sábado, 24 de outubro de 2015

JE NE SUIS PAS CHARLIE


Dias atrás assisti à entrevista de uma professora francesa que foi censurada por seus coordenadores devido ao fato de portar um crucifixo. Não estava ensinando às crianças a Bíblia, nem a doutrina católica, nem orações; nada que diz respeito ao catolicismo. Ela apenas portava um crucifixo. Eu poderia citar a tabeliã americana, presa por não agir contra sua consciência. Mas quero ficar com a suave ilustração dessa professorinha francesa.
Que desde o século XVIII o mundo não quer mais Deus, não é nenhuma novidade. Deus foi obrigado, no mundo ocidental, a deixar a filosofia, as ciências, as leis, a moralidade, enfim: o homem. Agora o filho de Adão alcançou o que sempre quis: sua divindade. Porque não me venha falar que o homem pode viver sem Deus. Se ele retirar Deus de seu pensamento, irá ocupá-lo consigo mesmo, transformando-se em seu próprio deus.
Daí o mundo ocidental se transformou em um enorme Panteão, onde cada um é deus, onde alguns deuses se sobressaem pela sua inteligência, oratória e força. Cada qual estabelece a moralidade, a verdade e o destino que lhe cabem (ou aos outros). 
Não que isso seja algo novo. É que agora o homem o faz livremente, sem culpa e sem freios. Como resultado, a sociedade tornou-se extremamente individualista e egoísta, porque cada qual se sente deus. É querer demais que um deus sirva e ame. Não, é próprio de um deus ser servido e amado, prevalecer, sujeitar e vencer, pois é assim que a razão sempre estabeleceu que Deus é.
Obviamente, o Estado, como sendo fruto do pensamento humano, também determinou sua emancipação em relação a Deus, tornando-se laico. 
Não vejo com maus olhos o Estado laico, porque em um mundo globalizado como o nosso, onde culturas tão diferentes estão misturadas, é necessário que o Estado garanta o direito de livre expressão a todos.
Mas é exatamente aqui que me revolto contra a tendência do governo. Hoje o governo não quer ser mais laico, mas antirreligioso. Há uma tendência cada vez maior de combater toda a forma de expressão religiosa. As pessoas podem se manifestar livremente, contanto que não expressem sua religiosidade. 
Somente o Estado quer ensinar o que é correto e moral. Ele quer ser deus, o maior deles, para reger seus deuses. O Estado quer impor sua própria religião, que não é outra senão o ateísmo. O que antes o Estado fazia em nome da Igreja, hoje ele quer fazer em nome do ateísmo, novamente cerceando liberdades. Você deve aceitar o fato de que é seu próprio deus, fim em si mesmo, senhor de seu destino, determinante de sua verdade e moralidade, determinante de quem é. A massificação que o Estado provocava em nome de Deus, hoje ele provoca em nome do ateísmo. 
Não estou querendo, com isso, justificar os horrores que a Igreja cometeu enquanto esteve ligada ao Estado. Judeus, luteranos, protestantes e católicos romanos sabemos bem o quanto essa ligação do Estado à Igreja foi terrível. O problema é que o Estado trocou a Igreja pelo ateísmo, querendo impô-lo da mesma maneira como quis impor a Igreja, em outros tempos. Agora o feitiço se volta contra o feiticeiro e quem está sendo perseguido é a Igreja, que em outros tempos perseguiu. E mais: não somente a Igreja, mas qualquer manifestação religiosa.
Fico pensando sobre qual imposição ou ditadura do Estado foi mais deletéria ao homem. Porque enquanto ele impôs a Igreja, o que não é certo, volto a repetir, ao menos ele impunha Deus como um padrão comum de moralidade e mantinha-nos muito humanos e irmanados em torno desse padrão. O ateísmo, por sua vez, entrega ao homem a divindade, o que abre espaço à individualidade, ao egoísmo e à competitividade. Não que o ateu seja individualista e egoísta; há ateus virtuosíssimos! bem mais comprometidos com a vida humana que muitos religiosos. Mas a deificação do homem tende a fortalecer o seu individualismo, isolando-o em si mesmo, o que resulta no que vemos hoje: tristeza, intolerância, insensibilidade, pessimismo, cansaço e desesperança.
O homem não pode subsistir sem Deus. Somos homens porque há um Deus. Quando a Divindade desaparece, nossa humanidade se esvai. É certo que uma sociedade não pode sobreviver ao assassínio de Deus. 
Minha opinião é que o Estado deve ser laico. Entretanto, ser laico é preservar o direito de livre expressão a todos, não excetuando ninguém. Um Estado verdadeiramente laico não deve ensinar o que é certo ou errado, o que é moral ou imoral, o que é adequado ou antiquado. Exatamente por ser laico, ele deve delegar tal função às famílias e comunidades religiosas. Por outro lado, um Estado verdadeiramente laico deve permitir que religiosos possam expressar sua opinião livremente, sem medo, assim como ateus e agnósticos o fazem, nos dias atuais. Também não deve sujeitar nenhuma consciência à sua doutrina. Aliás, um Estado verdadeiramente laico não deve ter doutrina alguma. 
Quanta riqueza cultural é perdida quando um governo deixa de ser laico para se tornar antirreligioso! Porque religião é cultura, é história, é língua, é sabedoria, é comportamento, é vida. Também as religiões cooperam com a sociedade e, por conseguinte, com o Estado também, porque ensinam que o outro existe e deve ser amado.
Que importa ao Estado se eu coloco uma imagem em meu consultório de ambulatório público, como o faço? Não estou convencendo ninguém a se tornar cristão. Não estou fazendo propaganda. Isso não é proselitismo. Mas quem entra em meu consultório sabe que está sendo atendido por um ser humano, que tem fé, consciência, valores e uma vida. Quem entra em meu consultório, ao ver a imagem, deve saber que está sendo atendido por um homem, mais precisamente por um homem cristão, não pelo Estado. Assim como alguém tem o direito de expressar seu repúdio às religiões, não utilizando imagens ou qualquer símbolo religioso, também eu tenho o direito de expressar a minha fé cristã. Não é por não ser adepto do ateísmo do Estado que devo me silenciar. O Estado laico deve garantir meu direito de não ser ateu, de ser cristão onde quer que eu vá, onde quer que eu trabalhe, onde quer que eu viva, ainda que trabalhe para ele.
É esta a minha crítica enfática contra o chamado Estado "laico".
Eu quero um Estado realmente laico, que preserve meu direito de ser quem sou; não um Estado antirreligioso.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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