira coisa que vem à mente é confraternização, amigo secreto, estar com a família, ceia, feriado ou presentes. Poucos são os que se lembram do primeiro Natal e conservam seu real significado.
A primeira coisa que me vem à mente, ao pensar em Natal, é paz. O profeta Isaías apresenta vários nomes para o Deus encarnado. O que mais se aproxima do verdadeiro espírito natalino, a meu ver, é o bendito nome PRÍNCIPE DA PAZ.
O que é paz? O mundo imagina a paz como sendo ausência de guerra, alcançada mediante acordos, alianças e concessões. Para obter a paz, houve até quem propusesse o fim de Deus, pois considerava que Deus é causa de inimizade. Infelizmente, esta proposta muito injusta foi ornada com linda melodia, tornando-se um hino de Natal, o que é uma enorme contradição! A letra é esta: "Imagine there's no Heaven / It's easy if you try / No Hell below us / Above us only sky / Imagine all the people / Living for today / Imagine there's no countries / It isn't hard to do / Nothing to kill or die for / And no religion too / Imagine all the people / Living life in peace". Propõe o fim do Céu, o materialismo, o epicurismo e o fim da religião como caminho para a paz.
O mundo é assim! Em sua busca pela paz, ele aceita fazer muitas concessões. O problema é que o mundo só faz concessões daquilo que para ele tem pouco ou nenhum valor. Se a paz custar a concessão de algo que lhe tenha valor, que a guerra permaneça. É por isso que a paz mundana é uma utopia. Que paz poderá resultar do barateamento do que é essencial? Como obter paz através de concessões do que é barato? O mundo não irá conseguir a paz através do pragmatismo.
Então veio ao mundo este menino chamado Príncipe da Paz. Quando adulto, disse aos seus discípulos: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (João 14:27).
O Príncipe da Paz pregou uma forma de se obter a paz muito dura aos ouvidos do mundo: a paz terá que custar o meu esforço, a minha reputação e o meu direito. Não terei que empobrecer conceitos, mas valorizá-los e aceitar que sejam disputados, sem qualquer reação hostil de minha parte. Terei de assumir uma guerra interior para obter a paz exterior. Ele ensinou: "Não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mateus 5:39-41, 44). 
Não é pouca coisa a minha face, a minha túnica e minha capa. Não é pouca coisa conceder uma milha, quanto menos duas. Mas o caminho da verdadeira paz é abrir mão do que é meu por direito, do que me é caro, daquilo que continuo valorizando, mas concedo livremente. Isto se chama renúncia. Trata-se de um caminho sofrido, pois requer humilhação e empobrecimento em favor do próximo, coisas que o mundo não aceita. Se a guerra só acaba quando alguém ganha e outro perde, que seja eu a perder. Esta é a proposta do Príncipe da Paz.
Ao primeiro contato, essa proposta parece ser impraticável. De fato, é utopia achar que o mundo irá resolver seus conflitos através de renúncias; o mundo nunca estará pronto para isso. Mas a questão é: No que depender de mim, essa proposta continuará utópica? É certo que não posso mudar o mundo inteiro, mas posso mudar o meu pequeno mundo, meu contexto de vida, estabelecendo nele a paz, ainda que uma pequena paz. 
Eu vivo em meu lar, na igreja, no trabalho, no bairro e na cidade. Se eu quiser ter razão sempre, estar certo sempre; se eu quiser que minha vontade valha sempre; se eu me apegar à minha reputação e ao meu bom nome; se não tolerar dano próprio, algum tipo de prejuízo; enfim, se não houver alguma renúncia de minha parte, permanecerei inteiro, porém sem paz. É por isso que o mundo está em guerra. Se ninguém consegue fazer concessão do que realmente é valioso dentro de seu âmbito de vida, como esperar pela paz mundial? Os casamentos estão acabando porque ninguém renuncia a nada. Guerras familiares nunca acabam, porque ninguém renuncia a nada. Preferem a manutenção da guerra à renúncia. 
Mas de onde deve vir a renúncia? Não espere que o mundo renuncie a alguma coisa. Ele está disposto a conceder o que para ele não tem valor algum. Então, como cristão, é você que terá que renunciar. Só assim você será um pacificador, um príncipe da paz.
No início, quando abro mão do que me é caro em nome da verdadeira paz, meu coração se sente ofendido e uma guerra interior se instaura em mim. Afinal, sou carnal ainda. Mas essa guerra interior irá revelar o que precisa ser morto em mim. Cada gesto de renúncia vem mostrar em mim o que há de Adão para ser morto. Eu poderia muito bem conviver com minhas idolatrias, sem saber que elas existem, se eu não renunciasse a nada que de fato tem valor para mim. Este é o primeiro fruto da renúncia.
O segundo fruto e melhor, é que me torno príncipe da paz para o outro, evangelho vivo e esperança. Um gesto de verdadeira renúncia é sobrenatural, nunca passa despercebido, é evangélico e verdadeiramente salvífico. Vale mais que mil livros e dois mil sermões! 
O Príncipe da Paz renunciou somente à sua Divindade, ao seu Nome, ao seu conforto, ao seu tempo, à sua honra, à sua reputação, à sua família, ao seu nome e à sua vida para estabelecer a paz entre Deus e o homem. Sujeitou-se à Lei e concedeu-lhe tudo o que ela exigia, abrindo mão de seus direitos infinitos, em favor da paz.
Pois bem, o que ele conseguiu para si e para o mundo, eu posso conseguir para minha família, para meu ambiente de trabalho, para minha igreja e para meu bairro, como pequenino príncipe da paz. É só isso o que desejo: ser um pequenino príncipe da paz para meu contexto pequenino de vida.


