quinta-feira, 21 de maio de 2015

DEUS - PARTE 1



Há três grandes religiões monoteístas no mundo: judaísmo, cristianismo e muçulmanismo. Todas elas concebem a Divindade como sendo tudo aquilo que a criatura não é. Somos compostos, finitos, estamos sujeitos ao tempo, apenas transformamos o que já existe, temos compreensão limitada das coisas e somos mutáveis. Deus então é concebido como sendo simples, infinito, eterno, todo-poderoso, onisciente e imutável. Deus e criatura são diametralmente opostos. Retire de Deus qualquer um de seus atributos e ele deixará de ser Deus. Atribua à criatura o que é exclusivo de Deus e ela deixará de ser criatura.
Para chegar a essa conclusão, não há necessidade de fé. A existência de Deus é uma conclusão lógica e sua concepção como ser inefável, em tudo oposto ao que criou, também é lógica, conforme nos provaram os gregos e romanos. Deus necessariamente tem que ser muito maior e melhor do que aquilo que criou. Mas o quanto Deus é superior àquilo que criou? Deixemos que a razão nos instrua, por enquanto.
Quem criou a matéria certamente é imaterial. Portanto, Deus é imaterial. 
Sabemos que somente a matéria ocupa espaço. Logo, o que antecede a matéria e a criou não deve ocupar espaço algum, pelo simples fato de não ser matéria. Se não há espaço para esse criador, ele deve estar em todo lugar ou em lugar algum. Se medito, porém, na complexidade da criação e de sua manutenção, chego à conclusão que esse criador e mantenedor deve estar muito junto ao que criou, para preservá-lo.
Não possuindo matéria e forma, conclui-se também que Deus é simples.
Que substrato Deus utilizou para criar a matéria? Absolutamente nada. Portanto, Deus é todo-poderoso. Somente um criador com poder ilimitado poderia criar a matéria do nada, o ser do não ser.
Se antes da criação somente Deus existia, isso significa que ele é suficiente a si mesmo. Somente um ser perfeito pode ser autossuficiente. 
Sendo Deus perfeito, deve ser necessariamente imutável. Nenhum acréscimo se pode fazer ao que é perfeito. Por outro lado, qualquer subtração ao que é perfeito irá torná-lo imperfeito. 
Se Deus é imutável, para ele o tempo não existe. O tempo existe a partir da mutabilidade. Portanto, Deus é eterno.
Se Deus é imutável e, como afirmei, está muito junto ao que criou, deve-se também concluir que ele é onipresente, porque qualquer deslocamento é mudança.
Somente o infinito pode ser onipresente. A razão disso é que não pode haver algo que seja menor que Deus, de maneira que não o caiba, nem tão grande, de maneira que Deus não esteja no seu todo. Portanto, Deus é infinitamente maior e menor que tudo o que foi criado.
Sendo Deus um ser perfeito e imutável, ele é puro ato. Não se deve pensar em potência ao referir-se a Deus. Então Deus é simples, enquanto que todas as criaturas são compostas, pois existem como ato e potência, ou seja, elas são o que são (ato) e tendem a ser outra coisa (potência). Deus simplesmente é (ato) e não tende a nada.
E assim por diante, quanto mais o homem reflete sobre quem é o criador, que chamamos de Deus, e procura diferenciá-lo da criação, mais sublime esse Deus se torna. Não é por acaso que temos em mente conceitos de sublimidade, como infinitude, imutabilidade, eternidade e simplicidade, embora nós e tudo o que nos cerca sejamos finitos, mutáveis, efêmeros e compostos. Quem criou a razão humana semeou nela tais conceitos, porque a experiência não lhe ensina isso. Inclusive, considero que o que distingue o homem das demais criaturas é a percepção de uma realidade sublime.
Portanto, concluir que Deus existe é fazer uso da razão natural. Com todo o respeito aos ateus que, porventura, me leem, o ateísmo é fruto de um tremendo esforço contra a razão, geralmente induzido e alimentado por algum tipo de ressentimento contra Deus e as religiões. 
O primeiro problema do ateísmo é explicar a origem da matéria. Ela é eterna? Caso seja eterna, como é de se esperar da Divindade, onde está sua sabedoria? Sim, porque o acaso não explica como a matéria pôde se transformar em tudo o que existe hoje, tão perfeito e harmônico. Qual é a probabilidade de madeiras, cordas e metais por acaso se organizarem em instrumentos musicais perfeitos e tocarem sozinhos, sem auxílio humano, a sinfonia número 6 de Beethoven? Qualquer criancinha diria que a probabilidade é nula. Pois o ateu se fia na impossibilidade da autoconstrução de  obras sumamente superiores a essa sinfonia, que são a razão humana e o universo. 
