sexta-feira, 1 de maio de 2015

EIS QUE ESTOU CONVOSCO ATÉ À CONSUMAÇÃO DO SÉCULO - PARTE 3


Prepare-se! Chegamos agora à parte mais amarga da doutrina de Cristo. Amarga à razão, não à fé, que nela encontra tudo o que sempre desejou.
"Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminando os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder, o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à Igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (Efésios 1:17-23).
Comecemos pelo chocolate a 70%. Suponhamos que a direita de Deus seja o Céu, como fomos aprendendo ao longo da vida como sendo verdade. Então o texto nos informa que Jesus Cristo foi ressuscitado por Deus Pai e elevado ao Céu. Quem foi elevado ao Céu? Essa é a primeira pergunta. Jesus inteiro? A humanidade de Jesus? A divindade de Jesus?
Se dissociarmos divindade e humanidade, chegaremos à conclusão que Jesus Cristo, sendo Deus, está em toda parte, inclusive no Céu, o que não se pode afirmar com relação à sua natureza humana. Portanto, Jesus Cristo sempre esteve no Céu, segundo sua natureza divina, e o que ascendeu ao Céu foi sua natureza humana.
Pois bem, partindo do raciocínio acima, com o qual não concordo, como luterano, mas que resolvi acatar, para que percebamos alguma contradição, Deus Pai coroou a humanidade de Cristo com todo o poder, tornando-a onipotente. Ou será que, quando São Paulo fala acerca da onipotência, ele voltou à divindade de Jesus, deixando sua humanidade à parte?
Continuemos: Por fim, S. Paulo diz que a Igreja é o corpo de Cristo, o qual "enche todas as coisas". Onipresença! Será que agora também S. Paulo se dirige à divindade de Jesus?
Está vendo? Ao refletir dessa maneira sobre a pessoa de Jesus, fica claro que eu o divido em duas pessoas, que não se comunicam. Quando é para ascender ao Céu, quem o faz é a pessoa humana. Quando é para ser onipotente e onipresente, quem atua é a pessoa divina. É exatamente o mesmo erro do Bispo Nestório. Aliás, é um erro ainda mais profundo, com consequências muito piores à fé cristã.
São Paulo também diz, na mesma epístola: "Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para encher todas as coisas" (Efésios 4:10).
Paremos de pensar que há dois Cristos, que alternam sua exibição, como em uma peça teatral. Cristo é uma só pessoa indivisa. Tudo aquilo que fez e faz é feito por sua humanidade e divindade.
Como afirmei na publicação anterior, o amargor é menor quando atribuímos o que é próprio da divindade à humanidade de Jesus, passivamente. Seria um chocolate a 55% fazê-lo. Isso porque nós, cristãos, não temos dúvida que Jesus Cristo é Deus.
Mas avancemos agora para o chocolate a 85%. Se eu, partindo da ideia irremovível de que Jesus é uma só pessoa, resolvesse atribuir à humanidade coisas que são próprias de Deus de maneira ativa? Em outras palavras, que lhe pareceria se eu dissesse que, em Cristo, a humanidade é onipotente, onipresente, onisciente e outras tantas coisas que Deus é em essência?
É a consequência extrema de crer que Jesus é Deus e homem, uma só pessoa indivisa. Se a Divindade de Jesus realiza suas obras por meio de sua humanidade, o mesmo também se deve dizer acerca da humanidade de Jesus, que realiza o que é exclusivo da divindade. Se a humanidade de Jesus possibilita à sua divindade realizar coisas que ela não poderia realizar, como sujeitar-se ao tempo e ao espaço, sentir necessidade, dormir, sofrer, ter medo, angustiar-se, comer e morrer, também é necessário que eu creia que a divindade de Jesus permite à sua humanidade ser onipotente, onisciente e onipresente.
Eu não posso imaginar Cristo sendo homem e Deus somente no Céu. Ele é homem e Deus no Céu e na terra, em todo lugar, segundo sua onipresença, que já não podemos mais atribuir à sua divindade, mas à sua pessoa.
Aliás, nada deve ser atribuído à humanidade ou à divindade de Jesus, mas à sua pessoa inteira. Caso contrário, cairemos no erro do Bispo Nestório. E não devemos pensar que seja um "modo de dizer". É literal! É fato!