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

ALEGRIA

"Canta, ó filha de Sião; rejubila, ó Israel; regozija-te e, de todo o coração, exulta, ó filha de Jerusalém. O SENHOR afastou as sentenças que eram contra ti e lançou fora o teu inimigo. O Rei de Israel, o SENHOR, está no meio de ti; tu já não verás mal algum. Naquele dia se dirá a Jerusalém: Não temas, ó Sião, não se afrouxem os teus braços. O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo" (Sofonias 3:14-17).






O próximo domingo é conhecido como Domingo da Alegria, porque a leitura do Antigo Testamento reservada para esse dia apresenta o Evangelho com todo o seu dulçor e convida a Igreja ao júbilo. Melhor, convida a Igreja à exultação de alegria, ao cântico, à dança, pois não foi esquecida por seu Deus e sua salvação é certa.
A Igreja de hoje não se encontra num estado muito diferente de outras épocas. Sempre foi duramente perseguida pelo diabo e pelo mundo. Também a Igreja padece sua própria carne, sua aparência ruim, marcada por pecado e escândalos, de maneira que é continuamente tentada a cair no pessimismo e desistir. 
Todos os domingos indubitavelmente são domingos da alegria, pois são memória da ressurreição. Mas reservar um domingo para refletir sobre a alegria que existe na Igreja é algo muito sábio, que se deve preservar. A Igreja não pode perder o seu sorriso.
O diabo e o mundo querem nos ver tristes. Acusam-nos, ridicularizam-nos, tentam calar-nos com seus argumentos, não tendo outra intenção senão retirar a alegria de nossa alma. Sim, que mais o mundo ganha ao criticar de maneira tão ostensiva a Igreja? O mundo quer retirar de nossos lábios o incômodo sorriso da pobreza.
Para o mundo, sorri quem possui bens, sabedoria, prestígio e poder. É muito incômodo ver nos pobres cristãos esse insistente sorriso. Afinal, que há nos cristãos que motive seu riso, já que são fanáticos, parvos, fracos, servis, atados por leis sem fundamento e por várias superstições? Deveriam, antes, abandonar essa sua crença e assumir um modo de vida melhor e mais digno. Assim pensa o mundo a nosso respeito, tentando-nos com esses argumentos. Sempre foi assim!
É então que devemos buscar em nós a causa dessa alegria teimosa, sobretudo quando somos provocados. Por mais pobre que um cristão seja, ele tem dentro de si algo que motiva a alegria. Ele não encontra essa alegria fora de si, mas somente dentro de si, em sua alma, onde olho humano não penetra. Temos, como Igreja, que voltar-nos sempre a essa fonte de alegria interior.
Que fonte é essa?
Aqui o profeta utiliza as expressões: "filha de Sião", "Israel", "filha de Jerusalém", "Jerusalém" e "Sião" para referir-se ao povo de Deus, que é a Igreja. Pois bem, o profeta comunica a alegria de Deus, da qual ele, ou seja, Deus, quer tornar a Igreja partícipe. A alegria parte de Deus em direção ao seu povo.
Este é o primeiro aspecto: Deus se alegra. Nós, cristãos, não temos um Deus impassível. Nosso Deus é alegre, deleita-se, ama apaixonadamente e regozija-se. Nosso Deus se revela neste texto como um noivo no dia de suas bodas, quando está tomado de alegria e nada mais quer senão sorrir, dançar, acariciar e abraçar satisfeito sua noiva, cheio de orgulho. Este é o Deus dos cristãos, diferente de todos os outros, que são divinos demais para cativarem alguém.
