quarta-feira, 14 de outubro de 2015

AS INDULGÊNCIAS - PARTE 2


Na postagem anterior, explicamos no que consiste o sacramento da penitência para os católicos romanos. Sem conhecer a visão que eles desenvolveram acerca da penitência, não é possível falar das indulgências, que é o nosso objetivo, porque estamos no mês da Reforma luterana.
Veja-se que entregar o perdão dos pecados ao homem não é boa coisa. Sujeitar o perdão dos pecados à sincera tristeza por havê-los cometido e à confissão de cada um deles é algo extremamente perigoso. Pode, por um lado, gerar falsa segurança, o que geralmente se dá às custas de hipocrisia e de um empobrecimento muito grande do que é pecado. Por outro, quando a consciência é atingida pela Lei de Deus, pode conduzir a pessoa ao desespero, como ocorreu com Dr. Martinho Lutero. 
Tenho minha firme opinião que o purgatório não é doutrina católica e apostólica. Fosse católica e apostólica, deveria constar das Escrituras, dada a sua relevância e porque os apóstolos ensinaram abundantemente sobre pecado, tribulações, comunhão dos santos e galardão. Também era de se esperar que houvesse opinião consensual entre os cristãos de sucessão apostólica, o que não é fato. Apenas os católicos romanos (e as igrejas orientais sujeitas ao Vaticano) confessam a existência do purgatório.
Portanto, o purgatório é fruto inevitável de uma teologia baseada em obras e méritos. Se alguém deseja auxiliar Deus em sua salvação, certamente terá que pensar em algo do tipo, pois morremos em pecado e com a consciência atribulada. 
Com base na doutrina do purgatório é que surgiu a doutrina das indulgências. De fato, indulgências não significam "perdão dos pecados", como os professores de história costumam ensinar. A Igreja de Roma mantém que o perdão dos pecados é obtido pelo Batismo e pela confissão, graças ao sacrifício de Cristo na cruz. Tendo sido batizada e absolvida dos pecados mortais, a pessoa está livre da punição eterna, porque Cristo foi punido no lugar dela. Entretanto, como já abordamos na postagem anterior de maneira detalhada, cada pecado, mesmo os involuntários, que a Igreja de Roma chama de veniais, tem suas consequências ou penas temporais. Guarde bem a palavra "pena" no sentido de "consequência", porque essa palavra será usada muitas vezes.
É evidente que todo pecado, mesmo quando é perdoado, produz penas temporais, tais como adoecimento, divisões, inimizade, insônia, angústia, depressão e até indenização ou cadeia, quando o pecado, além de infringir a Lei de Deus, infringe também a lei dos homens. Ninguém há de negar as penas temporais que o pecado suscita. Com certeza, o sacerdote não pode livrar a pessoa dessas penas. Quanto a Deus, ele pode, mas geralmente não o faz, porque as penas temporais têm o bom propósito de nos tornar pessoas melhores.
Também existe a Cruz do cristão, com a qual ele mortifica a sua carne, enquanto peregrina por este mundo. O cristão se exercita na mortificação de sua carne e no crescimento espiritual através de muitas tribulações, que também podemos incluir na conta das chamadas penas temporais. 
Portanto, as penas temporais servem ao aperfeiçoamento do cristão. Ele cresce sob o estímulo delas. Abatido por muitas tribulações e culpa, o cristão aprende a amar a Deus mais que a si próprio e a confiar mais em Deus que nos homens. 
Sobre as penas temporais, encontramos excelentes escritos apostólicos. Por exemplo, São Paulo disse: "Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus" (2 Coríntios 7:1). Também: "Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas" (2 Coríntios 4:16-18). E o mais belo de todos, na minha opinião: "Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja" (Colossenses 1:24). E eu poderia citar muitos e muitos outros exemplos riquíssimos de penas temporais para o aperfeiçoamento cristão. 
De fato, não há cristianismo sem Cruz. E a Cruz consiste em penas temporais.