A coisa mais amarga à razão é essa conclusão. Já nem digo que seja chocolate a 85%, mas cacau puro. 
Meus amados, as coisas espirituais são assim. Eu só posso apreender a coisa por meio da fé, sem o uso da razão. É assim que a fé me dá uma visão mais ampla da realidade, porque não se sujeita aos ditames da razão.
Estando Jesus Cristo, homem e Deus, uma só pessoa indivisa, neste mundo, em seu estado de humilhação, ele já estava no seio do Pai, ou seja, em todo lugar.
"Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, ONDE EU ESTOU, estejais vós também" (João 14:1-3).
Não vamos florear o texto, utilizando nossa razão para torná-lo mais atraente. Vamos nos ater rigorosamente ao que Jesus disse. Ele primeiramente declarou sua divindade: "Credes em Deus, crede também em mim", destacando mais uma vez sua unidade com o Pai. Depois prometeu aos discípulos partir ("quando eu for") e preparar-nos lugar, isto é, o Céu. Continuou dizendo que irá voltar, para nos receber nesse Céu. Por fim, diz que já está no Céu. Ele diz: "Onde eu ESTOU". Não é dito: "Onde eu estiver". Embora estivesse assentado à mesa com os discípulos, já estava no Céu. Aqui é Jesus inteiro. Não podemos afirmar que somente a sua divindade estava no Céu. Isso não pode ser depreendido do texto, a não ser por um subterfúgio da razão.
Também em seu estado de humilhação, ele disse: "Se alguém me serve, siga-me, e, onde EU ESTOU, ali estará também o meu servo" (João 12:26).
Voltando à última ceia, Jesus orou ao Pai: "Quando EU ESTAVA com eles, guardava-os no teu nome, que me deste" (João 17:12).
Veja que os discípulos estavam perante Jesus, mas Jesus não estava mais com eles. Continuando sua oração: "Pai, a minha vontade é que onde EU ESTOU, estejam também comigo os que me deste" (João 17:24).
A natureza humana de Jesus nunca poderia ser onipresente. Onipresença é atributo exclusivo de Deus. Mas devido à união pessoal da divindade com a humanidade, é possível à humanidade de Jesus participar do que é próprio da divindade, como, por exemplo, ter toda a autoridade no céu e na terra (Mateus 28:18) e ser onipotente. Igualmente, podemos afirmar que Jesus Cristo é eterno e infinito, mesmo sendo homem. 
No seu estado de exaltação, tudo ficou mais claro ainda, ou mais enigmático; que seja!
Você já parou para pensar onde esteve Jesus, com sua humanidade, entre uma aparição e outra? A Bíblia nos ensina que, quando o anjo abriu a sepultura, Jesus já não estava mais lá. Leia com atenção Mateus 28:1-6 e constatará. Então pergunto: como seu corpo atravessou a grande pedra que cerrava o sepulcro? Os discípulos estavam reunidos em uma sala, com as portas trancadas, quando Jesus lhes apareceu. Como o corpo de Jesus conseguiu passar pelas paredes daquele recinto? Ele fez isso duas vezes (João 20:19 e 20:26). Perante os discípulos de Emaús ele desapareceu (João 24:31). Tudo isso Jesus fez por ser, ele inteiro, onipotente e onipresente. Veja que, em tudo isso, a matéria foi junto.
Já exaltado, ele disse aos discípulos: "São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco" (Lucas 24:44). Vamos analisar isso de maneira literal, porque não temos permissão para interpretação figurativa desse texto. Jesus estava com os discípulos em carne e osso, mas também não estava. É a onipresença de Jesus, com carne, sangue, alma e divindade. Nada pode ser deixado de fora!
Agora, se me perguntarem como é possível à natureza humana de Jesus encher todas as coisas, eu não poderei explicar. É mistério! O maior mistério de todos, que S. Paulo exalta da seguinte maneira: "Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória" (1 Timóteo 3:16).
Quero aproveitar para puxar um gancho das palavras "recebido na glória". Todos sabemos que Jesus Cristo foi assunto ao Céu. Também é dito que Jesus está à direita de Deus: "Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus" (Colossenses 3:1).