Depois, percebemos que o objeto da alegria de Deus não é si mesmo; ele não está contente consigo mesmo, com o que obteve para si. Ele está alegre pelo que fez à Igreja, ao redimi-la de todo o seu pecado, ao resgatá-la de seus dominadores, ao restaurar sua dignidade. Ele se apaixonou por ela em sua condição mais vil, em seu pior estado, quando não havia esperança alguma, somente morte. Por amor, ele a resgatou, deu-lhe banho, vestes, comida, bebida; curou suas feridas, embelezou-a, dignificou-a e, agora, vai desposá-la. Não tem vergonha de assumi-la por esposa. Ele está possuído de amor por ela e todo o seu empenho é torná-la feliz. Quem a amou feia e ultrajada, muito mais haverá de amá-la bonita, ornada e digna.
Portanto, a alegria de Deus é a Igreja. Ele encontra motivo para alegrar-se na Igreja. Ah, como seria bom se aprendêssemos a encontrar motivo de alegria no outro! 
O mundo se alegra pelo que é e tem. Raramente encontramos alguém que se alegra pelo que o outro é e tem. Ainda assim, fomos criados à imagem e semelhança de Deus, o Deus dos cristãos. É então que penso no quão diferentes de Deus o pecado nos tornou!
A alegria dos cristãos vem de Deus! Deus mesmo é sua fonte! É uma alegria mística, que sobrevive em meio aos terrores que são impostos aos cristãos pela carne, mundo e diabo.
"Ele se deleitará em ti com alegria" e "regozijar-se-á em ti com júbilo". Deus se alegra com sua Igreja!  
Que o mundo odeie a Igreja, que a persiga e mate. Deus continuará se alegrando com sua Igreja. 
Que o mundo venha e despreze a Igreja, dizendo que é hipócrita, tola e retrógrada. Deus continuará se alegrando com sua Igreja do mesmo jeito, com uma alegria perene.
Dessa alegria perene de Deus por sua amada Igreja deriva a alegria da Igreja. Embora ela seja desprezível aos olhos do mundo, quando está a sós com seu Amado, sente-se bela, amada e preciosa, verdadeira rainha. Quando seu Amado a toma em seus braços, ela é tudo! Nesse momento, o mundo não existe para ela.
É assim que os santos apóstolos estranhamente se alegraram por terem sofrido afrontas (Atos 16:41). Mesmo açoitados e presos, São Paulo e São Silas cantaram hinos (Atos 16:25). Como acabar com uma alegria que surge a partir da alegria de Deus pelo que se é?
Deus sabe de sua Igreja, ama-a e alegra-se por ela. Isso é mais que suficiente! Deus não erra e ninguém fará com que mude de opinião. É nisso que a Igreja deve ancorar-se para enfrentar o desprezo e acusações que lhe sobrevêm de todos os lados, inclusive de si mesma. Ainda que seu passado a atormente, ainda que não se sinta bela, mesmo que o mundo a considere desprezível, ela sabe que no recôndito do lar ela é bela, preciosa e MOTIVO de infinita alegria. 
A alegria da Igreja resulta da consciência de ser muito amada por Deus e de ser O motivo de sua alegria.

"Porque, como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposarão a ti; como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus" (Isaías 62:5).



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O DEUS HUMANO

O Filho único do Eterno Pai
Para uma manjedoura deixou seu trono;
Encoberto em nossa pobre carne e sangue
Está agora o eterno Bem.

Aquele a quem o mundo não podia receber
Agora no colo de Maria repousa;
Ele tornou-se uma criancinha
Que por seu poder sustenta tudo
(Dr. Martinho Lutero)



