domingo, 3 de abril de 2016

FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM

"Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha" (1 Coríntios 11:26).


Antes de doar sua vida como oblação pelos nossos pecados, Cristo instituiu a Eucaristia como celebração de sua vitória sobre o pecado.
Muitos insistem em submeter as sentenças "isto é o meu corpo" e "este cálice é a nova aliança no meu sangue" a esta outra: "fazei isto em memória de mim". Supõem que pão e vinho simbolizam o corpo e sangue de Cristo, já que o propósito de Cristo não era nos dar seu corpo e sangue, mas que nos lembrássemos do que ele fez em nosso favor.
Bem, lembrar o que Cristo fez de maneira alguma conflita com o fato de ele voluntariamente nos dar para comer e beber seu corpo e seu sangue. Muito pelo contrário, é a doação de seu corpo e sangue para remissão de nossos pecados que enche essa memória de significado. Ao instituir a Eucaristia, Cristo não pretendia ser apenas lembrado, mas recebido em ação de graças como sacrifício eterno por nossos pecados. Cristo desejou que seu sacrifício se tornasse propriedade nossa. 
"Isto é o meu corpo" e "este cálice é a nova aliança no meu sangue" enaltecem maximamente essa lembrança, tornando-a bem diferente de qualquer outra que existe no mundo. Portanto, a sentença "fazei isto em memória de mim" é que deve se sujeitar às sentenças "isto é o meu corpo" e "este é o cálice". Não devemos empobrecer a doação de Cristo em nome da "memória" e sim enaltecer a "memória" através dessa doação.
O apóstolo também destaca que a Eucaristia, além de memória, é anúncio. Não podemos nos esquecer disso nunca! Quem comunga o corpo e sangue de Cristo compromete-se com seu sacrifício e assume-o como seu. Ora, se o sacrifício eterno de Cristo é tornado meu, já não tenho mais pecado, mas tenho comigo, como propriedade minha, seu corpo imolado e seu sangue derramado PARA remissão de meus pecados. Continuo padecendo minha condição de pecador, mas tenho comigo o sacrifício de Cristo, que me garante a vida eterna. 
Quando a Igreja se reúne para comungar o corpo e sangue de Cristo, ela está anunciando que o Cristo crucificado é dela. Esse anúncio enriquece sobremaneira as palavras "em memória de mim". Não apenas uma lembrança do que Cristo fez por nós na cruz, mas a recepção desse sacrifício em nós, para perdão dos pecados. Então o coração da Igreja se enche de júbilo e louvor, porque está livre de seus pecados, o que transforma uma ceia em banquete, a lembrança de uma morte em festa e a contemplação em experiência. É por isso que S. Paulo afirma: "anunciais a morte do Senhor"
Anunciar (angello) é um verbo forte, que pressupõe experiência. São João usa esse mesmo verbo duas vezes, quase que seguidamente, como declaração daquilo que experimentou profundamente em si mesmo: "O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida, o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva alguma" (1 João 1:1,3,5). De fato, quando a Igreja se reúne para comungar o corpo e sangue de Cristo, ela está anunciando a si mesma e ao mundo inteiro que a morte de Cristo não é somente um acontecimento histórico, mas possessão sua, por meio da qual ela é salva. Foi esse anúncio poderosíssimo que tanta preocupação trouxe aos imperadores romanos.
As palavras do apóstolo possuem também um conteúdo escatológico: "até que ele venha". A Igreja recebe o corpo imolado e o sangue vertido no madeiro não como coisas mortas, mas como vida, pois Cristo ressuscitou. Cristo nos concede seu corpo vivo e seu sangue vivo, tornando-nos possuidores não só de sua morte vicária, mas de sua ressurreição também. 
A Igreja recebe com júbilo o sacrifício de Cristo, na perspectiva de sua volta. Ele vive! A Igreja não está recebendo um corpo e sangue mortos, mas o corpo e sangue vivos do Cristo ressurreto. Portanto, a
Eucaristia é também anúncio da ressurreição daquele que há de vir.
Não tomemos a Eucaristia como mera lembrança de um fato passado, mas testemunho de algo que é tornado presente: Cristo morreu e ressuscitou por nós e concede-nos sua morte e ressurreição, com todos os seus méritos e frutos, para que se tornem possessão nossa.
De nada valeria à Igreja saber que Cristo morreu por ela se não lhe fosse concedido esse Cristo para ser seu. O mundo também tem ciência dessa morte redentora, mas nem por isso a possui. Portanto, a Eucaristia não deve se resumir a um ato contemplativo ou intelectual, mas a uma jubilosa recepção do único Sacramento de Deus, que se chama Jesus Cristo.
A correta celebração da Verdadeira Páscoa consiste não só em rememorar, mas principalmente em receber, apropriar-se e proclamar. É assim que Deus quer que sua Páscoa seja celebrada por nós e não de outro jeito. 
"Iniciou-se com este sacramento uma "lembrança" [anamnesis], cujo similar o mundo jamais testemunhara antes. Nenhuma pessoa no mundo foi recordada através dos séculos como Jesus Cristo tem sido. Nenhum evento histórico é comemorado com tamanha frequência e com sentimento tão intenso como a morte e ressurreição de Cristo. "Fazei isto em memória de mim". A lembrança de Cristo na pregação do Evangelho e a lembrança de Cristo no Sacramento do Altar se pertencem (...). O Sacramento não é apenas meio para nos auxiliar a trazer a lembrança do passado, evocar a Jesus Cristo, como um crucifixo nos ajuda a recordar Cristo ou uma festividade nos auxilia a relembrar um evento histórico. Mesmo a lembrança de Cristo por meio do Evangelho é diferente de nossa recordação de Sócrates mediante a leitura do Faedo de Platão, porque na palavra do Evangelho, Cristo, o Verbo Encarnado, nos fala. No Sacramento, ele nos dá o mesmo corpo que deu aos doze na última ceia. Dá-nos seu verdadeiro corpo que foi sacrificado no Calvário e que ressuscitou dos mortos na Páscoa. Isso não apenas nos torna contemporâneos dele, mas nos une a ele num modo que transcende a tudo o que nós, em geral, denominamos de "lembrança". Os séculos que nos separam de sua vida terrena e do tempo de sua morte e ressurreição desaparecem" (Hermann Sasse - Isto é o meu corpo, Editora Concórdia).


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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