domingo, 23 de agosto de 2015

PREGAÇÃO DE CARNE E OSSO


"Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua própria carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá" (S. João 6:51-57).

A Igreja está saindo de uma maratona de reflexões sobre o rico capítulo 6 do Evangelho  segundo S. João.
Jesus se apresenta como pão vivo que desceu do Céu. Diz que sua carne é verdadeira comida, que seu sangue é verdadeira bebida e que é necessário engoli-los para ter a vida eterna.
A primeira coisa que nos vêm à mente é a Eucaristia. Mas aqui Jesus não trata propriamente da Eucaristia. Ele aborda a sublimidade do Evangelho, sobre o qual dediquei os três capítulos anteriores deste blog.
Como ensinou Dr. Martinho Lutero, há duas pregações de Deus: a Lei e o Evangelho. A Lei suscita o pecado, enquanto o Evangelho suscita a fé.
A primeira pregação de Deus foi feita por intermédio de anjos, conforme atestam Santo Estêvão (Atos 7:38) e S. Paulo (Gálatas 3:19), e tratava-se da Lei, que serviu para firmar uma aliança com os hebreus, baseada na observância de cada um de seus preceitos. O mediador dessa aliança foi Moisés.
Deus não é ingênuo para estabelecer uma aliança dessas pensando na possibilidade de sua observância correta. Como afirma S. Paulo em Gálatas 3, Deus firmou essa aliança para que o pecado, até então subestimado por seu povo, se tornasse enorme, imenso e insuportável, fazendo com que os piedosos se desesperassem de si mesmos e buscassem em Deus a solução.
Através de Moisés e de todos os profetas que vieram depois, Deus começou a anunciar uma Nova Aliança, não baseada em obras humanas e obediência, mas em sua misericórdia imutável e no perdão. A Nova Aliança se chama Evangelho.
A segunda pregação de Deus é esse Evangelho. Não foi proclamada por meio de anjos, mas por seu próprio Filho, através de sua encarnação. Na verdade, erra quem acha que o Evangelho é um conjunto de ensinamentos. Se antes eu falei sobre o erro de confundir o Evangelho com a Lei, de maneira que se deva observá-lo, é importante destacar que o Evangelho não é uma doutrina. Não posso reduzir o Evangelho ao ensino de que Deus nos é propício através de Cristo e que deseja nos perdoar e salvar. Não, o Evangelho tem carne e sangue.
O Evangelho não é teoria, mas realidade viva, carne, sangue, pele, vísceras, ossos e ligamentos. O Evangelho é a encarnação de Deus para salvação do homem. Deus assumiu a nossa carne, o nosso sangue, a nossa condição, para cumprir a Lei em nosso lugar, padecer as maldições por ela estatuídas em nosso lugar, para que pudéssemos ser salvos.
Crer no Evangelho não é crer em uma doutrina, mas no próprio Jesus Cristo: Deus feito carne e sangue. Crer no Evangelho não é apropriar-se de uma teoria, como é feito nas universidades, através do aprendizado, mas engolir a realidade bendita de um Deus que não quis mais ser só Deus. Quis estar conosco, ser um de nós, morrer por nós e nos salvar.
É sobre a experiência da fé que Jesus trata, ao falar sobre comer sua carne e beber seu sangue, porque fé não é obra humana, intelectual, mas é atividade passiva de nossa parte, como o engolir. Ler e estudar são atividades ativas. Engolir é atividade passiva. Por isso, Jesus diz que deve ser engolido pela fé e não estudado em livros.
Por fim, Jesus atesta que quem o engole não mais sentirá fome. 
É claro que Jesus não está falando de fome corporal, que ele inclusive ajudou a aliviar, quando multiplicou os pães. As pessoas que comeram os pães que ele multiplicou logo depois estavam novamente famintas, querendo mais pão, razão pela qual o procuraram. Disse Jesus: "O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita" (versículo 63). Jesus está falando da fome espiritual, suscitada pela pregação da Lei.
O mundo inteiro sente fome e não sabe que fome é essa e de onde ela procede. Por não saber a natureza dessa fome, tenta saciá-la através de prazeres sensuais, boas obras e conhecimento. Mas essa fome é suscitada pela Lei, implantada no coração do homem desde a criação, e não pode ser saciada por nada que existe neste mundo. A Lei natural nos faz sentir que estamos perdidos e que carecemos de redenção. Portanto, a fome que o mundo sente é fome de redenção, fome de perdão! A essa fome Jesus quer saciar, não através de discursos, mas através da realidade de sua encarnação e presença entre nós.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.



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