Alguns imaginam Jesus Cristo sentado em um trono, ao lado de Deus Pai, sendo adorado por anjos. Assim interpretam os textos que o glorificam como estando à direita de Deus Pai. É por isso que insistem em prender a natureza humana de Jesus Cristo no Céu, declarando que ele enche todas as coisas somente segundo sua natureza divina.
Não tenho dúvidas que Jesus esteja no Céu. É óbvio que está. Mas não entendam destra de Deus como sendo o Céu. A destra de Deus é a sua onipotência, que enche todas as coisas: "A destra de Javé se eleva, a destra de Javé faz proezas" (Salmo 118:16). Portanto, Jesus Cristo, homem e Deus, uma só pessoa indivisa, está misteriosamente onde a destra de Deus está, ou seja, em tudo! Absolutamente tudo! Está no Céu, na terra, no cosmos, no inferno, não havendo nada que lhe seja maior, não havendo nada que lhe seja menor, penetrando tudo, de maneira inefável e muito remotamente incompreensível à nossa razão. Ninguém conseguirá provar que a destra de Deus é o Céu, utilizando a Bíblia.
Dr. Martinho Lutero afirmou: "Nada é tão pequeno que Deus não seja menor ainda; nada é tão grande que Deus não seja maior; nada é tão curto que Deus não seja mais curto; nada é tão comprido que Deus não seja mais comprido; nada é tão largo que Deus não seja mais largo; nada é tão fino que Deus não seja mais fino ainda, e assim por diante. Ele é um ser inefável, acima e além de tudo que se possa citar". Na mesma obra: "como não provam que "à direita de Deus" seja determinado lugar no céu, minha versão continua sólida no sentido de que o corpo de Cristo está em toda parte, uma vez que está à direita de Deus que, por sua vez, está em toda parte, ainda que não saibamos como isso acontece".
Que bonito é poder dizer: "ainda que não saibamos como isso acontece"! Sempre desconfie de teólogos que têm certeza demais. Meu gosto por Dr. Martinho Lutero está em sua fidelidade à Bíblia e à sua aceitação passiva dos mistérios ali revelados. Ele não procurou harmonizar verdades. De maneira até grosseira, defendeu as verdades da Bíblia, sem ter a pretensão de preencher as lacunas. Por isso sou luterano. Sou cristão e poderia servir a Deus em qualquer igreja. Mas sou luterano porque coaduno com a submissão de Dr. Martinho Lutero aos mistérios. Eu me deleito na liberdade de saber e, ao mesmo tempo, não saber. Como é bom compreender as realidades no contexto do mistério!
Como disse, problemas na aceitação de quem Jesus Cristo é, devido ao repúdio da razão ao que foi revelado, nos furtam grandes consolos e trazem prejuízo a fé, motivos pelos quais se deve tratar da questão com muita seriedade. Primeiro ficamos em situação difícil, ao termos que forçosamente confessar que um simples homem expiou os pecados do mundo, não tendo em si mérito algum, senão o que foi soberanamente imputado a ele por Deus Pai. Depois, a presença do verdadeiro corpo e do verdadeiro sangue de Jesus Cristo sob o pão e o vinho, na Eucaristia. É claro que quem imagina que a humanidade de Jesus esteja encerrada no Céu e que exista somente de maneira local não poderá acreditar nisso. Por fim, a não compreensão da verdade revelada acerca de Jesus Cristo nos priva de sua presença física em nosso meio. "E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século". Ah, que promessa deliciosa! Como é consoladora a presença de Jesus, não somente de uma parte dele, mas dele inteiro! Isso significa poder sentir em mim o Cristo ressurreto inteiro a sofrer comigo, a orar comigo, a me ajudar pessoalmente em minhas tentações, mas também a alegrar-se comigo, a viver o cotidiano comigo. Somente a natureza humana de Jesus lhe permitiria isso.
Quão imenso fica esse consolo, quando assim compreendemos a PESSOA de Jesus: "Por isso mesmo, convinha que, em todas coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados" (Hebreus 2:17-18). Jesus é nosso irmão mais velho, sempre próximo a nos socorrer.
Perceba que a razão não deve meter o nariz onde não deve, ou seja, em coisas espirituais. Deixemo-la para as ciências humanas, para as universidades. Utilize-a o mínimo que puder na "ciência" de Deus. Assim sua fé poderá crescer, visto que ela cresce somente no decréscimo da razão.
Que Deus nos abençoe!


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.