quarta-feira, 30 de março de 2016

RESSURRETOS PARA RESSUSCITAR

"Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniquidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça" (Romanos 6:10-13).



O maior paradoxo cristão é viver ao mesmo tempo em que se morre. Morte que salta aos olhos, vida que se revela com timidez, mas duas realidades igualmente impactantes. O cristão simultaneamente está morrendo e ressuscitando.
Entramos, então, na atualidade da ressurreição. Não devemos esperar pela ressurreição como coisa que há de vir, mas como realidade concreta, coisa já instaurada e que avança. São Paulo afirma que devemos nos portar como "vivos para Deus" ou "como ressurretos". Apesar de a pregação cristã enfatizar muito a mortificação da carne atual e a ressurreição como evento futuro, devemos crer que a ressurreição atual é tão intensa quanto a morte que está em curso.
A ressurreição é decorrente ou é fruto da justificação. Tendo sido declarado justo no momento em que cri, tornando-me possuidor de uma justiça até então alheia a mim, que é a justiça de Cristo, fui reconciliado com Deus. Essa reconciliação é de tal maneira profunda e abrangente que o profeta diz acerca dos pecados, no contexto da justificação, que foram pisados por Deus e lançados nas profundezas do mar (Miqueias 7:19). A justificação é ato de Deus pelo qual nós recebemos a justiça inteira de Cristo, através da fé. Somos tornados justos tanto quanto Cristo, como se nunca houvéssemos pecado. Portanto, a justificação nos torna melhores que Adão, ao nos conceder uma justiça que ele próprio não possuiu em seu estado de inocência. A justiça que Cristo obteve não foi para si que a obteve, mas para nós. De que serviria a justiça de Cristo a ele, que é Deus e a própria Justiça desde a eternidade? Logo, a justiça que Cristo obteve como homem foi para beneficiar os homens.
É dessa justificação que vem a nossa ressurreição no presente momento. Aqui é importante que destaquemos a justificação como sendo passiva e ativa. A primeira é ato de Deus em nós, em que Deus nos concede a fé em Cristo, por meio da qual somos tornados tão justos quanto Cristo, sem esforço algum de nossa parte. Esta é a justificação sacramental, que recebemos gratuitamente, em virtude da fé. Trata-se de justiça que nos é creditada ou imputada e, portanto, diz-se que é passiva de nossa parte, embora não da parte de Deus. A justificação ativa, por sua vez, provém da justificação passiva, sendo, até certo ponto, desdobramento inevitável ou necessário dela, mas também esforço deliberado nosso. 
A justificação ativa, que é decorrente da justificação passiva, é a ressurreição que podemos provar hoje. Quem recebe a fé no Evangelho e, juntamente com ela, o Espírito santificador, sendo inserido no mistério de Cristo e participando plenamente de sua justiça, sem qualquer reserva, deverá frutificar e é inevitável que frutifique. É evidente que todo homem que participa da natureza de Cristo e que está sendo conformado à figura dele por ação do Espírito Santo irá se tornar cada vez mais semelhante a ele, o que significa amar de verdade e, por meio desse amor, praticar toda a sorte de boas obras. Portanto, é inevitável que quem é justificado passivamente ou sacramentalmente comece a amar, assim como Cristo ama. Disso quem é justificado não tem escapatória, porque já está vivendo a vida de Cristo, cada vez mais, cada vez mais, sendo isto ressurreição no presente momento! Por isso S. Paulo declara: "mas quanto a viver, vive para Deus". É algo necessário e ocorre mesmo contra a nossa vontade, porque quem é inserido em Cristo e justificado não consegue viver em pecado. O justificado peca, é claro que peca! Mas pecar já não é tão fácil e permanecer no pecado se torna uma espécie de agressão à sua nova natureza. Como disse S. João: "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus" (1 João 3:9).
Você foi justificado? Esta pergunta não é difícil de ser respondida por cristãos maduros, porque já provamos em nós a ressurreição da novidade de vida, da justificação ativa, dessa resistência contínua ao pecado, que o torna detestável aos nossos olhos. O mesmo pecado que antes nos provocava prazer hoje nos incomoda e causa lágrimas. Isto é justificação ativa e ressurreição no momento presente. Aqui está a vida dos filhos de Deus, dos que nasceram da natureza de Deus e que não podem mais ser diferentes.
Incrivelmente, é no pecado cotidiano que detectamos a ressurreição cotidiana, porque é no desgosto do pecado que detectamos nova vida. É assim que, para o cristão verdadeiro, que vivencia a ressurreição, a carne é um fardo pesado, que o puxa para baixo e não permite que ascenda o quanto gostaria. 
O ressurreto S. Paulo assim suspirou, com relação ao fardo de sua carne: "Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" (Romanos 7:24).
Por outro lado, a justificação ativa envolve nossa participação e esforço. É por isso que S. Paulo diz: "Não reine", "nem ofereçais" e "oferecei-vos". Também: "Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor" (Filipenses 2:12). É necessário que lutemos! A tristeza e contrição provocadas em nós pelo pecado vêm involuntariamente, da mesma maneira como antes vinha o prazer. Este é o aspecto negativo da justificação ativa, em que repudiamos o pecado como coisa que não condiz com nossa natureza de ressurretos. Mas há um aspecto positivo da justificação ativa que se chama obediência. Como pessoas redivivas, é necessário que amemos contra a nossa carne e que esse amor se expresse em perdão, generosidade, respeito e honradez, de maneira que nossos membros se tornem "instrumentos de justiça". Esse amor requer deliberação e esforço, porquanto nossa ressurreição ainda convive com a morte que, como afirmei, puxa-nos continuamente para baixo.
Para que não deliberemos e atuemos em vão, Deus nos concedeu a Lei do amor, para que nela possamos nos exercitar como pessoas ressurretas. Não devemos inventar obras, mas empenhar-nos nas verdadeiras obras, que encontramos na Lei de Deus. É neste aspecto que a Lei de Deus provoca vida e só neste: em que uma pessoa justificada por Deus, que goza a ressurreição, encontra na Lei de Deus o caminho do amor. Para quem não foi justificado, a Lei não tem esse poder vivificante, porque ainda não há vida, uma natureza que lhe seja conforme, que possa acatá-la e cumpri-la de bom grado.
Entendemos, então, que à justificação passiva que sofremos de Deus, que nos imputa a perfeita justiça de Cristo, segue-se a justificação ativa, em que negativamente nos posicionamos em relação às nossas paixões pecaminosas e positivamente em relação ao amor. É então que a nossa justificação ativa se torna a justificação passiva do mundo. De fato, somos sacramento para o mundo.
Cristo não é teoria, mas vida. Vida só pode redundar em vida. Quem recebe a vida de Cristo doa essa vida a quem o cerca. É um processo dinâmico, em que o homem é justificado passivamente por Deus e ativamente justifica o mundo, trazendo justiça, vida e ressurreição ao que antes era somente morte. Portanto, assim como Cristo não é teórico, o cristianismo autêntico não é teórico, mas prático, através do amor.
Se a justificação ativa de Cristo não serviu a ele, mas a nós, também nossa justificação ativa não nos serve, mas ao mundo, com o intuito de lhe ser vida.
Somos ressurretos para ressuscitar. Somos vida para vivificar realidades que nos cercam. Esta é a verdadeira vocação de quem é ressurreto.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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