Sabe o que mais me encanta em Deus? Não é sua glória e soberania amplamente conhecidas, nem sua imensidão e sublimidade, nem seus conselhos secretos, nem mesmo seu amor eterno. O que mais me encanta em Deus é sua humanidade. 
A humanidade de Deus torna acessível tudo aquilo que é sublime e inefável. A humanidade de Deus traduz em nossa pobreza a sua riqueza e glória. A humanidade de Deus permite que o infinito e a eternidade sejam abraçados e levados ao colo pelos braços frágeis de uma virgem. Diz literalmente tudo em um olhar, em um gesto, em um toque, em uma palavra. 
A humanidade de Deus torna compreensível o incompreensível, exprimível o inexprimível, concreto o abstrato. Ali se encontra toda a verdade, toda a vida e todo o amor materializados, de maneira que tudo isso pode ser captado por um simples olhar.
A humanidade de Deus permite que eu toque nele e depois exclame: "Senhor meu e Deus meu!" (João 20:28). 
Deus é o filho do carpinteiro, o menino obediente, o homem que se cansa, que dorme profundamente, que chora, que se enraivece, que fica a sós com seu Pai, que dialoga; é o homem caluniado, castigado, condenado e morto injustamente. Deus é o jardineiro, o homem desconhecido que caminha rumo a Emaús. Deus é simples homem. Deus é como eu e você.
Ao assumir a humanidade, Deus quis sua forma mais precária: um menino indefeso, totalmente dependente dos pais. Ao escolher para si um contexto humano, Deus igualmente quis o que havia de mais precário: pobreza, anonimato, exclusão, tirania, hipocrisia e desesperança. Tudo isso ele quis colocar em seu contexto de vida.
Com esse Deus humano qualquer um de nós pode se identificar. Nele encontramos a realidade do favelado, da mãe solteira, do refugiado, do operário, do órfão, do incompreendido, do caluniado, do julgado e até do bandido. Nele identificamos a nossa realidade pobre.
Somente os fortes não encontram sua realidade solitária e triste em Deus. Todos os fracos, que andam por aí envergados pela opressão do pecado e do mundo, podem encontrar no homem Deus a sua realidade.
É essa humanidade de Deus que me fascina! Deus está muito perto de mim e conhece em sua própria carne os meus dilemas. Deus não é mais um conceito teológico, mas realidade concreta em nossa história. Um dia o poderemos ver e abraçar!
Como desdobramento disso, entendemos que a paternidade de Deus não é mais conceitual, mas muito humana e, portanto, concreta. Ele é o pai pobre do pobre, o pai operário do operário, o pai refugiado do refugiado, o pai órfão do órfão, o pai solitário do solitário, o pai incompreendido do incompreendido, o pai caluniado do caluniado, e assim por diante. Como é tão homem como nós, alegra-se, angustia-se e chora como nós, não menos que nós.
A humanidade de Deus é escândalo e blasfêmia para a razão, mas surpresa e motivo de prazer ao coração, onde reina a fé.
A humanidade de Deus o reduz, mas também o eleva. Reduz, porque Deus agora é simples homem, criatura, um animal como qualquer um de nós. Eleva, porque o Deus de Israel, sublime em sua essência, tornou-se simples homem. Nunca sua onipotência foi tão onipotente! Aqui, mais do que nunca, ele ensina o que é ser Deus.
O Deus de Israel é homem para quem está fraco, Deus para o soberbo. Ao fraco consola com sua fraqueza, ao soberbo abate com sua Divindade, para que se torne fraco também. Deus fraco de homens fracos. Por isso, é necessário que o homem se torne fraco para relacionar-se com ele.
Tendo Deus se tornado homem, ele quer se relacionar com homens, não com deuses. Ele ergue os indigentes, que não mais se sentem humanos, para que se tornem humanos, também derruba os poderosos, cheios de si, que se sentem deuses, para que possam se tornar homens também. O propósito do Deus humanado é humanar-nos em torno de sua humanidade. Que tipo de relacionamento o homem Deus quer ter com nossa humanidade? Ele quer lavar nossos pés. Também quer que o imitemos, lavando os pés uns dos outros. Por isso nos congrega como homens em torno de sua humanidade, como congregou os doze discípulos em torno de si, na última Ceia.
Vão os homens em busca de êxtases, de prosperidade, de milagres e glória. Eu fico aqui, com meu Deus humano e pobre, a olhar-me de frente. Este é o meu natal.  


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

domingo, 22 de novembro de 2015

DESEJO DE DEUS

"Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, E A VERDADE, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim" (João 14.6).



