domingo, 20 de dezembro de 2015

O SILÊNCIO DE DEUS

Então, Jesus me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porquanto, quando sou fraco, então, é que sou forte" (2 Coríntios 12:9-10).


Instintivamente todos nós gostaríamos de ver Jesus e adorá-lo. Pensamos no quão seria mais fácil crer se víssemos algo. Pedimos milagres, sinais, desejosos que alguma evidência seja posta diante de nós para que prossigamos em nossa caminhada.
Entenda, porém, que sua razão ou intelecto é que requer isso. A fé não se compraz no que vê. Muito pelo contrário, qualquer evidência a reduz.
Fé é uma coisa estranha. Quanto mais improvável, invisível e insensível seu objeto for, mais fortalecida ela é. Ela não quer ver ou sentir nada. É fome do Deus invisível!
Como a razão é o que temos ao nosso dispor, não deve causar estranheza que igrejas que enfatizam milagres e outras prosperidades estejam crescendo muito mais que igrejas onde Deus permanece invisível e em silêncio. 
Somente a fé convive muito bem com o silêncio de Deus. A razão natural não o suporta e está sempre atrás de evidências, que nunca lhe são concedidas, senão em situações extremas, como a de S. Tomé, quando Deus age por pura misericórdia diante da indigência humana.
Deus se esconde de nós com o propósito de fortalecer nossa fé. Qualquer evidência fortalece a razão e reduz a fé. Deus não quer nossa razão, mas nossa fé, e ele tem motivos para isso.
Quem pauta sua religiosidade na razão estará se ancorando em algo pecaminoso. Nossa razão está corrompida pelo pecado. Por esse motivo, ela conclui que Deus só lhe é favorável quando tudo estiver ocorrendo de maneira perfeita. Igualmente concluirá que Deus a abandonou quando a primeira tribulação vier. A razão também conecta teimosamente qualquer intervenção divina ao homem: a um santo intercessor, à própria oração, à oração de outrem, sobretudo de alguma autoridade religiosa. A razão humana teima nessas ninharias. Daí vêm as romarias, vigílias, orações no monte, novenas, grandes aglomerações em torno de pessoas com poder de cura, sensacionalismo televisivo e outras coisas do tipo, que conhecemos bem. 
É facilmente explorado quem pauta sua religiosidade na razão. Quem explora a razão pensa o seguinte: basta eu dar alguma evidência à pessoa que eu a terei por discípula. Sendo minha discípula, espero que seja generosa comigo. É dessa maneira que os "exploradores da razão" se enriquecem.
A razão atrela a misericórdia divina à mediação de santos por não encontrar misericórdia em lugar algum. Ela analisa cuidadosamente nossas indignidades, compara nossa situação miserável à de outros, onde ela costuma enxergar santidade, e passa a crer que a mediação dessas pessoas santas é fundamental, já que ela não entende o que é misericórdia e quer lidar com Deus com base na evidência da santidade.
A razão também tem a mania de querer pagar algum preço. Ela não aceita nada de graça. Por que ela é assim? De onde ela tira a ideia renitente de que é necessário sempre pagar? É que ela se baseia em nós mesmos e concebe seu Deus de acordo com nossa natureza. Nós não somos gratuitos. Ah, não somos mesmo! E quem se sente gratuito, trate de estudar seu comportamento com mais honestidade. Daí a razão cria sofrimentos, dízimos e ofertas sem fim, com o intuito de pagar por cada graça recebida. 
É por isso que Deus não quer nossa razão. Se Adão e Eva não tivessem pecado, a razão certamente faria o papel da fé. Mas uma vez que a razão foi pervertida pelo pecado, Deus não pode mais utilizá-la como forma de relacionar-se com o homem.
Então Deus cria essa coisa estranha chamada fé. A ela Deus condiciona a salvação humana.
A fé é uma fome de Deus. Assim como a concupiscência é uma fome de pecado, a fé é uma fome de Deus. Ela impulsiona o homem ao verdadeiro Deus, que difere muito do Deus que a razão constrói. 
Não à toa fé e razão se digladiam terrivelmente no cristão, porque são diferentes demais para conviverem pacificamente. É essa contenda permanente entre fé e razão que torna a vida do cristão tão sofrida. Quem não tem fé, sente-se muito mais confortável no exercício de sua religião, porque lida somente com a razão.