É por isso que racionalmente nós preferimos atribuir a Deus o que, de outra maneira, teríamos que atribuir à matéria: eternidade e sabedoria. Nós não sabemos quem é Deus por natureza, também não é de se descartar a possibilidade de a matéria ser eterna, mas sabemos bem que a matéria não tem sabedoria alguma para se autotransformar até chegar ao que é hoje. Sem sabedoria, somente por força do acaso, a matéria jamais seria o que é. Isso se pode afirmar com certeza.
Se a matéria não é eterna e Deus é seu criador, então é lógico concluir a personalidade de Deus, porque a criação tem que ser necessariamente um ato da vontade. Só tem vontade quem é pessoa. 
Outra conclusão lógica é a bondade de Deus. Ela pode ser depreendida das leis da natureza, das estações do ano, do dia e noite, da maternidade, alimento, ar e água para manutenção da vida. Somente um ser bom poderia oferecer tudo isso às suas criaturas, para conservá-las vivas.
É claro que as concepções sobre Deus não param por aí. Eu apresento a concepção mais madura ou mais evoluída de Deus. Há concepções mais primitivas, que deduzem a existência de vários deuses, com sentimentos humanos, volúveis e até maldosos. A filosofia, com o tempo, foi aperfeiçoando a visão de Deus.
Agora, quem é Deus? Isso a razão não é capaz de nos informar. É então que a revelação desse Deus se faz necessária, caso contrário nunca saberemos quem ele é. É de se supor que esse Deus, sendo um ser pessoal, dotado de vontade, criador da razão humana, em algum momento busque uma forma de se revelar à razão humana. Caso contrário, teria feito o homem como os outros animais, seres irracionais, que não têm qualquer percepção de uma realidade sublime, que transcenda a matéria. Se Deus fez o homem racional, certamente é para se relacionar com ele. Pelas razões aludidas acima, não estou disposto a aceitar a razão humana como coisa autoconstruída ou obra do acaso. Ela foi criada. Então é necessário recorrer à história e tentar entender quando Deus quis se revelar à razão humana.
O que me chama a atenção é que, antes mesmo de a filosofia e metafísica existirem, quando só havia concepções primitivas sobre Deus, um povo adorava um Deus que, em essência, reúne o que há de mais maduro e sofisticado em termos de conceituação da Divindade. Era o povo hebreu.
Esse povo se dedicava ao culto de um Deus todo-poderoso, inefável, infinito, perfeito, incriado, simples, imutável, incognoscível, onisciente, onipresente, eterno e santo. Não aprendeu que Deus era assim com os egípcios, com quem havia convivido por mais de quatro séculos (Êxodo 12:40). Enquanto todo o mundo da época tinha um conceito muito precário sobre Deus, fulgurava Israel, com seu único e todo-poderoso Deus. Aquilo que a civilização aprendeu ao longo de milênios, Israel já sabia. Portanto, o povo de Israel estava muito à frente de todas as civilizações.
Israel recebeu do próprio Deus a revelação de quem ele é. Eu não duvido disso. Somente algo sobrenatural poderia fazer com que esse povo chegasse a um nível tão profundo de consciência sobre Deus, considerando o contexto histórico em que se formou. Em nenhum outro povo eu encontro algo parecido.
O monoteísmo hebreu não se compara a qualquer monoteísmo primitivo. Deus não era o sol ou a lua, mas algo que transcendia todas as coisas, diametralmente oposto a toda criatura e inacessível à razão humana em sua essência. Deus era santíssimo e modelo de santidade para o homem, daí se dizer que o monoteísmo hebreu era um monoteísmo ético. "SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente, longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração" (Êxodo 34:6-7).
Desse conceito magnífico de Deus, que não pode ter vindo da mente humana, que não estava preparada para isso, porque caiu como um relâmpago sobre a evolução do pensamento humano, desse conceito sublime vieram o conceito cristão e o conceito islâmico. 
"Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros" (Êxodo 3:14). "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR" (Deuteronômio 6:4). "Eu sou o SENHOR, e não há outro; além de mim não há Deus" (Isaías 45:5). "Eu sou o SENHOR, vosso Deus; portanto, vós vos consagrareis e sereis santos, porque eu sou santo" (Levítico 11:44). "Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? - diz o SENHOR; porventura, não encho eu os céus e a terra? - diz o SENHOR" (Jeremias 23:24). "Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo. Com quem comparareis a Deus? Ou que coisa semelhante confrontareis com ele?" (Isaías 40:17-18). "Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro" (Isaías 45:22). "Eu fiz a terra e criei nela o homem; as minhas mãos estenderam os céus, e a todos os seus exércitos dei as minhas ordens" (Isaías 45:12). "Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos" (Malaquias 3:6). Muito tempo depois veio a filosofia grega a trazer um conceito sobre Divindade que harmoniza com essas revelações, sobretudo Platão e Aristóteles.
É importante analisar até que ponto a razão humana pode conhecer Deus. Esse limite é demarcado pela filosofia grega. Ali se encontra o cume da conceituação da Divindade, segundo o esforço humano.
Para Israel, o tratamento desde o início foi outro. Esse povo recebeu de Deus a revelação de quem é. Os israelitas não chegaram ao nível mais avançado do conhecimento de Deus por meio da razão, até porque era impossível para a época e contexto. O conhecimento é cumulativo, é construído ao longo do tempo. As deduções humanas são erigidas sobre deduções prévias. De onde retirariam a terça parte do conhecimento que tinham sobre Deus? 
Deus se revelou a esse povo através da Palavra e através da história. Assim como a razão humana avançou, a revelação de Deus aos israelitas também avançou. Foi assim que, quando os gregos estavam colando grau em teologia, Israel, graças à revelação, já estava recebendo o título de doutor.
É então que veio Jesus Cristo, como divisor de águas, como pedra de tropeço, como "alvo de contradição" para os israelitas e para o mundo inteiro. Esse homem atribuía a si mesmo a Divindade e, para que não pensassem que era um louco ou falso profeta, realizou obras que somente Deus poderia realizar. Um falso profeta poderia ressuscitar um morto? É claro que não. Ele, portanto, em sua aparente blasfêmia, tinha o respaldo do próprio Deus. Foi Jesus o primeiro a ferir o dogma do monoteísmo entre o povo judeu, segundo a percepção da época. É claro que essa inusitada e escandalosa revelação levaria à divisão do povo, o que originou a Igreja cristã.
Muitos anos depois, S. João entregou à igreja a seguinte revelação: "No princípio era o Verbo (Logos), e o Verbo estava com Deus, e  o Verbo era Deus" (João 1:1).
Quando diz "no princípio era", S. João quer dizer que esse Verbo é eterno, pois antecede o tempo em sua existência. Ao afirmar que "o Verbo estava com Deus", separa Deus desse Verbo. Agora, são dois eternos, não somente um. Se o Verbo é eterno e somente Deus é eterno, o Verbo é também Deus. Sendo Deus, deve ser, em essência, tudo o que Deus é, porque não há meio termo entre Deus e criatura. Mas vá que alguém ainda levantasse a possibilidade de uma semidivindade, S. João, que não estava de brincadeira, declarou: "E o Verbo era Deus". Qualquer possibilidade de interpretar esse Verbo como algo que emana de Deus, não sendo propriamente um ser pessoal, foi bloqueada por S. João: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós". O Verbo, que é Deus, não possuiu um corpo humano. O Verbo se tornou o homem Jesus Cristo. 
A ideia de dois Deuses, não somente um, foi, indubitavelmente, um retrocesso do juízo humano. Partindo de um monoteísmo de vanguarda, maior prova de uma intervenção milagrosa de Deus na evolução do pensamento humano, alguns de Israel pareciam estar retrocedendo à ideia de dois Deuses, sendo um deles homem. Como era de se esperar, dado o tamanho do escândalo, esses "alguns" foram desertados pelo seu povo. 
Tendo Israel rejeitado a revelação de Deus na pessoa de Jesus Cristo, a Igreja cristã se tornou então possuidora da continuidade da revelação de Deus. Os limites da razão estavam transpostos novamente pela revelação. Se Deus transpôs a capacidade da razão humana, em seu processo de evolução, quando se revelou a Israel, ele novamente transpunha os limites da razão, que desde então havia avançado muito, para nos mostrar que não é pela razão que o podemos apreender. Quando a razão atingiu seu ápice, na filosofia grega, Deus foi além, para abater nossa soberba e para nos mostrar que não é por iniciativa própria que chegaremos a ele. Quando a razão segura Deus e diz, satisfeita: "peguei!", Deus escapa por entre seus dedos, para continuar sendo o Deus da revelação.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


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