Anteriormente colocamos a fé como sendo obra exclusiva de Deus no homem. Por natureza, o homem deseja somente o pecado e não quer Deus de forma alguma, senão aquele deus que sua razão pecaminosa fabrica. Então a fé é uma intervenção milagrosa de Deus para salvação humana. É a fé que traz o homem de volta a Deus, ao reconquistar aquilo que o pecado dominou: o desejo.
A fé é o desejo de Deus. Ela não quer nada que não seja Deus, não confia em nada que não seja Deus, não quer ter diante de si nada, absolutamente nada que não seja o próprio Deus. Para a fé, somente Deus existe e nada mais. Para a fé, somente Deus é verdadeiro e nada mais. Para a fé, Deus é tudo!
Embora o cristão não sinta sua fé, é ela que o faz voltar-se para Deus contra seu impulso inato para o pecado. É ela que o incomoda, que rouba sua alegria, que o torna insatisfeito e vazio no mundo. É ela que o torna aliviado, fortalecido e alegre quando está diante da Verdade. É ela que dá sabor de fel ao que delicia o mundo. É ela que dá sabor de mel ao alimento que o mundo odeia. Ela põe o filho contra seu pai, a filha contra sua mãe e a nora contra sua sogra, se necessário for. É ela que torna o cristão esquisito e indesejável, até diante de si mesmo. É um burburinho, uma inquietude, um desconforto, algo que lembra o pecado hereditário em seu modo de agir, porém arrastando a fome humana em sentido oposto.
Você sabe onde a concupiscência está? Pois ali também habita a fé.
A fé não se contenta com papel, teologia ou filosofia. Ela quer a Verdade. Essa Verdade, porém, é Deus. 
Por isso, tão complexo quanto seja definir o que é Verdade, porque a Verdade é Deus, assim é com a fé, em sua natureza.
Não pense que irá agradá-la com textos, com doutrinas, com confissões, com argumentação teológica! Ela quer a Verdade, que é Deus. E ela não erra! De tudo o que apresentar a ela, ela sugará somente a Verdade e desprezará o resto. Pode ser que sua razão queira esse resto, mas aí são outros quinhentos!
Qual, então, deve ser o papel da teologia e das confissões para a fé?
Teologia é um produto do intelecto e não requer fé. Incrédulos podem ser excelentes teólogos, desde que se dediquem. Penso, inclusive, que o maior teólogo de todos seja o diabo. Ele certamente é o maior conhecedor das Escrituras que existe!
Desse mesmo intelecto de onde brotam as teologias, brotam também os credos e confissões, que as sintetizam e preservam.  
De toda confissão existente, como construção humana, a fé irá sempre sugar a Verdade, deleitar-se nela e rejeitar o restante.
Então, a função da teologia e, por conseguinte, das confissões é intelectualmente definir a Verdade, purificá-la e preservá-la. Obviamente, nenhuma teologia ou confissão pode ser tão precisa neste aspecto. Entretanto, quanto mais a Verdade é purificada e preservada, tanto melhor é o trabalho do teólogo. 
Não quero negar o valor da teologia e das confissões. São importantíssimas! Porque se a razão carnal ataca a Verdade com argumentos, também é necessário que a razão espiritual, regida pela fé insensível, reaja com argumentos a favor da Verdade. Assim, a razão espiritual impede que as fontes da Verdade sejam entupidas. Aqui a fé usa toda a sua energia, pois sabe que seu verdadeiro alimento, a Verdade, está sendo disputado.
As teologias e confissões servem ao propósito de manter intactas as fontes da Verdade, porém são sempre atividade intelectual, mesmo que dirigida pela fé. Da mesma maneira como muitas mentes são conduzidas pela concupiscência, muitas são conduzidas pela fé. Mas como não há cristão que seja inteiramente espiritual, tudo o que pensa ou escreve está sujeito a erro.
Portanto, não queira reduzir o conceito de fé a uma ideologia, nem o objeto da fé a uma confissão. Não se envaideça de sua confissão, como se ela fosse a Verdade e tivesse o poder de fazer cristãos; isso é idolatria! A Verdade é Deus e somente ele faz cristãos, através da fé. Não se deixe levar pela arrogância espiritual, que é o maior mal que assola o cristianismo desde sempre. 
O que define o cristianismo é a fé. O objeto da fé se chama Verdade, mais precisamente Deus, mais precisamente o Deus encarnado, mais precisamente o homem Jesus Cristo, mais precisamente o EVANGELHO. Por isso, a Igreja é "criatura do Evangelho" (Comentários de Lutero sobre suas teses debatidas em Leipzig, tese 12), não de confissões ou credos, ainda que estes sejam primordiais para preservação da Verdade no mundo.


