quinta-feira, 6 de agosto de 2015

CIDADE DE DEUS




"Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei" (Manuel Bandeira).

Existe um Reino não muito distante em que todos são amigos do Rei. Na verdade, todos são estimados pelo Rei como verdadeiros irmãos.
Nesse Reino, ninguém é melhor do que ninguém. Todos são pobres materialmente e ricos espiritualmente. Também ninguém é senhor de ninguém. Todos estão gratamente sujeitos ao Rei e voluntariamente sujeitos uns aos outros.
Ninguém é ocioso, nem falta trabalho. Todos executam a mesma missão em diferentes ofícios.
Também não há preocupação com salário. O Rei não permite que nada falte aos seus súditos e todos eles vivem satisfeitos. 
Não há individualidade, propriedade privada, heranças, moeda e comércio. Tudo é compartilhado pelos concidadãos de maneira muito responsável e digna. Quem ganha muito, distribui muito. Quem ganha menos, recebe mais.
Há somente duas leis nesse Reino: Amar a Deus e amar ao próximo. Todos sabem como proceder, julgam tudo e deliberam tudo de acordo com essas duas leis.
Quando alguém falha, não há julgamento nem condenação. Essa pessoa é aconselhada amorosamente por outra pessoa ou pelo próprio Rei e é sempre perdoada.Por isso mesmo, não há tribunal, nem juiz, nem cadeia, nem polícia.
Nesse Reino, o Rei é facilmente alcançado. Não há burocracia nem qualquer empecilho para falar com ele. O Rei não dorme, não se cansa, é tão humilde quanto um infante e está sempre disponível. 
Esse Rei também delega suas funções aos súditos, permitindo-lhes o aconselhamento e o perdão mútuos, em seu nome. Tal confiança ele tem em seus súditos, que lhes dá seu nome e autoridade para fazerem o que tem que ser feito.
Nesse Reino, os súditos são até chamados de reis, exatamente porque recebem do próprio Rei a dignidade e a autorização para executarem a sua vontade. Na verdade, todo o reino é constituído de reis.
O sistema religioso desse Reino é muito curioso. Todos são sacerdotes e servem seu Rei como único Senhor. Não há altares, nem templos, nem sacrifícios, nem rituais; somente fé, verdadeira gratidão e intimidade.
As crianças são muito valorizadas pelo Rei. Ele as chama para brincar consigo, reserva muito tempo para elas e leva a sério tudo o que elas dizem e querem, pois as considera fonte de sabedoria.
Esse Reino é peregrino em terras alheias. Assim como os curdos e os ciganos, os cidadãos desse Reino não têm, por enquanto, uma terra que seja sua. É um povo que tem nação, mas que peregrina por nações estrangeiras, fortalecido pela esperança. O Rei lhe é invisível, entretanto muito real e presente, caminhando com ele em direção à terra que lhe promete dar.
É um povo extremamente serviçal. Eles amam aqueles que os acolhem como a si mesmos e de bom grado os servem como se fossem seus irmãos. Respeitam a cultura, leis e governo dos lugares por onde peregrinam, como se fossem da terra. 
Não se importam em conceder sua cidadania a quem queira. Muito pelo contrário, andam pelos povos oferecendo essa cidadania e fazem-no como sua única missão. Diferentemente dos reinos que conhecemos, esse povo quer conceder sua cidadania aos pobres, vagabundos, doentes, moribundos, bandidos e outros imorais. Não querem chamar para si quem está bem alojado e satisfeito em sua terra. Eles querem aqueles que foram enjeitados por seu próprio povo.
Esse Reino geralmente não é benquisto pelas nações por onde passa, nem tanto interesse provoca nas pessoas, porque esse povo tem uma aparência pobre e parece estar desolado, sem pátria, governo e lei. O mundo o enxerga como verdadeira ralé. 
É triste constatar que um povo tão bondoso seja hostilizado por onde quer que passe, sem que haja um motivo claro para isso. Pacífico e resignado, sofre pacientemente as humilhações e de maneira esquisita gloria-se nelas. Ninguém consegue entender esse comportamento absurdo. É que se trata de povo humilde e muito fiel ao seu Rei, que lhes ordena amar seus ofensores.
Esse povo peregrina pelas nações, ajudando-se mutuamente. Quando alguém se cansa, todos o socorrem. Quando alguém desmaia, todos o carregam. Quando alguém se perde, o Rei deixa os demais súditos e vai atrás de quem se perdeu, esteja onde ele estiver. A fraqueza é valorizada como virtude. Não há inimizades, contendas e porfias entre eles; lobos e cordeiros pastam juntos e os leões comem palha com os bois.
O Rei é Deus do povo e seu herói. Ele mesmo retirou cada um de seus súditos de nações estrangeiras cujo sistema de governo era opressor. Livrou-os de muitos tiranos e pagou o preço de seu resgate. Não os furtou de seus reis, mas pagou o devido preço. É por isso que o povo ama tanto esse Rei. Eles sabem que são muito amados por ele e querem sempre retribuir esse amor através do amor. Nesse Reino, o respeito à única autoridade não é fruto de lei e espada, mas resultado do amor. Todos sabem quem foram e de que opressor foram tomados.
Reino estranho esse. Ninguém, absolutamente ninguém, nasceu nele. Ele todo é constituído de pessoas que pertenceram a outros reinos e foram de lá tomadas pelo Rei. Não se casam, nem se dão em casamento, mas vivem todos uma relação livre de amizade e afeto. Não geram filhos, mas os recebem de outras nações, pelas mãos do próprio Rei. 
Esse Reino é constituído de nobres soldados que não utilizam armas visíveis. A propósito, é o único exército no mundo que não utiliza armas visíveis. Eles vencem todas as batalhas através da firme confiança em seu Rei, que chamam de fé. Quem trata diretamente com os tiranos e os destrói é o seu Rei. E assim como esse Rei é invisível, seu modo de agir contra a tirania é invisível.
Todos nesse Reino sabem que seu Rei é o único Deus e, portanto, senhor de tudo, até das nações por onde peregrinam. Por isso avançam confiantes, sem armas corporais, porque sabem que seu Rei é forte, dono de tudo e os defende perante os opressores.
Homens que são, todos morrem e são sepultados no país de sua peregrinação. Entretanto, seu Rei recolhe zelosamente as suas almas como tesouro de valor inestimável e as oculta em seu coração. No dia derradeiro, essas almas voltarão aos seus corpos para poderem habitar seu verdadeiro país. Todos nesse Reino têm ciência disso e com isso se confortam. 
Diferentemente de Pasárgada, esse Reino existe e está bem perto de você. Na verdade, não há lugar no mundo onde esse Reino não esteja implantado. Se você não procurar esse Reino, esteja certo que, mais cedo ou mais tarde, esse Reino irá ter com você. Quando esse dia chegar, saiba que esse povo é todo constituído de pessoas que não nasceram nele e que seu Rei não faz acepção de pessoas. Portanto, haverá lugar para você também, caso queira.

"Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós" (Lucas 17:20-21).



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.