sexta-feira, 15 de maio de 2015

UM MUNDINHO CHAMADO IGREJA


"Estou crucificado com Cristo. Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (S. Paulo).
A vida só é de fato vivida quando refletida. Cada acontecimento de nossa vida, bom ou mau, deve ser mastigado devagar. Com isso, não quero propor que se procure pelo em ovo. Não, é que muitas vezes não damos a devida atenção ao que deveríamos dar e nos apegamos a coisas sem valor, assim permanecendo até que nos sobrevém a crise. 
A vida é uma experiência de aprendizado. Mas é necessário que haja disposição para aprender. Caso contrário, a vida será uma ficção, um mero passatempo.
Também a vida existe para ser saboreada. Eu posso engolir o vinho como se fosse água, sem degustá-lo. Nesse caso, o dinheiro investido naquele vinho não terá valido nada. Algo semelhante ocorre com a vida, quando os acontecimentos não são degustados pela reflexão, quando doce é sempre o mesmo doce, amargo é sempre o mesmo amargo.
O versículo bíblico acima, de S. Paulo, exorta-nos a refletir sempre sobre a qualidade de nossa vida cristã. De fato estou vivendo a vida de Jesus ou estou vivendo uma religião, uma filosofia, um estilo de vida ou uma comunidade? É muito perigoso cairmos no hábito de ser cristão, principalmente em um  país como o nosso, que nos dá ampla liberdade de culto.
Como tudo o que é bom no mundo, é muito fácil acostumar-se com a Igreja. Afinal aqui é local muito oportuno para amizades fecundas, para boas conversações; nela estamos protegidos de muita maldade que há no mundo, também protegemos quem amamos; ouvimos palavras bonitas, que nos encorajam a enfrentar nosso cotidiano doloroso. Igreja é um local de encontro, um local de pertença, um local de paz.
Regras, disciplina, estatuto servem ao bom propósito de nos pôr limites, de nos obrigar a uma vida proba, sem excessos; a lembrar-nos do outro. Quem vai à Igreja não desperdiça dinheiro, preserva sua saúde, é próspero, digno, respeitável cidadão, porque o ambiente eclesiástico favorece o crescimento ou a promoção humana, extrai o que há de melhor em nós.
Entretanto, a Igreja não pode ser um fim em si mesma. As motivações para ir à Igreja, para participar de uma comunidade cristã, não podem ser as mencionadas acima, porque tudo isso pode ser encontrado em qualquer religião do mundo e mesmo entre ateus.
Como as motivações são sorrateiras, toda vigilância é pouca para quem se propõe a viver coerentemente a realidade de ser Igreja.
A Igreja é fundamental para a salvação. Não é fundamental em si mesma, mas porque Deus a tornou fundamental, quando decidiu transmitir a fé que salva através dos meios da graça: Pregação do Evangelho e sacramentos, que só se encontram na Igreja e em nenhum outro lugar no mundo. É nesse sentido que se diz acertadamente que fora da Igreja não há salvação. Se alguém foi salvo sem ter tido tempo de filiar-se à Igreja, certamente foi salvo porque creu e, se creu, é porque o Evangelho lhe foi anunciado de alguma forma. A não ser que Deus lhe tenha anunciado o Evangelho em pessoa, como fez com Saulo, é certo que a Igreja esteve presente ali. Portanto, a Igreja salva por ser a boca de Deus, assim como suas mãos, ao pregar, batizar, absolver pecados e distribuir o corpo e o sangue de Cristo. "A fé vem pela pregação" (S. Paulo). Sem a Igreja, sem a Pregação, sem os sacramentos, as almas irão perecer.
A Igreja também é a morada da verdadeira fé, porque nela estão o Evangelho e os sacramentos, que são meios pelos quais Deus também conserva a fé.
