domingo, 1 de novembro de 2015

TRÊS COISAS QUE TEMOS A ENSINAR


"Como poderia eu, pobre e fedorenta carcaça que sou, vir a ter os filhos de Cristo chamados pelo meu nome horrível? Assim não, meus amigos; vamos deixar de nomes partidários e chamar-nos cristãos, segundo Aquele cujos ensinamentos nós temos" (Dr. Martinho Lutero).

Não há outro modo de entender por que nós, luteranos, ainda existimos, senão por milagre de Deus. Afinal, o que é ser luterano? Dr. Martinho Lutero repudiou essa designação e com razão, até porque a primeira pessoa a usá-la foi um ferrenho inimigo seu, João Eck, com o intuito de desmoralizá-lo.
Fomos desertados pela Igreja de Roma. Obviamente, a contragosto. Deus é testemunha do quanto lutamos para preservar a unidade da Igreja. Quase 10 anos após a excomunhão de Dr. Martinho Lutero, ainda estávamos dispostos a aceitar o papa e a cúria, desde que nos fosse assegurado o direito de pregar o Evangelho em nossas paróquias, conforme declara a Apologia: "Assim, a crueldade dos bispos é a razão por que, em alguns lugares, se dissolve aquela ordem canônica que muito DESEJÁVAMOS MANTER. Além disso, queremos aqui testificar mais uma vez que, de boa mente, CONSERVAMOS A ORDEM ECLESIÁSTICA E CANÔNICA, SE OS BISPOS TÃO SOMENTE DESISTIREM DE RAIVAR CONTRA NOSSAS IGREJAS". Portanto, fomos enxotados da Igreja de Roma, embora quiséssemos ter permanecido nela.
Também não pudemos nos aliar aos suíços e anabatistas, devido a sérias divergências teológicas, sobretudo no que diz respeito à compreensão do que é Evangelho, da pessoa de Cristo e dos sacramentos.
Então esta Igreja sem nome, como filha abandonada, permaneceu viva e está viva até hoje. Não somos católicos romanos, não somos católicos ortodoxos, nem protestantes. Somos Igreja ou cristãos. Por outro lado, entendemos que não somos mais Igreja ou cristãos que os católicos romanos, católicos ortodoxos e protestantes.
Por isso afirmo que é um milagre ainda existirmos. Deus quer que permaneçamos, que não nos silenciemos, por isso vem nos conservando ao longo dos séculos.
Não que ser simplesmente Igreja seja pouca coisa. Não, ser Igreja é tudo. Temos o Evangelho, o ministério das chaves, os sacramentos e a fé salvífica. Nada nos falta. Fomos desertados pelo papa, mas não por Cristo, que nos deixou tudo o que sempre foi nosso, graças à sua bondade infinita.
Mas  por que Deus conserva essa Igreja sem nome no mundo? Nós já deveríamos ter sucumbido há muito tempo, porque a Igreja de Roma foi reformada pelo Concílio de Trento, as igrejas reformadas possuem confissões poderosíssimas, também não nos consideramos detentores da verdade, de maneira que uma Igreja sem eira nem beira, que nem nome tem, deveria ter cedido lugar a formas mais consolidadas de Igreja.
É então que devemos nos voltar à nossa Confissão de Augsburgo e à preciosíssima Fórmula de Concórdia. Somos uma Igreja sem nome, sem eira nem beira, que aos olhos humanos poderia muito bem deixar de existir, sem que isso interferisse na salvação humana, mas nós possuímos dois tesouros: a Confissão de Augsburgo e a Fórmula de Concórdia. Temos muito o que ensinar a quem deseja ser um católico romano melhor, um católico ortodoxo melhor ou um protestante melhor.
Você pode ser cristão de qualquer confissão, mas há três coisas que você NECESSARIAMENTE tem que aprender conosco para ser um cristão melhor. Talvez seja essa a vocação de nossa Igreja sem nome.
Aqui não nos colocamos como mestres arrogantes. Nós também estamos aprendendo com Jesus a sermos cristãos melhores. Pode ser que Jesus também lhes advirta, a nosso respeito: "Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem".
PRIMEIRA COISA QUE TEMOS A ENSINAR: JUSTIFICAÇÃO SOMENTE PELA FÉ.


"Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5.1).
Justificação significa tornar-se justo. A questão é: terei que colaborar com Deus em minha justificação ou serei passivamente justificado por ele? Nós aprendemos com S. Paulo que a justificação não depende de nós em absolutamente nada. Somos declarados justos a partir do momento em que cremos. Essa justiça que nos é aplicada vem de Cristo. Ele sim é justo. Nossa justiça provém inteiramente dele, porque ele nos representa perante Deus Pai. Tudo o que Cristo realizou de bom neste mundo foi realizado por nós, em nosso lugar, porque ele nos substituía perante Deus. Logo, toda a justiça e os méritos que temos são a justiça e os méritos de Cristo.
São Paulo enfaticamente nega a participação de nossas obras em nossa justificação. Ele afirmou: "E é assim que Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus ATRIBUI JUSTIÇA, INDEPENDENTEMENTE DE OBRAS" (Romanos 4.6). Também: "Concluímos, pois, que o homem é justificado PELA FÉ, INDEPENDENTEMENTE DAS OBRAS DA LEI" (Romanos 3.28).
A própria experiência também nos ensina isso, desde que sejamos muito honestos. Pegue sua melhor obra, a coisa mais grandiosa que você julga ter feito na vida. Você tem coragem de apresentar essa única obra a Deus como sendo perfeita? Eu acredito que não. Ninguém tem essa coragem.
Então tome para si a justiça de Cristo e desista da sua. Não queira colaborar em sua justificação com uma obra sequer, porque essa única obra impedirá que Cristo seja sua justiça inteira; essa única obra lhe conduzirá ao inferno.
Alguém poderá dizer que a fé é obra humana. Bem, o Catecismo da Igreja Católica afirma isso (parágrafo 154). Nós, porém, sustentamos que a fé é obra de Deus em nós e sem nós. A fé não deve ser compreendida como atividade intelectual, como os romanos o fazem, mas espiritual e invisível (Gênesis 22.12; Romanos 10.9-10; 1 Pedro 1.6-7). São Paulo nos ensina que a fé é dom de Deus (Efésios 2.8) e "Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar" (Filipenses 2.13). Jesus é chamado pelo apóstolo de  "autor e consumador da fé" (Hebreus 12.2). 
Da verdadeira fé procede a verdadeira justificação. Da justificação provém toda a sorte de boas obras. Por isso mesmo S. Paulo afirma "querer" e "realizar". "Querer" é fé, enquanto que "realizar" corresponde às boas obras. Primeiro Deus nos torna uma boa árvore, para que depois frutifiquemos. Então começa nossa segunda justificação, que é fruto da primeira. Sou tornado justo para praticar obras de justiça.
SEGUNDA COISA QUE TEMOS A ENSINAR: CLARA DISTINÇÃO ENTRE LEI E EVANGELHO.


