sábado, 17 de outubro de 2015

AS INDULGÊNCIAS - PARTE 3


Cardeal Suposto: Prezado irmão Lutero, estou representando Vossa Santidade, o Papa Leão. Venho em missão de paz, em busca somente de esclarecimentos sobre o que você tem pregado. Temos acompanhado seus debates e você deve saber que foi acusado de heresia. Eu lhe pergunto: é desejo seu dividir a Santa Igreja de Cristo?
Lutero: Estou grato por sua visita, pois tenho sido atribulado muitíssimo não só por algumas doutrinas da Igreja, como pelos ataques frequentes de muitos que querem adquirir fama e prestígio às minhas custas, como João Eck. Eu confesso uma Santa Igreja Católica. Não é propósito meu dividir o que não pode ser dividido pelo homem. "Eu mesmo me pergunto com espanto que destino fez com que tão somente esses meus debates, antes dos outros - não apenas dos meus, mas de todos os mestres -, se propagassem em quase toda a terra. Eles foram publicados junto aos nossos e, apenas por causa dos nossos, e o foram de tal modo, que me parece inconcebível que tenham sido compreendidos por todos. POIS TRATA-SE DE DEBATES, NÃO DE DOUTRINAS, NEM DE DOGMAS" (Explicações).
Cardeal Suposto: Então você não pretende dividir a Santa Igreja Católica Romana. O que significa para você Igreja?
Lutero: "Onde quer que se pregue a palavra de Cristo e se creia nela, ali está a verdadeira fé, essa rocha irremovível; e onde está a fé, ali está a Igreja" (Debate e defesa do fr. Martinho Lutero contra as acusações do dr. João Eck).
Cardeal Suposto: Como então você compreende as palavras dirigidas por Nosso Senhor Jesus Cristo ao primeiro papa: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela"?
Lutero: "Essa palavra de Cristo não pode ser entendida como se fora dirigida somente a Pedro, visto que Cristo perguntou não só a Pedro, mas a todos os apóstolos, dizendo: "Vós, porém, quem dizeis que eu sou?". Por conseguinte, se não tivessem respondido todos os discípulos através de Pedro, certamente não teriam sido discípulos, nem teriam ouvido ao Mestre, nem teriam correspondido ao que perguntava. E pensar deste modo a respeito dos apóstolos é ímpio. Resta, pois, que Cristo aceitou a resposta de Pedro não só para a pessoa de Pedro, mas para todo o grupo dos apóstolos e discípulos. Do contrário, teria feito a pergunta de novo, também aos demais. O texto, porém, continua: "E sobre esta pedra edificarei a minha Igreja". Se sob "esta pedra" entendemos o poder do papa, vê o que estamos fazendo: a primeira conclusão é que a Igreja primitiva dos apóstolos não foi Igreja, porque Pedro (para prová-lo com argumentos sólidos) ainda se encontrava em Jerusalém 18 anos depois e ainda não tinha visto Roma, o que se evidencia da Epístola de Paulo aos Gálatas. Ademais, em Mateus 18.17-18, fala no PLURAL não a Pedro, não aos apóstolos, mas à Igreja, dizendo: "Se não ouvir a IGREJA, ele te seja como gentio e publicano"; "em verdade vos digo: Tudo o que ligardES na terra será ligado também no céu." Vem cá, pois, se quiseres, e compara esta passagem com aquela. Aquela soa como se as chaves fossem dadas a Pedro; esta o nega e assevera que não foram dadas somente a ele. Como podem permanecer de pé ambas as afirmações? Em todo caso, é preciso que uma palavra concorde com a outra, pois foi o mesmo Cristo que disse as duas. Se foram dadas só a Pedro, é mentira o que Cristo diz aqui - que foram confiadas a todos. Quem, no entanto, não percebe que esta segunda palavra interpreta a primeira, e que nesta segunda é exposto claramente o assunto, enquanto naquela se encarece, na pessoa de Pedro, a unidade de muitos na Igreja? Em resumo (como já disse): se, com essas palavras, Cristo teve em mente a Igreja Romana - embora só tenha surgido no vigésimo ano da Igreja primitiva -, segue-se que a própria Igreja primitiva não foi Igreja e que, por conseguinte, foram desobedientes a Cristo todos os que não receberam as chaves da Igreja Romana. E assim se deveriam considerar condenados a S. Estêvão e tantos milhares de mártires da Igreja oriental"(Debate e defesa do fr. Martinho Lutero contra as acusações do dr. João Eck).
