sábado, 30 de maio de 2015

É VER PARA CRER... OU OUVIR!



"Todavia, não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia" (2 Timóteo 1:12).

É possível ao cristão ter certeza de sua salvação? Se olharmos para nós, para o que somos, é claro que não. Se eu pensar em minha fraqueza, nas inclinações de minha carne ou no testemunho de meu coração, é certo que nunca terei essa certeza.
No entanto, São Paulo nos mostra a necessidade de termos essa certeza, sem a qual não podemos encontrar paz. Só poderei descansar quando eu tiver certeza de minha salvação. Afinal, estou abrindo mão deste mundo porque creio em um mundo vindouro. Estou deixando muitas possibilidades em nome da possibilidade de ser de Deus. 
A possibilidade do Céu e de ser de Deus pode ser muito concreta neste mundo, sem que haja soberba em nós. Aliás, deve ser concreta. A fé é esperança, mas não uma esperança vaga, baseada num talvez, ela é também uma "convicção de fatos que se não veem". Esperança, porque tenho em parte e não vejo, mas não uma esperança vaga. Trata-se de certeza! Por isso, é necessário que o cristão tenha certeza de sua salvação.
Para que se possa ter certeza da salvação, é necessário compreender bem como se deu a nossa salvação. Quem ainda não se dispôs a refletir sobre a origem de sua fé não poderá descansar nela, nem nela confiar.


"Eu sei em quem tenho crido".

