sexta-feira, 2 de outubro de 2015

LUTERO E A REFORMA


O evento histórico da Reforma Protestante ainda hoje mostra seus efeitos por toda a sociedade ocidental, colocado como marco inicial à pregação das 95 teses de Martinho Lutero nas portas da igreja do palácio de Wittenberg. A figura de Martinho Lutero após quase 500 anos de reforma, ainda continua controversa para diversos setores das sociedades cristãs ocidentais, com o passar do tempo às pesquisas relacionadas à sua figura vai se tornando mais clara e objetiva na medida em que as “paixões” são colocadas de lado, consequentemente produzindo um retrato mais fiel e fundamentado. Seu nome ainda causa um amargor para muitos, pois em boa parte das teses antigas ele é colocado como o grande culpado pela divisão da cristandade. Lutero carrega todo este fardo, nada é tão simples na história e um fato depende de vários fatores e agentes, a ideia de homens “A frente do seu tempo” que produzem os grandes eventos históricos sozinhos, já caiu por terra. É bastante difundido que sua revolta seria apenas por conta da degradação do clero e a venda de indulgencias, mas não podemos analisar a reforma e a figura de Lutero de forma tão simplista, não se trata apenas de uma reforma disciplinar, uma de suas maiores preocupações era com a maneira que o evangelho estava sendo ensinado. Vale ressaltar que a falta de clareza teológica daquele momento contribuiu para os abusos e as distorções, ainda existe o fato de que as autoridades eclesiásticas ignoraram por um tempo as advertências e questionamentos dos reformadores, um dos grandes fatores que cooperaram com o cisma, e que talvez pudesse ter sido minimizado. No artigo chamado “Afixação das teses de Lutero – Fato ou lenda?” publicado em 1966 por Erwin Iserloh, afirma que em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero não teria pregado as 95 teses, mas, ele teria enviado ao Arcebispo Albrecht e só teria tornado pública após não obter nenhuma resposta de seus superiores. Com isso a responsabilidade também cai sob o clero da época, que não agiu para tentar remediar a situação no momento que os questionamentos começaram, é importante lembrar que demorou cerca de 28 anos para a convocação de um concilio para discutir os questionamentos dos reformadores e ai tomar as atitudes. Lutero não era um rebelde “louco” que queria fundar uma nova igreja, naquele momento em que escreveu as 95 teses seu desejo era reformar a própria instituição que ele fazia parte, a mesma em que ele jurou fidelidade em sua ordenação sacerdotal e profissão monástica. No principio estava plenamente convicto que estava defendendo a Igreja Católica Romana e sendo fiel a ela, como podemos ver na tese 70ª “Entretanto têm muito maior dever de conservar abertos olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não preguem os seus próprios sonhos”. Com o passar do tempo, as disputas foram tomando uma grande dimensão, foi se tornando inevitável um cisma, e foi exatamente o que aconteceu por fim. Mesmo depois do cisma, Lutero continuava a reconhecer o catolicismo como verdadeiro, mas de certa forma corrompido pelos homens de seu tempo, mesmo assim não cuspiu no prato que comeu, como podemos ver em seus escritos: “Isso é verdadeiro: no papado encontra-se a palavra de Deus, o ministério apostólico e temos deles a escritura sagrada, o batismo e o sacramento (isto é: a Santa Ceia) e o ministério da pregação. Não fora isso, que saberíamos a respeito? Eis por que a fé, a Igreja Cristã, Cristo e o Espirito Santo têm de estar com eles... assim sendo, temos de afirmar: Creio que a Igreja Cristã permaneceu inclusive sob o Papado” (D. MARTIN LUTHERS WERKE. Kritische Gesamtausgabe, Weimer, vol 1, p. 110.), Lutero acreditava ter feito uma espécie de purificação, sem criar nada de novo “Eis o que fizemos: quando encontramos tudo isso (isto é: a doutrina dos apóstolos, o batismo, o sacramento da Santa Ceia) obscurecido pelo Papa, com sua doutrina humana, sim, coberto de poeira grossa e teias de aranha, arremessado à sujeira e pisoteado, descobrimo-lo novamente pela graça de Deus, limpamos a sujeira, tiramos a poeira, lustramos e trouxemos à luz, assim que está limpo e brilha de novo, e cada um pode ver o que seja o Evangelho, batismo sacramento, ministério das chaves, oração e todo o resto, o que Cristo nos deu e como se deve usar para a bem-aventurança” (D. MARTIN LUTHERS WERKE. Kritische Gesamtausgabe, Weimer, vol 46, p. 62.). Ao analisarmos seus escritos, muitos deles eram como forma de reação, diferentemente das Institutas do João Calvino, ele não tinha grandes pretensões, “A Convicção de não ter procurado a luta, mas de ter sido forçado a ela, tem importância, para Lutero, desde o início, e ele está certo dela. Todo o direito da Reforma depende, segundo ele, da verdade dessa afirmativa – de que não a planejou ou desejou” (ISERLOH, Erwin; MEYER, Harding. Lutero e Luteranismo Hoje. 1 ed. Rio de Janeira: Editora vozes, 1969. 34-35 p.). A partir de uma historiografia sem “paixões” é possível elaborar algo mais fiel à verdadeira figura de Martinho Lutero e ao período da Reforma, e a partir disso o dialogo ecumênico, teológico e a busca da unidade, com toda certeza poderá caminhar com passos mais largos, poderá ser melhor analisada as circunstancias dos fatos com outras luzes e a partir desta analise decidir qual o caminho a seguir para que juntos possam mudar ou reconhecer algo no outro. Nessa forma foi possível que Luteranos e Católicos escrevessem uma declaração conjunta sobre a doutrina da justificação pela graça e fé em 1999, um momento histórico de fato. A questão da justificação pela graça e fé foi uma das maiores polemicas da reforma e hoje católicos e luteranos podem dizer como está escrito na declaração, “Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras”. Concluindo, nesta forma de procurar entender melhor o outro, poderá e pode produzir muitos frutos a toda a sociedade. Aos historiadores cabe cada vez mais produzir conteúdos buscando uma maior fidelidade e verdade histórica não só sobre Lutero e a Reforma, mas todos os fatos históricos. 

Autoria do texto: Lucas Diego Ganzella da Silva, católico romano, estudante de História da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Imagem retirada da internet.

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