Cardeal Suposto: Então você acredita que a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo não é a Igreja Católica Romana?
Lutero: "Ela nunca esteve sobre as Igrejas da Grécia, da África e da Ásia, não confirmou seus bispos do modo como confirma os nossos, como as histórias comprovam com suficiência. Ademais, sem dúvida há cristãos no Oriente, visto que o reino de Cristo é o mundo inteiro, de acordo com Salmo 2.8. Não obstante, seus bispos não são instituídos nem confirmados por Roma, o que também não é necessário"(Debate e defesa do fr. Martinho Lutero contra as acusações do dr. João Eck). 
Cardeal Suposto: Com esta sua visão sobre a Santa Igreja Católica, você se opõe ao papa, como representante de S. Pedro?
Lutero: "Sendo certo que nenhum dos apóstolos foi instituído ou enviado por Pedro, não é verdade nem possível que todas as ovelhas tenham sido confiadas a Pedro. É a todos que foi dito, numa expressão geral: "Apascenta minhas ovelhas". Pois não diz "todas", como quando diz a todos os apóstolos: "Ide a todo o mundo e ensinai a todos os povos" (Marcos 16.15). Não consigo admirar-me o bastante com o fato de que tantos e tão grandes homens reivindicam todas as ovelhas para Pedro, contra passagens bíblicas tão expressas, contra a experiência tão evidente, ainda que se vejam obrigados a confessar unanimemente que cada um dos apóstolos foi enviado à sua região específica e que Paulo foi chamado do céu para o apostolado dos gentios. Como ousaremos afirmar que, em tudo isso, Pedro foi o pastor de todos? Segue-se, pois, que ou não foram confiadas a Pedro todas as ovelhas de Cristo, ou então as ovelhas não pastoreadas por Pedro, mas por Paulo e os demais apóstolos, não pertencem às ovelhas de Cristo. "Apascentar" não significa ser o primeiro ou o príncipe. Por isso, dessa palavra não se pode provar outra coisa do que o dever do pontífice romano de pregar e ensinar a palavra de Deus" (Debate e defesa do fr. Martinho Lutero contra as acusações do dr. João Eck).
Cardeal Suposto: Pelo que percebo, você está questionando a autoridade do papa. Isso é verdade? 
Lutero: "Não sei se a fé cristã pode suportar que se estabeleça na terra outro cabeça universal da Igreja além de Cristo. Pois a Igreja é chamada de reino da fé porque nosso rei não é visto, mas crido, como se lê em 1 Co 15.24-25" (Debate e defesa do fr. Martinho Lutero contra as acusações do dr. João Eck). "Como todos os bispos são iguais por ORDENAÇÃO DIVINA e ocupam o lugar dos apóstolos, posso muito bem confessar que, POR ORDENAÇÃO HUMANA, um está acima dos outros na Igreja exterior. Com efeito, aqui o papa infunde o que tem em mente: seus direitos canônicos e obras humanas, por exemplo. Basta que deixemos que o papa seja papa. Ele deve permanecer abaixo de Cristo e se deixar julgar pela Sagrada Escritura" (A respeito do papado em Roma contra o celebérrimo romanista de Leipzig).
Cardeal Suposto: Chegou ao nosso conhecimento que você está cheio de questionamentos sobre a doutrina da penitência. Você vê algum problema na contrição?
