O evento histórico da Reforma Protestante ainda hoje mostra seus efeitos por toda a
sociedade ocidental, colocado como marco inicial à pregação das 95 teses de Martinho
Lutero nas portas da igreja do palácio de Wittenberg. A figura de Martinho Lutero após
quase 500 anos de reforma, ainda continua controversa para diversos setores das
sociedades cristãs ocidentais, com o passar do tempo às pesquisas relacionadas à sua
figura vai se tornando mais clara e objetiva na medida em que as “paixões” são
colocadas de lado, consequentemente produzindo um retrato mais fiel e fundamentado.
Seu nome ainda causa um amargor para muitos, pois em boa parte das teses antigas ele
é colocado como o grande culpado pela divisão da cristandade. Lutero carrega todo este
fardo, nada é tão simples na história e um fato depende de vários fatores e agentes, a
ideia de homens “A frente do seu tempo” que produzem os grandes eventos históricos
sozinhos, já caiu por terra. É bastante difundido que sua revolta seria apenas por conta
da degradação do clero e a venda de indulgencias, mas não podemos analisar a reforma
e a figura de Lutero de forma tão simplista, não se trata apenas de uma reforma
disciplinar, uma de suas maiores preocupações era com a maneira que o evangelho
estava sendo ensinado. Vale ressaltar que a falta de clareza teológica daquele momento
contribuiu para os abusos e as distorções, ainda existe o fato de que as autoridades
eclesiásticas ignoraram por um tempo as advertências e questionamentos dos
reformadores, um dos grandes fatores que cooperaram com o cisma, e que talvez
pudesse ter sido minimizado. No artigo chamado “Afixação das teses de Lutero – Fato
ou lenda?” publicado em 1966 por Erwin Iserloh, afirma que em 31 de outubro de 1517,
Martinho Lutero não teria pregado as 95 teses, mas, ele teria enviado ao Arcebispo
Albrecht e só teria tornado pública após não obter nenhuma resposta de seus superiores.
Com isso a responsabilidade também cai sob o clero da época, que não agiu para tentar
remediar a situação no momento que os questionamentos começaram, é importante
lembrar que demorou cerca de 28 anos para a convocação de um concilio para discutir
os questionamentos dos reformadores e ai tomar as atitudes. Lutero não era um rebelde
“louco” que queria fundar uma nova igreja, naquele momento em que escreveu as 95
teses seu desejo era reformar a própria instituição que ele fazia parte, a mesma em que
ele jurou fidelidade em sua ordenação sacerdotal e profissão monástica. No principio
estava plenamente convicto que estava defendendo a Igreja Católica Romana e sendo
fiel a ela, como podemos ver na tese 70ª “Entretanto têm muito maior dever de
conservar abertos olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as
ordens recebidas do papa, não preguem os seus próprios sonhos”. Com o passar do
tempo, as disputas foram tomando uma grande dimensão, foi se tornando inevitável um
cisma, e foi exatamente o que aconteceu por fim. Mesmo depois do cisma, Lutero
continuava a reconhecer o catolicismo como verdadeiro, mas de certa forma corrompido
pelos homens de seu tempo, mesmo assim não cuspiu no prato que comeu, como
podemos ver em seus escritos: “Isso é verdadeiro: no papado encontra-se a palavra de
Deus, o ministério apostólico e temos deles a escritura sagrada, o batismo e o
sacramento (isto é: a Santa Ceia) e o ministério da pregação. Não fora isso, que
saberíamos a respeito? Eis por que a fé, a Igreja Cristã, Cristo e o Espirito Santo têm de
estar com eles... assim sendo, temos de afirmar: Creio que a Igreja Cristã permaneceu
inclusive sob o Papado” (D. MARTIN LUTHERS WERKE. Kritische Gesamtausgabe,
Weimer, vol 1, p. 110.), Lutero acreditava ter feito uma espécie de purificação, sem
criar nada de novo “Eis o que fizemos: quando encontramos tudo isso (isto é: a doutrina
dos apóstolos, o batismo, o sacramento da Santa Ceia) obscurecido pelo Papa, com sua
doutrina humana, sim, coberto de poeira grossa e teias de aranha, arremessado à sujeira
e pisoteado, descobrimo-lo novamente pela graça de Deus, limpamos a sujeira, tiramos
a poeira, lustramos e trouxemos à luz, assim que está limpo e brilha de novo, e cada um
pode ver o que seja o Evangelho, batismo sacramento, ministério das chaves, oração e
todo o resto, o que Cristo nos deu e como se deve usar para a bem-aventurança” (D.
MARTIN LUTHERS WERKE. Kritische Gesamtausgabe, Weimer, vol 46, p. 62.). Ao
analisarmos seus escritos, muitos deles eram como forma de reação, diferentemente das
Institutas do João Calvino, ele não tinha grandes pretensões, “A Convicção de não ter
procurado a luta, mas de ter sido forçado a ela, tem importância, para Lutero, desde o
início, e ele está certo dela. Todo o direito da Reforma depende, segundo ele, da
verdade dessa afirmativa – de que não a planejou ou desejou” (ISERLOH, Erwin;
MEYER, Harding. Lutero e Luteranismo Hoje. 1 ed. Rio de Janeira: Editora vozes,
1969. 34-35 p.).
A partir de uma historiografia sem “paixões” é possível elaborar algo mais fiel à
verdadeira figura de Martinho Lutero e ao período da Reforma, e a partir disso o dialogo
ecumênico, teológico e a busca da unidade, com toda certeza poderá caminhar com
passos mais largos, poderá ser melhor analisada as circunstancias dos fatos com outras
luzes e a partir desta analise decidir qual o caminho a seguir para que juntos possam
mudar ou reconhecer algo no outro. Nessa forma foi possível que Luteranos e Católicos
escrevessem uma declaração conjunta sobre a doutrina da justificação pela graça e fé
em 1999, um momento histórico de fato. A questão da justificação pela graça e fé foi
uma das maiores polemicas da reforma e hoje católicos e luteranos podem dizer como
está escrito na declaração, “Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra
salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e
recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as
boas obras”.
Concluindo, nesta forma de procurar entender melhor o outro, poderá e pode produzir
muitos frutos a toda a sociedade. Aos historiadores cabe cada vez mais produzir
conteúdos buscando uma maior fidelidade e verdade histórica não só sobre Lutero e a
Reforma, mas todos os fatos históricos.
Autoria do texto: Lucas Diego Ganzella da Silva, católico romano, estudante de História da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Imagem retirada da internet.
Autoria do texto: Lucas Diego Ganzella da Silva, católico romano, estudante de História da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Imagem retirada da internet.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.