De fato, é necessário para quem crê desviar os olhos de si mesmo e voltar-se para a Palavra de Deus, de onde veio a sua fé e salvação. Assim como a minha fé não veio de mim, igualmente não devo esperar que sua manutenção dependa de mim. 
Quem nos salvou é imutável: "Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos" (Malaquias 3:6).
Pergunto então: Como Deus nos salvou? 
Fé não é conhecimento acerca de Deus, nem aceitação passiva de doutrinas. Não se aprende fé em lugar algum. A fé é exclusiva obra de Deus, que ele realiza sozinho no coração inteiramente vazio de si. 
Nós, luteranos, não somos sinergistas, ou seja, não acreditamos que o homem colabore com Deus na sua fé e salvação. Do princípio ao fim, do inferno ao Céu, consideramos que a salvação humana é obra exclusiva de Deus. É ele quem convence o homem de seu estado miserável, confronta-o com o tamanho de seu pecado, faz com que ele se sinta nada ou pior que o nada (porque o nada não é mau), para que ele então se manifeste com sua Palavra salvadora.
Portanto, é necessário que Deus retire o homem de seu estado de alienação, para que ele possa se ver da maneira como Deus o vê. Ainda que Deus ame de maneira profunda a todos, ele vê o pecado com indizível horror. Esse pecado que nós toleramos e achamos desprezível, coisinha à-toa, para Deus é visto como dura afronta ao seu amor, sendo manifestação do pecado de Adão e Eva, que é um mal muito mais vasto que imaginamos. 
Então é necessário que Deus faça com que o homem veja o seu pecado com o mesmo horror que ele vê. É fundamental que o homem se sinta perverso, mau e indigno. Se o homem sentir em si qualquer vestígio de bondade, não estará totalmente pronto para ser curado por Deus. 
A esse ponto de humilhação nenhum homem chega se não for tomado pela mão pelo próprio Deus. Creio firmemente que quem busca de coração a verdade haverá de encontrá-la, mas só depois de Deus o tomar pela mão e fazer com que ele atravesse esse vale tenebroso, que é a verdade sobre si mesmo.
A primeira verdade que salva é a verdade sobre nós mesmos. Ninguém chega a ela senão pelo próprio Deus. Enquanto Deus não intervém em nossa história, temos a tendência de subestimar grandemente nosso pecado e sua gravidade perante ele. 
É uma enorme "ironia do destino" que o homem, ao buscar o conhecimento do bem e do mal, tenha perdido completamente a noção do que é bem e mal. Na verdade, nada é "ironia do destino". Essa alienação foi o castigo que Deus infligiu ao homem, como consequência de seu primeiro pecado.
"Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores" (Marcos 2:17).
Quando o homem já não encontra mais esperança em si e no mundo, sente-se enfermo e perdido, é que Deus lhe oferece a sua Promessa. É então que a fé surge a partir da Promessa de Deus e agarra-se a ela como verdade.
Uma das mais ofensivas estratégias do diabo é desviar a atenção do ser humano de sua real condição. Deus se vê impossibilitado de agir onde só há dinheiro, lazer, diversões e oba-oba. Infelizmente, não há obstáculo maior à fé que a prosperidade, seja ela financeira ou cultural. É por isso que a fé está ocorrendo nos hospitais, nas favelas e nos lugares mais pobres que há no mundo, onde o homem não tem mais como fugir à reflexão e onde todo o contexto favorece o reconhecimento de sua precariedade.
A fé não pode ser obra humana. Mesmo a um homem alquebrado pela consciência de seu pecado, não é de se esperar que aceite a Promessa de Deus como verdade, visto que não vê o promitente e quem lhe anuncia é um simples homem. Que valor o testemunho de um homem tem para alguém que aprendeu, ao ser confrontado consigo mesmo, com sua verdade, a não mais acreditar no homem?
São Paulo nos ensina que: "o próprio Espírito testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus". É o próprio Deus que se aproxima do homem e diz ao coração dele que o ama como Pai e que deseja muito reconstruí-lo. Ao ouvir: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei", o homem somente acreditará nessas palavras como verdade se Deus testemunhar ao seu coração que essas palavras são verdade, e não mais uma mentira dentre tantas.
Não pense, porém, que essa Pregação interior ocorre dissociada da Palavra de Deus exterior. O testemunho interior de Deus faz com que o homem creia no testemunho exterior, seja ele falado: "a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo" (Romanos 10:17); seja ele escrito: "estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (João 20:31).
A primeira verdade que o homem é levado a conhecer é a verdade acerca de si mesmo. A segunda verdade é o amor de Deus e seu desejo ardente de salvar e restaurar o gênero humano.
Nós, luteranos, negamos a geração da fé sem a Palavra de Deus exterior. Não que seja impossível a Deus salvar por meio de sua pregação íntima, mas porque ele revelou não querer salvar senão por meio de sua Palavra exterior: "APROUVE a Deus salvar os que creem PELA loucura da pregação" (1 Coríntios 1:21); "e, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo" (Romanos 10:17); "pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, MEDIANTE a palavra de Deus, A QUAL vive e é permanente" (1 Pedro 1:23). 
Deus poderia ter anunciado sua Palavra diretamente ao coração dos macedônios, sem a necessidade de lhes enviar S. Paulo. A Bíblia, porém, narra que S. Paulo recebeu a visão de um macedônio que lhe rogava, dizendo: "Passa à Macedônia e ajuda-nos" (Atos 16:9). Também a Bíblia nos diz que o diácono Filipe foi conduzido pelo Espírito Santo a um etíope, para pregar-lhe o Evangelho (Atos 8:26-40). Deus poderia ter instruído o coração daquele etíope, sem necessidade da Pregação de Filipe, mas não o fez.
Portanto, Deus convence intimamente o homem que é verdade o que lhe é pregado. É Deus que testifica ao coração humano que o anúncio não é enganoso, destarte criando a fé no que é anunciado. Como a fé não vê ou ouve esse testemunho interior, mas somente o exterior, ela se agarra ao testemunho exterior como sendo verdade pura.
Por que Deus quer que a fé surja dessa maneira, com a participação da Igreja, é algo que não nos foi revelado. Fica valendo o princípio de que Deus quis contar com a Igreja para salvar os homens, através de sua Palavra exterior.
Como afirmei acima, com base nas Escrituras, que a Palavra de Deus exterior é igualmente eficaz em sua forma escrita ou pregada, também é importante não omitir a eficácia dessa Palavra quando ela nos vem através de sinais.  Na verdade, a própria linguagem é um sinal. Deus, no entanto, estabeleceu outros sinais para sua Palavra, a saber: a água do Batismo e o corpo e sangue de Jesus Cristo sob o pão e o vinho, na Eucaristia. 
É próprio de Deus associar suas Promessas a sinais visíveis, como arco-íris, circuncisão e Páscoa. Desde o início de sua revelação, Deus promete algo e institui um sinal. Deus atinge nossa interioridade através de algo exterior, um sinal, que pode ser a linguagem, pão, vinho ou água. Em seguida, ele testifica ao coração do homem que aquele sinal exterior é verdadeiro e digno de confiança. Assim, o homem passa a crer e, não tendo consciência da Pregação interior de Deus, para crer nela, direciona sua fé ao sinal que lhe é apresentado como verdade. É dessa maneira que a fé surge no espírito humano e não de outra forma.
Portanto, não espere que Deus salve sem os sinais por ele estabelecidos: Palavra falada, Palavra escrita e sacramentos.
Se você não crê, busque a fé em Deus, não em livros. Não há outro caminho.


"Estou certo que ele é poderoso para guardar o meu depósito".