Lutero: "Pela contrição o ser humano volta à graça com Cristo, assim como o filho pródigo [volta à graça] junto a seu pai, que diz: "Tudo o que é meu é teu" (Lucas 11:31). A verdadeira contrição deve partir da benignidade e dos benefícios de Deus, sobretudo das feridas de Cristo, para que a pessoa chegue primeiramente [ao reconhecimento de] sua ingratidão a partir da contemplação da bondade de Deus e, a partir dela, ao ódio de si mesma e ao amor da benignidade de Deus. Então correrão lágrimas, e ela odiará a si mesma de coração, porém sem desespero. Então odiará o pecado, não por causa da pena, mas por causa da contemplação da bondade de Deus. Tendo-a considerado, ela será preservada para que não desespere e para que odeie a si mesma ardentemente, mas com alegria. Quando assim houver verdadeira contrição POR CAUSA DE UM ÚNICO PECADO, haverá, ao mesmo tempo, verdadeira CONTRIÇÃO POR TODOS" (Explicações). "Silencio aqui a respeito do insuportável caos que nos impuseram, a saber, de fazer contrição de todos os pecados, pois isso é impossível; somente podemos conhecer uma pequena parte dos pecados. Finalmente também acontece que também as boas obras são consideradas pecado. Basta que sintamos dor com relação àqueles pecados que nos angustiam segundo a consciência atual e que podem ser conhecidos por uma fácil recordação da memória. Pois quem estiver assim disposto sem dúvida está preparado para sentir dor em relação a todos os pecados e a temê-los, e sentirá dor e os temerá quando forem revelados no futuro" (Do Cativeiro Babilônico da Igreja). 
Cardeal Suposto: Irmão Lutero, com esta visão tão abrangente sobre o pecado, concordo que é de fato impossível a contrição por cada pecado. Imagino que você sustente a mesma coisa acerca da confissão.
Lutero: "Não há dúvidas de que a confissão dos pecados é necessária e ordenada por Deus: "Eram batizados por João no Jordão, confessando seus pecados" (Mateus 3.6). "Se confessarmos nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os nossos pecados. Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso e a sua palavra não está em nós" (1 João 1.9). Entretanto, a confissão secreta, tal como hoje é praticada, não pode ser comprovada pelas Escrituras. Mesmo assim ela me agrada muito, é útil e até necessária; também não gostaria que não existisse. Inclusive alegro-me de que exista na Igreja de Cristo, pois é ela o único remédio para as consciências aflitas"(Do Cativeiro Babilônico da Igreja)."O ser humano deve considerar que não lhe é possível lembrar e confessar todos os seus pecados mortais, mas deve supor que, mesmo após todo o seu esforço, confessou apenas a menor parte de seus pecados. Pois diz o profeta num salmo: "Ó Senhor, purifica-me de meus pecados ocultos" (Salmo 51.2). E, em outro salmo: "Quem compreende o pecado?" (Salmo 19.12). Por isso, a pessoa deve confessar os pecados mortais que são pecados mortais manifestos e que oprimem a consciência quando da confissão, deixando os outros de lado. Pois é impossível que o ser humano consiga confessar todos os seus pecados mortais, que também nossas boas obras são mortais e condenáveis, se Deus as julga e avalia com seu rigor, e não com sua bondosa misericórdia. No entanto, caso se devam confessar todos os pecados mortais, que seja feito com as seguintes breves palavras: "Sim, toda a minha vida e tudo o que faço, digo e penso é feito de tal forma, que é mortal e condenável" (Uma breve instrução sobre como devemos confessar-nos).
Cardeal Suposto: São interessantes as suas colocações sobre o sacramento da penitência. Não vejo heresia alguma nelas. Mas de acordo com sua visão, você mantém a necessidade da satisfação?