Dr. Martinho Lutero, ao debater essa questão, disse algo que deve ser consensual entre os cristãos: "que a verdadeira contrição PROCURA E AMA as penas" (tese 40).
A questão central é que a Igreja de Roma considera que essas penas temporais perduram após a morte, de maneira que as almas dos que morrem na amizade de Deus continuam sendo aperfeiçoadas por essas penas temporais no purgatório. É então que as indulgências entram em cena.
As indulgências são reduções ou cancelamento das penas temporais do purgatório, obtidas por quem está vivo. A Igreja de Roma considera que determinadas obras, realizadas da maneira como ela especifica, auferem a quem as pratica indulgências e que essas indulgências podem ser transferidas a quem se encontra no purgatório, reduzindo e até cancelando suas penas temporais. Essa transferência de indulgência ocorreria devido à unidade da Igreja neste mundo, no purgatório e no Céu, como um único organismo. Então os méritos de Cristo, da virgem Maria e dos santos socorreriam as almas que se encontram no purgatório, aliviando suas penas temporais, podendo inclusive libertá-las desse estado. Quando alguém obtém uma indulgência, ele está tendo acesso a esses méritos, por intermediação da Igreja, podendo utilizá-los para si ou para outrem.
As indulgências são obtidas através de obras muito simples, decididas pela Igreja de Roma, tais como orações pelo papa, esmolas, jejuns, participação na Eucaristia, leitura do catecismo, peregrinações, leitura da Bíblia e confissão. São obras muito simples, onde a Igreja decide que, por meio delas, é possível acessar os méritos de Cristo, da virgem Maria e dos santos, usando-os para si mesmo ou auxiliando, por meio deles, quem está no purgatório, com o intuito de reduzir (ou mesmo abolir) suas penas temporais. 
As indulgências conferidas às obras podem ser parciais ou plenárias. As indulgências parciais aliviam as penas temporais. Quanto às plenárias, removem por completo as penas temporais, permitindo à alma deixar o purgatório e entrar no gozo do Céu. 
É permitida a aquisição de uma indulgência plenária por dia. Destarte, um bom católico romano pode livrar uma alma do purgatório por dia, desde que cumpra rigorosamente a obra que irá lhe conferir uma indulgência plenária. 
Obviamente, quem prescreve as obras que garantem indulgências e decide se essas indulgências serão parciais ou plenárias, novamente, é a própria Igreja de Roma, através de um uso ilegítimo das Chaves.
Com isso, a Igreja de Roma imagina um grande "tesouro de indulgências", que são os méritos de Cristo, da virgem Maria e de todos os santos reunidos, como uma espécie de poupança, que pode ser acessado mediante obras prescritas pela Igreja, para alívio ou libertação das almas do purgatório. Aqui se fala até de obras "supererogatórias" dos mártires, isto é, sobre o mérito grandioso de seu martírio, porque consideram que o martírio foi uma obra por demais excelente, indo além do que é exigido por Deus.
Uma exposição simples dessa doutrina já nos mostra porque Dr. Martinho Lutero, doutor em Bíblia, cura d'almas, que havia prometido ser fiel às Escrituras, não poderia se calar. A questão é por demais séria, porque ensina obras, méritos e põe em risco a verdadeira fé. Nessas horas, vejo que a Igreja de Roma é poupada pelo silêncio de doutrinas como essa. Ainda bem que pouquíssimos católicos romanos têm conhecimento disso ou levam isso a sério. Até rezam pelos mortos, mas sem saber o que estão fazendo, como devoção particular, o que é menos pior.