Voltando ao assunto inicial, que é a certeza da salvação, é necessário que saibamos que a mesma fonte da fé é também sua mantenedora. A fé surge da Promessa de Deus e é exclusivamente alimentada por ela, sendo como um rio que sai da nascente. 
A fé que surgiu a partir do testemunho externo, sinalizado pelo pão e pelo vinho: "Tomai, comei; isto é o meu corpo" e "bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados" é exatamente a mesma fé que, toda vez que contempla o pão e o vinho em cada Eucaristia, apreende a Promessa que há neles e a ela se agarra.
A fé que surgiu a partir da verdade: "Quem crer e for batizado será salvo" é a mesma que, ao contemplar a água do Batismo, volta a se deleitar na promessa que está contida nela, agarrando-se fortemente a essa promessa por toda a vida.
Uma mesma fé faz com que o homem, quando se vê perturbado pelos seus pecados e tentado a descrer em sua salvação, volte-se para a Promessa, sinalizada pela fala ou escrita: "Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus".
Enquanto nossos sentidos se voltam para sinais exteriores, nosso espírito se volta para a verdade contida neles, atestada pelo próprio Deus.
Portanto, a única maneira de ter certeza da salvação é recebendo os sinais que nos comunicam o favor de Deus, não duvidando deles. Em outras palavras, a certeza da salvação é certeza da Promessa de Deus e a dúvida quanto à salvação é dúvida quanto à Promessa de Deus.
Ora, ter certeza da promessa de Deus é honrá-lo segundo sua própria natureza imutável, como verdadeiro Deus; é a legítima obediência ao primeiro mandamento do Decálogo. Duvidar de sua promessa é desonrá-lo, como se ele fosse mutável ou mentiroso.
Mesmo que não sintamos absolutamente nada, é importante termos em mente que o Deus que promete na Pregação, na absolvição e nos sacramentos não está de brincadeira, está falando seriamente conosco e com certeza dá o que promete. É algo objetivo, isto é, acontece de fato, mesmo que não sintamos nada e mesmo quando achamos que nada aconteceu. Só assim poderemos ter certeza da salvação: quando deixarmos de buscá-la em nós, em nossos sentimentos, em nosso fervor, em nossa devoção, em nossas obras ou em nossa fé, para buscá-la exclusivamente em Deus, que nunca mente e sempre, sempre e sempre dá o que promete. Quando assim procedemos, não só o Céu se abre para nós, como também honramos a Deus como veraz.
É importante que conheçamos quem nos concedeu a fé ("eu sei em quem tenho crido") e que não duvidemos de seu amor por nós, que deseja sinceramente a nossa salvação, nem de sua imutabilidade e poder ("estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu tesouro").
Ter certeza de salvação é questão de crer. Quem não tem essa certeza, das três, uma: ou está dando muito ouvido ao diabo, que deseja que ele duvide; ou crê sem saber o que é fé; ou definitivamente não crê. 
Tomemos, portanto, como algo muito sério a certeza da salvação. Se não a temos, é importantíssimo que a busquemos e não nos acomodemos com isso; muito menos transformemos isso em virtude, como se essa descrença fosse modéstia. Não! Duvidar da salvação não é modéstia, mas pecar contra o primeiro mandamento de Deus, porque eu faço de Deus um mentiroso quando me deixo convencer pela dúvida quanto ao que ele promete dar.
Como sempre, quero deixar um trecho de Dr. Martinho Lutero que reflete bem essa luta pela certeza da salvação, que sempre existiu, existe e continuará existindo, mas não podemos "baixar a guarda".

"A todos aqueles que se querem deixar advertir, quero apresentar, como exemplo, minha própria experiência, para que se fique sabendo que o diabo é um velhaco bem esperto. Diversas vezes, dispus-me a ir ao sacramento em determinado dia. Quando o dia chegava, minha vontade vinha sumindo ou aparecera algum obstáculo ou me sentia despreparado. Então falei: "Tudo bem, daqui a oito dias eu o farei". Mas acontece que, no oitavo dia, eu ainda estava despreparado e impossibilitado tal qual antes: "Tudo bem, mais uma vez dentro de oito dias eu o farei". Repetiram-se tantas vezes esses oito dias, que eu praticamente acabaria nunca mais indo ao sacramento. Mas quando Deus me concedeu a graça de enxergar a manha do diabo, eu disse: "Quer ver, Satanás? Vá tomar banho com o seu e o meu preparo!" Fui lá, algumas vezes provavelmente também sem ter feito uma confissão (o que geralmente não é meu estilo), desafiando o diabo, particularmente porque não tinha consciência de qualquer pecado importante. Portanto, notei o seguinte em mim mesmo: Quando alguém não tem vontade nem disposição para o sacramento, mas ainda assim se dispõe seriamente a ir, esses pensamentos sobre si mesmo também provocam disposição e vontade suficientes. Também servem muito bem para expulsar essa atitude preguiçosa e indisposta que impede e deixa a gente despreparado. Trata-se de um sacramento vigoroso e cheio de graça. Basta pensar nele com alguma seriedade e dirigir-se a ele, que já se inflama, estimula e puxa para si mais um coração. Experimente uma vez. Se não for assim com você, pode chamar-me de mentiroso" (Exortação ao sacramento do corpo e sangue de nosso Senhor).



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.