Então, em meio a tantas religiões, onde é que está a verdadeira Igreja? Resposta: onde houver a verdadeira fé. Por favor, não tome por fé essa fé "brasileira" nos homens, na sorte ou em simpatias. Fé é a firme confiança em Deus como único salvador, que dá à alma o devido descanso. A verdadeira fé tem por único objeto a misericórdia de Deus, revelada em Jesus. É essa a fé que nos permite comungar tudo o que Cristo tem. Ela é um vazio que se abre em nós, para permitir a ocupação de Cristo, com seus méritos. E onde houver a verdadeira fé, ali está a Igreja do Senhor, com suas diferentes maneiras de pensar e ser.
Para mim, o momento em que Dr. Martinho Lutero foi mais feliz ao definir Igreja é quando afirmou: "Por isso, onde quer que se pregue a palavra de Deus e se creia nela, ali está a verdadeira fé, essa rocha irremovível; e onde está a fé, ali está a Igreja; onde está a Igreja, ali está a noiva de Cristo; onde está a noiva de Cristo, ali está tudo o que pertence ao noivo. Assim, a fé traz consigo tudo o que resulta da fé: as chaves, os sacramentos, o poder, e tudo o mais" (Debate e defesa do Fr. Martinho Lutero contra as acusações do Dr. João Eck). Veja quão deliciosamente Dr. Martinho Lutero conectou a Igreja à existência da fé.
A Igreja é a fé visível ao mundo. Sua existência é puro testemunho da fé.
É então que chego à seguinte questão: nós, primeiro, depois nossas comunidades, temos sido a visibilidade da fé no mundo?
Porque para muitos Igreja tem sido apenas um local de encontros e amizades, um espaço de filantropia, de debates teológicos e políticos, de mitologias, onde não há mais vestígio de fé, mas puro humanismo.
A Igreja hoje está se tornando humanismo visível. Sua existência está se transformando, no mundo ocidental, em testemunho das obras e sabedoria humanas.
Não é à toa que as Igrejas estão esvaziando. Boas obras e sabedoria podem ser muito mais abundantemente encontradas nas universidades e em religiões não cristãs, que oferecem respostas muito mais coerentes e coesas que a Igreja. Muitos que estão na Igreja, não mais estão. Não há mudança de vida. Pudera! Como haver nova vida onde não há fé? Muitos ainda insistem em ir à Igreja, mas por mero costume. Para eles a Igreja é um mundinho que lhes traz segurança, uma identidade perante um mundo plural e um grupo ao qual pertencer, que supra a necessidade de aceitação.
A Igreja de Éfeso era uma Igreja cheia de obras (Apocalipse 2:2-3), talvez mais cheia de obras que muitas Igrejas ocidentais, mas estava faltosa na fé (Apocalipse 2:4). Não há como progredir como Igreja se não houver fé, sem a qual ela se desconecta de Cristo ou abandona o seu primeiro amor, ou seja, quem a amou primeiro.
Enquanto as Igrejas da Ásia estão sofrendo a morte física, nós, como Igreja ocidental, estamos sofrendo um outro tipo de morte, muito pior: a morte da fé.
"Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?" (Lucas 18:8).
Não esperemos as crises chegarem. Aprendamos a refletir nossa vida, onde a fé deve ocupar lugar de destaque, o centro de tudo. É triste quando a fé começa a ocupar uma posição cada vez mais periférica na vida, até que, sem que se dê conta disso, ela é expulsa, restando apenas sabedoria humana, humanismo, obras... e igrejas! Mundinhos de "felicidade". 
Refletir a vida é ser vigilante. Nem sempre o diabo irá cortar o pescoço dos cristãos, como vem fazendo na Líbia. O tempo lhe ensinou maneiras bem sutis e muito mais eficazes de destruir a fé. Ele aprendeu que a árvore morre mais facilmente quando se mata suas raízes, não quando se serra o tronco.
Que esta nossa enorme Igreja de Éfeso, a Igreja ocidental, se fortaleça nessas palavras de Jesus: "Ao vencedor, dar-lhe-ei que se alimente da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus" (Apocalipse 2:7).
Só há uma maneira de a Igreja ser vitoriosa: crendo! "Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (S. João).



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


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