Lutero: "Em Romanos 12.1 o apóstolo ordena que ofereçamos nossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Em seguida, expõe clara e amplamente como isso deve ser feito, ao ensinar que pensemos com humildade, sirvamos e amemos uns aos outros, perseveremos na oração, sejamos pacientes, etc. Como ele também diz em 2 Coríntios 6.4-5: "Mostremos a nós mesmos em muita paciência, em jejuns e vigílias", etc. Porém também Cristo ensina, em Mateus 5 e 6, a jejuar, orar, dar esmolas corretamente. Do mesmo modo, em outro lugar: "O que resta, dai como esmola, e eis que tudo vos será limpo" (Lucas 11.41). Daí se segue que, por serem PRECEITO de Cristo, aquelas três partes da satisfação - jejum, oração e esmola - não pertencem à Penitência Sacramental no que diz respeito à substância das ações. Pertencem a ela no que diz respeito ao MODO e TEMPO determinado, segundo o qual a Igreja as ordenou, a saber, quanto tempo se deve orar, jejuar, dar, do mesmo modo quanto e o que dar. Contudo, na medida em que pertencem À PENITÊNCIA EVANGÉLICA, o jejum compreende todos os castigos da carne; a oração, todo exercício da alma; a esmola, todo obséquio para com o próximo. Assim, pelo jejum [a pessoa] serve a si mesma; pela oração, a Deus; e pela esmola, ao próximo. Pelo primeiro, ela vence a concupiscência da carne e vive sóbria e castamente; pela segunda, vence a soberba da vida e vive piedosamente; pela terceira, vence a concupiscência dos olhos e vive de maneira justa neste mundo. Por isso, todas as mortificações que a pessoa compungida se impõe - sejam elas vigílias, trabalhos, privações, estudos, orações, evitar o sexo e os prazeres - pertencem À PENITÊNCIA INTERIOR, como seus frutos, na medida em que PROMOVEM O ESPÍRITO" (Explicações). "Ao dizer: "Fazei penitência", etc (Mateus 4.17), nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que TODA A VIDA DOS FIÉIS FOSSE PENITÊNCIA" (Tese 1). "As penas canônicas são impostas tão somente às pessoas que, por serem preguiçosas, não querem fazer coisa melhor ou, pelo menos, para examiná-las quanto à veracidade de sua contrição. O Evangelho certamente ensina que não se deve fugir das penas nem relaxá-las, mas sim buscá-las e amá-las, porque ensina do espírito da liberdade e do temor de Deus até o desprezo de todas as penas" (Explicações). 
Cardeal Suposto: Irmão Lutero, concordo com você com relação à penitência da vida cristã ou penitência evangélica. Mas você parece não acreditar nas indulgências, por meio das quais podemos socorrer as débeis almas do purgatório.
Lutero: "Não falo nada sobre o fogo e o lugar do purgatório, não porque o negue, mas porque esse é um outro debate que não me propus agora; além disso, porque não sei onde é o lugar do purgatório, embora B. Tomás creia que ele esteja debaixo da terra. Nesse meio-tempo, entretanto, fico com o B. Agostinho, a saber, que os receptáculos das almas são escondidos e estão fora de nosso conhecimento. Digo isto para que o herege begardo não imagine que obteve de mim [a afirmação de] que o purgatório não exista porque confesso que seu lugar é desconhecido, ou que a Igreja Romana erra por não rejeitar a opinião do B. Tomás. É-me certíssimo que existe um purgatório. Eu, contudo, para continuar (assim como comecei) a opinar e debater, sem nada afirmar, digo: se o purgatório é tão somente uma oficina para o pagamento de penas e as almas que nele estão são impuras por sua imoderação (como penso eu) e não são purificadas desse vício, o purgatório se tornaria o mesmo que é o inferno, pois o inferno é onde existe pena com culpa que permanece. Ora, nas almas do purgatório existe culpa, a saber, temor das penas e falta de amor, ao passo que o justo, segundo Isaías 8.13, nada deve temer senão apenas Deus; portanto, elas pecam sem interrupção enquanto temem as penas e buscam repouso. Provo isso pelo fato de que buscam seu próprio interesse mais do que a vontade de Deus, o que é contra o amor. Confesso francamente que creio que nenhuma alma é redimida das penas do purgatório por causa de seu temor, até que ponha de lado o temor e comece a amar a vontade de Deus em tal pena, e a ame mais do que teme a pena, sim, até que ame unicamente a vontade de Deus, mas vilipendie a pena ou até a ame na vontade de Deus. Porque é necessário amar a justiça antes de ser salvo. A justiça, porém, é Deus, que opera essa pena. Depois, há aquela palavra de Cristo: "Quem não toma (isto é, CARREGA DE BOM GRADO E COM AMOR) sua cruz e me segue, não é digno de mim" (Mateus 10.38). Ora, A CRUZ DAS ALMAS É AQUELA PENA" (Explicações). 