A razão de Deus estabelecer a fé como maneira de o homem relacionar-se com ele é que ela não está pervertida pelo pecado. Ela é uma força santa e diviníssima que atua através de nossa vontade, puxando-a para Deus. Não há pecado algum em nossa fé e ela nunca erra!
A fé tem a característica de querer Deus, seja ele visível ou não, apresente-se ele bom ou mau, terno ou duro; não importa como ele se apresenta à razão. A fé não quer acordo algum com a razão. Ela quer somente Deus. E ela o procura com avidez! Quando há Igreja e Escritura, busca Deus na leitura, na meditação, na penitência, na Pregação, nos sacramentos e na comunhão dos santos. Quando lhe falta Igreja e Escritura, busca Deus no cotidiano. Ela quer o Deus invisível do ar, do alimento, do sorriso, do sofrimento, da labuta, da ingratidão e da dor. Ela quer o Deus invisível da chuva, do vento, da flor, da água e das calamidades. Ela busca o Deus do crucifixo, da imagem, do altar, do ornamento e da vela. Ela consegue enxergar seu Deus em tudo, até no mais improvável. Como consequência disso, também sacraliza todas as coisas, até mesmo as piores tribulações e martírios.
Embora a razão seja escrava do que é sensível e possa ser vencida por argumentações, a fé é livre como a corça. Sua liberdade consiste em não precisar de nada que é mutável e efêmero. Ela não está preocupada com minha pretensa santidade, com meu pecado, com a santidade alheia ou preços. Ela não quer saber das mudanças que ocorrem dentro e fora de mim. Seus olhos estão fitos em Deus, que nunca muda e permanece para sempre. Por isso, é próprio da fé ser constante.
Ao lidar com Deus, a fé é a única possibilidade humana. Ela é a única maneira de ver Deus onde a razão vê desgraça e desamparo. É a única maneira de ver Deus através dos dilemas. É por isso que Deus parece mais duro com quem crê do que com o descrente, que vive alegre e prosperamente. É que Deus não pode permitir sofrimento excessivo a quem não tem fé, sem levá-lo rapidamente ao desespero. A razão de nada ajuda diante da pobreza e indigência. 
No entanto, quando o sofrimento vem ao cristão, não é por acaso. Deus quer que sua fé se fortaleça diante da falta de evidências. A falta de evidências irá cansar a razão, abrindo espaço à fé.
Muita gente acha que a Igreja luterana não tem o poder de Deus. De fato, nunca vi um milagre acontecer em minha paróquia. Enquanto muitos que se dizem cristãos vivem a alegria da prosperidade em todos os aspectos: família linda, rica, casamentos perfeitos, filhos educados e bem encaminhados e saúde, aqui nós convivemos com dilemas, com sofrimentos, com coisas que não têm explicação. Aqui nós convivemos com o silêncio de Deus. Todavia, sou muito grato a Deus por esse silêncio, porque é através dele que nossa fé se mantém sempre viva. 
Pedimos a Deus que fortaleça nossa fé. Deus ouve e responde com invisibilidade. Porque onde for visível, ali a razão irá prosperar. Onde, porém, for muito invisível, ali a razão irá recuar, cedendo espaço à fé.
O verdadeiro Natal ocorreu segundo a fé. A virgem Maria e S. José nunca entenderam por que Deus os havia escolhido para serem pais do Messias. Nunca entenderam por que Deus determinou que seu Messias nascesse num curral e fosse posto a dormir num cocho. Tudo era extremamente improvável e invisível. Mas o mais improvável e invisível veio depois, quando o Homem Jesus anunciou e provou ser Deus. Um Deus verdadeiramente humano posto sobre um cocho, perseguido por Herodes e levado nos braços de sua mãe ao Egito. Diante disso a razão grita ressentida, a fé canta embevecida e uma das duas é obrigada a sair de cena. A diferença é que se a fé fica, você tem o verdadeiro Deus. Se a fé se vai, você não tem Deus algum. 
Se, porém, a fé ficar e, com ela, o verdadeiro Deus, nunca mais você ficará sem Deus, porque a fé é especialista em encontrá-lo.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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