sexta-feira, 7 de agosto de 2015

PAIS E HERANÇAS



Confesso que dia dos pais é um dia frustrante para mim. Eu perdi meu pai e não sou pai. Para mim essa data é angustiante: faz-me lembrar de uma perda irreparável e vem me lembrar que não sou pai.
Tive um pai formidável. Homem simples, muito simples. Tinha uma mercearia e ajudava muitas pessoas. O bairro era pobre, a inflação atormentava o país, ninguém tinha dinheiro para nada, o dinheiro não valia nada, e lá estava meu pai, vendendo fiado, facilitando os pagamentos e perdoando quem não o pagava, mesmo a contragosto de minha mãe. Com isso ele estava incutindo em mim a generosidade e o despojamento. Ao ler sobre a ética do comércio de Dr. Martinho Lutero, Comércio e Usura (1524), eu achei a princípio que ele estava sendo assaz utópico, até que me lembrei de meu pai: Homem extremamente ético.
Ele era semianalfabeto e escrevia muito mal. Quem preenchia os cheques eram seus próprios fornecedores. Ele apenas confiava em Deus e isso me parecia loucura, mesmo sendo eu um menino. Nem uma criança agiria com tanta imprudência. Mas Deus nunca permitiu que meu pai fosse roubado por alguém. Ele então me ensinou o que era correto até mesmo quando agia de maneira errada. Aprendi que a verdadeira confiança em Deus transforma qualquer coisa errada em santa, inclusive a imprudência. Pois que era a imprudência de meu pai senão autêntica fé em Deus?
Mesmo pobre, criou seus filhos dignamente e me formou médico.
Não era bom com palavras. Talvez por isso, e por ser muito humilde, atraía como ninguém as crianças. Ele próprio parecia uma criança.
Quando morreu, seu caixão foi seguido por uma numerosa multidão de pessoas simples, do próprio bairro onde viveu. Quem visse o cortejo acharia que alguém muito importante ou um político havia morrido. Mas era só meu pai, seguido por uma multidão de pessoas gratas a ele.
Há lágrimas em meus olhos, enquanto escrevo, porque perdi uma pessoa formidável e insubstituível. Tenho certeza que nunca encontrarei uma pessoa sequer parecida com ele.
Então me lembrei do valor da memória na construção de quem somos. Os pais continuam formando seus filhos mesmo depois de mortos, através da memória.
Por outro lado, há pais que continuam destruindo seus filhos mesmo depois de mortos, igualmente através da memória.
Um paciente me perguntou se eu era pai. Eu disse que não. Ele então me falou: "Tomara que você não venha a ser um pai como o meu. Ele também é médico e nunca me deu atenção". Como me compadeci dele ao ouvir essas palavras!
Pais, deixem boas recordações no coração de seus filhos. A melhor herança que vocês poderão legar são essas boas recordações. Encham seus filhos de memórias boas: presença, aconchego, ética, conselhos amorosos, sorrisos, olhares, prazer e segurança. Porque seus filhos continuarão fruindo essas recordações e aprendendo com elas, mesmo quando você estiver ausente.
Presentes materiais se vão com o tempo. Eu ainda tenho alguns brinquedos. Mas o que faço com eles hoje? Meu pai se esforçou sobremaneira para me formar médico. Trabalhava até aos domingos! Mas meu irmão é caminhoneiro e é tão feliz quanto eu. Portanto, o que me mantém até hoje, bem como aos meus irmãos, não são bens materiais, herança material, como diploma de medicina, por exemplo, mas a memória de muitas felizes horas de com-vivência.
Feliz dia dos pais!



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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