Cardeal Suposto: Então para você a alma continua sendo aperfeiçoada pela cruz no purgatório, não saindo de lá enquanto não aprender a amar sua cruz? É uma nova doutrina, Lutero, que não se deve admitir. Nós podemos socorrer essas almas com nossos méritos, ainda que elas aprendam a amar sua cruz.
Lutero: "Lá somente o Espírito socorre sua fraqueza o mais possível, intercedendo por elas com gemidos inexprimíveis. Pois o mesmo acontece aos tentados nesta vida, de modo que não sabem se esperam ou desesperam; sim, parece-lhes que desesperam, restando só um gemido por auxílio. Assim é evidente que não sofrem por temor da pena, mas por amor da justiça, como dissemos acima. Pois elas têm mais medo de não louvar a Deus (o que aconteceria no inferno) do que de sofrer. Toda a Igreja ajuda, com razão, esse seu santíssimo, porém ansiosíssimo desejo tanto quanto pode, principalmente porque também Deus quer que elas sejam auxiliadas por meio da Igreja. O papa não tem, é verdade, qualquer poder sobre o purgatório, assim como nenhum outro bispo; mas se ele tem algum poder, certamente tem um poder de tal natureza, que também os inferiores dele participam. Ora, este é o poder pelo qual o papa e qualquer outro cristão podem interceder, orar, jejuar, etc. pelas almas falecidas - o papa de modo geral, o bispo de modo particular, o cristão de modo individual. "Tudo o que ligares NA TERRA será ligado também nos céus; e o que DESLIGARES NA TERRA será desligado nos céus" (Mateus 16.19). Não é em vão que ele acrescentou "na terra". Do contrário, se não tivesse querido restringir o poder das chaves, teria sido suficiente dizer: "Tudo o que desligares será desligado". Portanto, ou Cristo, feito um tagarela, usa palavras SUPÉRFLUAS ou o poder das chaves existe unicamente na terra" (Explicações).
Cardeal Suposto: Vejo, prezado Lutero, que você está disposto a acabar com a doutrina das indulgências. Atribui à Igreja militante e à Igreja triunfante somente o poder de auxiliar a Igreja que se encontra no purgatório através das orações. Pelo que entendi, você nega de vez a existência e necessidade das indulgências.
Lutero: "Essa opinião de que os cânones devem ser cumpridos após a morte não tem absolutamente nenhuma passagem da Escritura, nenhum cânone ou razão plausível. Além disso, temos exemplos dos antigos pais. Cipriano, talvez o mais rígido observante de censuras e disciplinas eclesiásticas, ordena, ainda assim, na carta 17 do Livro III, que se dê a paz àqueles que estão submetidos a perigo de morte, para que venham com paz ao Senhor, tendo feito sua confissão ao presbítero ou ao diácono, como ele diz no mesmo lugar. Esse dar a paz nada mais é do que aquilo que, hoje em dia, é chamado de REMISSÃO PLENÁRIA, como fica claro para quem olha atentamente. Mas aqui alguém poderia dizer: "Falar assim é vilificar excessivamente as indulgências, se só as penas canônicas são remitidas, e nem mesmo todas, e unicamente para esta vida". Respondo: é preferível desvalorizar as indulgências do que esvaziar a cruz de Cristo. Sou de opinião que tal doutrina é digna de maldição e contrária aos mandamentos de Deus (Explicações).