Bem, a primeira coisa é que não existem méritos dos santos. Todos os méritos dos santos, inclusive os da virgem Maria, são os méritos de Cristo. Nenhum cristão conquistou um mérito sequer neste mundo, por mais proba e piedosa que tenha sido a sua vida, ainda que tenha se doado a Deus em martírio. É Deus quem age através de seus santos. É ele quem deve ser honrado pelo que a Igreja faz. Desviar o louvor de Deus para a Igreja é idolatria. Jesus ensinou: "Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer" (Lucas 17.10). São Paulo disse: "Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebestes, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?" (1 Coríntios 4.7). Também: "Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Filipenses 2.13). Santo Agostinho de Hipona: "Meus bens são tuas obras e teus dons". Portanto, deve-se manter a suficiência dos méritos de Cristo em seus santos. Se somos recompensados, é por pura misericórdia de Deus, que desconsidera o pecado inerente a cada boa obra que realizamos EM CRISTO. Porque fora de Cristo não existe nenhuma boa obra perante Deus, somente pecado. Como ensinou S. Paulo: "TUDO o que não provém de fé é pecado" (Romanos 14.23).
Ademais, orar, comungar, confessar-se, ler a Bíblia são obras que nos são prescritas porque precisamos delas, não para obter algo em troca. Não é uma questão de negociação, mas de pura necessidade. Quem não pratica essas obras está em risco de perder sua fé, que é alimentada somente pelo Evangelho. Temos que dar Evangelho à nossa fé, para que ela não definhe e morra. 
A segunda coisa é que obras que deveriam nos trazer prazer e alívio, que deveriam ser praticadas espontaneamente, com o coração transbordante de graças, tornam-se disciplina. Tudo o que é bom torna-se cansativo e ruim quando é transformado em obrigação. Então orar se torna um fardo, bem como ler a Bíblia, confessar-se e comungar o corpo e sangue de Cristo. Devemos nos atentar ao salmista, por meio do qual Deus declara: "O que me oferece sacrifício de AÇÕES DE GRAÇAS, esse me glorificará" (Salmo 50.23). Davi também pede a Deus: "Restitui-me A ALEGRIA da salvação e sustenta-me com um ESPÍRITO VOLUNTÁRIO" (Salmo 51.12).
A terceira questão é até onde as penas temporais persistem. Todos nós sabemos que os pecados nos acarretam penas temporais. Deus, porém, em sua misericórdia, transforma essas penas temporais em verdadeiras bênçãos para os cristãos, de maneira que são aperfeiçoados por elas, tornando-se cada vez melhores, menos apegados a si mesmos e ao mundo, cada vez mais íntimos de Deus. Mas as penas tempo-rais terminam quando o tempo termina para nós, ou seja, quando morremos. Ninguém leva penas temporais para além-túmulo. Quando a morte vem, tornamo-nos livres da Lei e das penas temporais. Assim ensinou S. Paulo: "Porquanto quem morreu está justificado do pecado" (Romanos 6.7). Também: "Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora, a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal" (Romanos 7.1-2). Apocalipse 14.13: "Então, ouvi uma voz do céu, dizendo: Escreve: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que DESCANSEM das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham". Profeta Isaías: "A sepultura não te pode louvar, nem a morte glorificar-te; não esperam em tua fidelidade os que descem à cova. Os vivos, SOMENTE os vivos, esses te louvam" (Isaías 39.18-19). 
Enfim, a Igreja de Roma alega que a doutrina do purgatório e das indulgências devem ser mantidas porque são de grande consolo para a família enlutada. Mas não se deve consolar ninguém com mentira. O apóstolo S. Paulo nos ensina como é que se deve consolar uma família enlutada: "Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem. Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras" (1 Tessalonicenses 4.13-14, 18).
Para que recorrer à filosofia dos escolásticos e aos concílios papais, não ecumênicos, quando temos tão abundante e clara informação por parte dos apóstolos, todas elas muitíssimo confiáveis?
Quero deixar claro que este é o meu posicionamento como Igreja da Confissão de Augsburgo. Dr. Martinho Lutero, à época em que questionou vários problemas que havia na doutrina da penitência e, por isso mesmo, foi excomungado, não pensava dessa maneira. Por exemplo, ele acreditava na existência do purgatório, embora tenha lhe dado uma interpretação evangélica. Posteriormente, após sua excomunhão, abandonou de vez a ideia de um purgatório.
Por isso, na próxima (e última) postagem sobre as indulgências, somente Dr. Martinho Lutero irá expor sua opinião. Então veremos o quão sua excomunhão foi injusta. 



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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