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.





sábado, 21 de novembro de 2015

REFLEXÃO SOBRE O ARREPENDIMENTO E O PERDÃO DO SENHOR

“O Senhor é o meu rochedo, minha fortaleza e meu libertador, meu Deus é a minha rocha onde encontro o meu refúgio, meu escudo e força de minha salvação, minha cidadela e meu refúgio. Meu salvador, que me salvais da violência. Invoco o Senhor digno de todo louvor, e fico livre dos meus inimigos. Circundavam-me os vagalhões da morte, torrentes devastadoras me atemorizavam, enlaçavam-se as cadeias da habitação dos mortos, a própria morte me prendia em suas redes. Na minha angústia, invoquei ao Senhor, gritei para meu Deus: do seu templo ele ouviu a minha voz, e o meu clamor chegou aos seus ouvidos.” (II Samuel, 22:2,7).


Muitas vezes, quando nos fechamos em nós mesmos e tentamos nos reformar e santificar com as nossas próprias forças, acabamos frustrados e arrogantes, consequentemente cedemos às tentações do mundo, do acusador e procuramos ouvir os “sábios” deste mundo, erguemos um trono para nós mesmos e nos tornamos “juízes”; apontamos os pecados , erros e defeitos alheios. A fé, que tinha ficado para trás, se torna ideologia, mas quando paramos e nos damos conta de nossa situação, pela graça de Deus, tudo muda, tudo é renovado. “Onde está o sábio? Onde o erudito? Onde o argumentador deste mundo? Acaso não declarou Deus por loucura a sabedoria deste mundo?” (I Coríntios, 1:20). Quando paramos para ouvir os “argumentadores deste mundo”, somos tentados a nos desviarmos do caminho do Cristo e, por nossos próprios meios, tentamos criar nosso próprio caminho com os conselhos desses “sábios”. Quantas vezes não somos tentados por eles da mesma forma que nosso Senhor foi tentado na cruz: “Tu, que destróis o templo e o reconstróis em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!”(São Mateus 27:40). 
Se desviarmos o nosso olhar do Cristo crucificado é certo que fugiremos da nossa cruz, ouviremos os falsos profetas, entregaremos o senhor por 30 moedas; nós o entregaremos com um beijo. Envolvidos no nosso manto de hipocrisia, sentados no nosso “trono”, que é edificado em cima da areia, julgamos tudo e a todos, colocando-nos acima do bem e do mal. 
Mas o senhor nos leva a reconhecer a nossa miséria: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra.” (São João, 8:7). “Ai de mim, gritava eu. Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito com um povo (também) de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos!” (Isaías 6:5). 
O senhor nos ilumina com sua graça e vamos reconhecendo nossos pecados contra Deus e os irmãos; então clamamos a misericórdia do senhor. Éramos cegos e agora vemos. “Ele então exclamou: Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim! Os que vinham na frente repreendiam-no rudemente para que se calasse. Mas ele gritava ainda mais forte: Filho de Davi tem piedade de mim! Jesus parou e mandou que lho trouxessem. Chegando ele perto, perguntou-lhe: Que queres que te faça? Respondeu ele: Senhor, que eu veja. Jesus lhe disse: Vê! Tua fé te salvou.” (São Lucas, 18:38,42). O Senhor é bom e eterna é a sua misericórdia; ele não cansa de nos tirar da terra do Egito. Como é bom saber que o Senhor nos ama, nos guarda e nos guia pela mão como um Pai! Como é bom saber que somos perdoados! “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre aqueles que habitavam uma região tenebrosa resplandeceu uma luz. Vós suscitais um grande regozijo, provocais uma imensa alegria; rejubilam-se diante de vós como na alegria da colheita, como exultam na partilha dos despojos. Porque o jugo que pesava sobre ele, a coleira de seu ombro e a vara do feitor, vós os quebrastes, como no dia de Madiã.” (Isaías 9:1,3). Nosso fardo fica leve e descansamos no Senhor. Ele nos purifica e edifica, nos dá gratuitamente como alimento seu próprio corpo e seu sangue puríssimo: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo.” (São João 6:51). 
Não há um bem na terra, prazer ou poder que possa substituir a alegria de se viver em comunhão com o Príncipe da Paz: “Verdadeiramente, um dia em vossos átrios vale mais que milhares fora deles. Prefiro deter-me no limiar da casa de meu Deus a morar nas tendas dos pecadores.” (Salmo 83:11). 
Para encerrarmos esta reflexão, peçamos a Deus de coração sincero para que cada vez mais nos entreguemos a ele, que o Senhor nos molde segundo sua vontade. “E, no entanto, Senhor, vós sois nosso pai; nós somos a argila da qual sois o oleiro: todos nós fomos modelados por vossas mãos.” (Isaías 64:8). 