Cardeal Suposto: Você tem noção da gravidade de suas asseverações? Primeiro questiona a autoridade do papa e da Santa Igreja Católica Romana. Depois nega uma doutrina muito bem estabelecida, que é a doutrina das indulgências. Jamais você será atendido em suas solicitações, ainda que um concílio seja realizado. O que você tem a dizer a respeito do tesouro de indulgências que a Igreja tem, que são os méritos de Cristo e dos santos, especialmente dos santos mártires?
Lutero: "O teólogo da cruz (ou seja, o que fala do Deus crucificado e abscôndito) ensina que penas, cruzes e morte são o TESOURO MAIS PRECIOSO DE TODOS e as relíquias mais sagradas, que o próprio Senhor dessa teologia consagrou e bendisse, não apenas através do toque de sua santíssima carne, mas também através do amplexo de sua vontade supersanta e divina, deixando-as aqui como [as relíquias] que, em verdade, devem ser beijadas, buscadas, abraçadas. Depois, vê também que coisa é esta: como se os méritos de Cristo somente não fossem suficientes, acrescentam a esse tesouro os méritos dos santos, assim como os da Igreja militante. Nenhum dos santos cumpriu suficientemente os mandamentos de Deus nesta vida. Logo, absolutamente nada de superabundante fizeram. Por esta razão, não deixaram alguma coisa a ser distribuída como indulgências. Todo santo deve amar a Deus tanto quanto pode, sim, além do que pode, mas nenhum deles o fez e pode fazê-lo. Através da mais perfeita de todas as suas obras, a saber, morte, martírio, sofrimento, os santos não fazem mais do que devem; sim, fazem o que devem, e também isto fazem mal-e-mal. Por conseguinte, muito menos fizeram mais do que era sua obrigação em outras obras. As penas dos mártires e santos devem ser um exemplo no sentido de suportar as penas. Pois assim oramos quando celebramos suas festas: "Que imitemos também a virtude do sofrimento". A Igreja necessita de uma reforma, o que não é tarefa de uma única pessoa, do pontífice, nem de muitos cardeais - como o provou, a ambas as coisas, o último concílio -, mas de todo o mundo, mais ainda: unicamente de Deus. Mas só aquele que criou os tempos conhece o tempo dessa reforma. Nada na Igreja deve ser tratado com maior cuidado do que o santo Evangelho, já que a Igreja nada tem de mais precioso e salutar. Creio que por meio desta minha protestação fica suficientemente claro que por certo posso errar, mas que não sou um herege, por mais que rujam e se desfaçam de raiva aqueles que pensam ou desejam outra coisa" (Explicações).
Cardeal Suposto: Quer concluir? Ou já disse o suficiente? 
Lutero: "É esta a confiança dos cristãos e a jovialidade de nossa consciência: PELA FÉ, nossos pecados não são nossos, mas de Cristo, sobre o qual Deus colocou os pecados de todos nós; ele levou sobre si os nossos pecados; ele é o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Inversamente, toda justiça de Cristo se torna nossa. Pois ele impõe sua mão sobre nós, e ficamos bem, e ele estende seu manto e nos cobre, bendito Salvador em eternidade, amém. Por isso, Beatíssimo Pai, prostrado aos pés de Vossa Beatitude, ofereço-me com tudo o que sou e tenho. Vivificai, matai, chamai, revogai, aprovai, reprovai, como vos aprouver. Em vossa voz reconhecerei a voz de Cristo que governa e fala em vós. Se mereci a morte, não me recusarei a morrer" (Explicações). 



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.
Todas as obras citadas encontram-se nos volumes 1 e 2 de Obras Selecionadas de Martinho Lutero, Editora Concórdia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.