Autoria: Lucas Diego Ganzella da Silva.
Imagem retirada da internet.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

POEMA EM LINHA RETA


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolados os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem [pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, num sofreu um enxovalho,
 Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos.

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo na terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa

FÉ INSENSÍVEL


"Mas do céu lhe bradou o Anjo do SENHOR: Abraão! Abraão! Ele respondeu: Eis-me aqui! Então lhe disse: Não estendas a mão sobre o rapaz e nada lhe faças; pois agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste o filho, o teu único filho" (Gênesis 22.11-12).

Fé é uma realidade de fato sublime. Não é obra humana, é obra divina. Não é atividade intelectual, mas espiritual, invisível, sendo ela própria matéria de fé. É necessário que se creia na fé. Ela é objeto de si mesma. 
Lutero ensina que o cristão está oculto de si mesmo: "Esse ponto (creio em uma santa Igreja Cristã) é um artigo da fé como os outros. Por isso, intelecto nenhum pode reconhecê-lo, ainda que bote um monte de óculos, pois o diabo pode muito bem encobrir a Igreja com escândalos e divisões, de modo que só podes mesmo ficar indignado com ela (...). Da mesma forma, também o cristão está oculto diante de si mesmo, de modo que não enxerga sua santidade e virtude, mas somente percebe desvirtude e falta de santidade em si mesmo".
O cristão é definido pela fé no Evangelho. Mas ele próprio não sente tal fé e é obrigado a crer nela. Que complexidade há na fé, que torna a vida do cristão tão difícil?
Gostaria tanto que os conceitos que estão plantados em minha mente pudessem ser chamados de fé! Gostaria tanto que o conteúdo da Confissão de Augsburgo pudesse ser apropriado por mim como fé! Mas não é o caso. Fé é algo sublime, assaz misterioso. 
Por outro lado, ela nunca nos deixa na mão. Nos momentos de aflição ela intervém em nosso socorro. Então nos tornamos cônscios de sua existência.
Abraão foi provado por Deus, que lhe ordenou o sacrifício de seu único filho, Isaque. Abraão pegou o menino e, resignadamente, levou-o para ser imolado, conforme Deus havia ordenado. Quando estava para consumar o ato, Deus o impediu, afirmando-lhe: "AGORA SEI que temes a Deus".
Como assim: Agora sei? Deus não sabe de todas as coisas? Sim, ele sabe. Conhecia muito bem a fé de Abraão. Mas Abraão a conhecia? É certo que não.
Quando Deus prova a fé, ele está nos provando que temos fé. Essa informação preciosa não lhe diz respeito, mas a nós. 
Toda vez que peco e corro a Deus atrás de misericórdia, confiante nela. Toda vez que recorro a Deus com lágrimas nos olhos, implorando por socorro. Toda vez que sou tentado ao desespero, mas resisto a essa tentação e escondo-me em Deus. Toda vez que perco o sono e, perturbado, dirijo o meu olhar ao céu, em busca de uma resposta. Toda vez que me derramo em poesias tristes, por meio das quais eu oro a Deus. Toda vez que me aproximo do corpo e do sangue do Senhor ciente de minhas indignidades, afligido pela consciência, mas certo que ele me ama e não haverá de me recusar. Toda vez que luto contra a carne, o mundo e o diabo. Sim, toda vez que despedaçado eu me dirijo ao meu Deus, como meu Deus, não a mim, como ídolo abominável. Sim, toda vez que me volto a Deus como única solução e rendo-me, minha fé se torna manifesta.
No entanto, a fé não se torna manifesta a mim. Ela se revela dinamicamente, como pulsão, de maneira que o mundo a constata de pronto, mas não eu. Por isso, a fé, antes de mais nada, é um testemunho ao mundo. Basta que nos lembremos da parábola do fariseu e do publicano (Lucas 18.9-14). Eu duvido que o publicano tinha consciência de sua fé, mas todos que ouvem essa parábola não têm dúvidas de que ela existia.
Posteriormente, ao lembrar-me de minha postura frente à tribulação é que minha razão deduz a existência de fé em mim.
Portanto, para quem crê, a certeza da fé baseia-se em lembranças. O salmista recorre ao passado em busca de sua fé para poder ancorar-se nela nos momentos difíceis: "Lembro-me destas coisas - e dentro de mim se me derrama a alma -, de como passava eu com a multidão pelo povo e os guiava em procissão à Casa de Deus, entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa. Sinto abatida dentro de mim a minha alma; lembro-me, portanto, de ti, nas terras do Jordão, e no monte Hermom, e no outeiro de Mizar" (Salmo 42.4, 6).
A fé crê em si mesma. Ela é a "certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem" (Hebreus 11.1), porém é uma certeza inconsciente, da qual me aproprio com o tempo, através da recordação.
Exatamente por possuir tal natureza, a fé não é obra humana em absoluto. Como irei praticar uma obra inconscientemente? Muitos insistem na ideia de fé como obra. Então exigem fé para o Batismo e para a recepção de outras graças. Mas que fé é essa?
Então aparece o grande equívoco nosso: confundir fé com confissão.
São Paulo diz: "Porque COM O CORAÇÃO SE CRÊ para justiça e COM A BOCA SE CONFESSA a respeito da salvação" (Romanos 10.10).
A fé é obra de Deus em nosso coração, da qual não temos participação alguma, nem sequer consciência dela. A confissão, por sua vez, é ato deliberado, racional e intelectual. Inclusive somos preparados para fazer a confissão através de muito estudo. 
Assim, frequentemente quem confessa a fé não crê em coisa alguma. Por outro lado, muitos que confessam não ter fé, tem-na abundantemente. A própria experiência nos revela quão falsa pode ser uma confissão. Quantas vezes ela foi imposta ao homem, ao longo da história! Não se deve dar crédito à confissão. Ela sim é obra humana e pode falhar. Portanto, quem insiste na fé como pré-requisito para o Batismo está, na verdade, insistindo não na fé, mas na confissão, que é uma obra humana. O mesmo raciocínio vale para qualquer outra graça cuja recepção se pretende sujeitar à fé.
O Evangelho não deve ser proibido a quem o deseja, a quem o procura. Se a fé se manifesta como pulsão, deixemo-la agir conforme sua natureza e não exigir confissão alguma. Que venham todos os que se sentem cansados e sobrecarregados! A mesma fé que jogou Maria aos pés de Jesus, para ungir-lhe os pés, é a mesma que nos impulsiona à igreja, a fim de que recebamos a salvação.
Também não devo sujeitar minha participação dos meios de graça, que são: Pregação, Batismo e Eucaristia, à certeza de minha fé. Não posso depender de uma impressão e muito menos de uma convicção, para poder participar da bênção do Evangelho. Devo, sim, participar de tudo isso por obediência, porque Deus quer, porque eu quero. Esteja a fé onde estiver, preciso alimentá-la com o Evangelho, para que não morra de inanição.
Outro equívoco frequente entre nós é quando novamente transformamos a fé em obra humana, reduzindo a fé que salva à aceitação intelectual de um corpo doutrinário que se chama confissão. O assentimento intelectual com qualquer confissão não é fé salvífica. Por isso, é tolice achar que minha confissão de fé me torna cristão e salvo. Fosse assim, fé poderia ser ensinada por argumentação humana, quando S. Paulo declara: "A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus" (1 Coríntios 2.5). Não, a fé que o salva você não vê nem sente; quando muito, recorda-se dela. 
Embora haja muitas confissões cristãs, as palavras de S. Paulo continuam firmes: "há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo" (Efésios 4.5). Fé invisível, insensível, inexprimível, porém firme, criada e preservada pelo próprio Deus, através do Evangelho.
Que coisa sublime é a fé! Sendo obra de Deus nos cristãos, ela passa por cima de nossas limitações, incompreensões e intolerâncias, irmanando-nos todos, fazendo-nos cristãos iguais, não importando a doutrina que nosso intelecto confessa. Essa fé nos torna igualmente justificados e igualmente salvos. Essa fé nos torna um só corpo. Então concluo que a fé salvífica não torna o conceito de "cristão" complexo, mas o simplifica grandemente!
Minha opinião é que muito de nossas meninices e desacordos é que até hoje não sabemos o que é fé.
Entretanto, consolo-me na consciência de que, embora não saiba exatamente o que seja fé, nem a sinta, nem saiba onde ela está, eu a possuo. Caso contrário, eu não estaria louco de vontade que domingo chegue, para que possa receber o perdão dos pecados, a Pregação e o Sacramento. Não é o meu intelecto que me faz deleitar-me nos átrios do Senhor; ah não é mesmo!



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.