Isso parece ser uma questão acadêmica, sem nenhuma importância prática. Entretanto, é fundamental que saibamos distinguir Lei e Evangelho, bem como enaltecer ao máximo o Evangelho, não permitindo jamais que fique em pé de igualdade com a Lei. Caso contrário, cairemos no erro das obras e teremos uma consciência permanentemente assustada, sem nenhuma certeza de salvação.
A Lei foi colocada por Deus no coração de todo homem, por isso é chamada de Lei natural (Romanos 2.14-16). Essa Lei natural atua por meio da consciência, que nos acusa quando erramos. Como, porém, fazemos vistas grossas a essa Lei, devido ao pecado, Deus nos deu a Lei sob a forma de ordenanças e ameaças, através de Moisés. Ela nos ordena o que não podemos cumprir, em decorrência do pecado, depois ameaça terrivelmente quem não a cumpre.
São Paulo deixa claro que a Lei não foi dada para salvar, mas que "foi adicionada por causa das transgressões" (Gálatas 3.19) e "sobreveio a Lei para que avultasse a ofensa" (Romanos 5.20). Portanto, Deus deu a Lei a Moisés para que o povo de Israel, ao perceber sua inaptidão para obedecê-la, aprendesse o quão atolado estava no pecado.
De fato, a Lei vem nos mostrar o quão pecadores nós somos, que não amamos a Deus de todo o coração, de toda a alma e de toda a força (Deuteronômio 6.5). Pelo contrário, amamos muito mais a nós que a Deus, mesmo quando realizamos as obras mais excelentes. Quando fazemos algo bom, não é por amor a Deus que obramos, mas por medo do inferno ou com vistas a alguma recompensa.
A Lei serve para nos despir de toda a hipocrisia, para nos deixar nus perante nós mesmos e perante Deus. Ela só cumpre seu propósito quando nos despe por completo de toda justiça própria. Se eu tiver uma obra sequer, com a qual tente cobrir minha nudez, a Lei deverá arrancá-la de mim, para me deixar totalmente nu perante Deus. É o que a Lei faz hoje e fará no Juízo Final. 
A Lei para nós, que somos pecadores, é ameaça, terror e triste sentença de morte. Não que a Lei seja ruim. Nós é que somos ruins e ela nos mostra o quão ruins nós somos e o que de fato merecemos da parte de Deus.
A Lei ordena, acusa e ameaça. Seu propósito é tão somente nos matar, através de nossa consciência. 
São Paulo declarou o seguinte: "Pela Lei vem o pleno conhecimento do pecado"(Romanos 3.20). Também chama a Lei de "ministério da morte" (2 Coríntios 3.7).
A Lei nos esbofeteia, açoita, crucifica e nos deixa perecer na cruz sozinhos.
Quanto ao Evangelho, ele não consiste de ordenanças, não acusa, não ameaça, não exige obediência. Evangelho é promessa. Estritamente falando, Evangelho é o próprio Senhor Jesus. Evangelho é a promessa de remissão gratuita dos pecados e vida eterna, dádiva de Deus aos mendigos, pão aos que têm fome de justiça, descanso aos que estão sobrecarregados de pecado. O Evangelho existe não para ser obedecido, mas crido.
Como Jesus também pregou a Lei, como lemos no Sermão da Montanha, muitos tomam essa Lei por Evangelho e concluem que o Evangelho é uma nova Lei dada por Deus para ser obedecida. Acham que a fé é um ato de obediência a Deus, uma obra humana. Que oferecer a outra face a quem nos esbofeteia, bem como perdoar antes de sacrificar, amar nossos inimigos ou orar a Deus em secreto são preceitos evangélicos que devem ser rigorosamente observados. Também deduzem ameaças do Evangelho. Percebemos isso claramente nos hinários de igrejas protestantes. Por exemplo: "A nova do Evangelho vem a todos avisar / do perigo grande e grave para quem se descuidar. / Salvai-vos desde já, não vos detenhais no mal; / não volteis atrás os olhos, pois vos pode ser fatal"; e: "Em Jesus confiar, / sua lei observar. / Oh! que bênção, que gozo, que paz! / Satisfeitos guardar tudo quanto ordenar / alegria perene nos traz. / Crer e observar tudo quanto ordenar; / o fiel obedece ao que Cristo mandar".
Deus quer nos matar através da Lei e nos ressuscitar através do Evangelho. Quer nos ferir através da Lei e nos curar através do Evangelho. Como disse o profeta Oseias: "Vinde, e tornemos para o SENHOR, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará" (Oseias 6.1).
Como será feito isso se não soubermos exatamente o que é Lei e o que é Evangelho? Em última análise, a razão nos obrigará a observar a velha Lei disfarçada de Evangelho e, assim, continuaremos sob seu jugo, obedecendo por esforço e sofrimento, não livremente e por amor, como pessoas redivivas.
Esta clara e teimosa diferenciação entre Lei e Evangelho é para nós uma profecia ao cristianismo de hoje, para que aprenda conosco e, inclusive, prossiga além de nós.
TERCEIRA E ÚLTIMA COISA QUE TEMOS A ENSINAR: A TEOLOGIA DA CRUZ.


Deus se revela ao homem de três maneiras: através da criação (Salmo 19.1), através da Lei natural (Jeremias 31.33-34) e através de Jesus Cristo (João 1.18; 5.39).
A razão humana aprende muito sobre Deus naquilo que está ao seu alcance: na natureza e no homem. No entanto, a razão está corrompida pela vaidade. A natureza geme sob o jugo do pecado e está totalmente disforme, aguardando sua redenção, conforme nos ensina S. Paulo em Romanos 8.19-23. Enquanto isso, a Lei natural nos mostra que somos pecadores perante um Deus santo e que estamos condenados.
Com todo esse material, dentro de suas limitações, provocadas pelo pecado, a razão humana constrói um Deus soberano, juiz severo, que ama e odeia na mesma proporção, que elege e rejeita; um Deus distante e intangível. Para relacionar-se com esse Deus, propõe o caminho da obediência. Ninguém consegue realmente amar esse Deus. Na melhor das hipóteses, ele suscita temor e servidão. 
A partir dessa visão racional de Deus são construídas as mais diversas teologias, todas enfatizando, em maior ou menor grau, a soberania de Deus, a nulidade humana e a obediência servil. Nós chamamos essas teologias de "teologias da glória". 
Novamente, encontramos essa ênfase em hinos clássicos. Por exemplo: "Deus dos antigos, cuja forte mão / rege e sustém os astros na amplidão! / Ó soberano, excelso Criador, / com gratidão cantamos teu louvor". 
Então perceba que nós mesmos e a natureza não somos bons informantes acerca de quem Deus é.
É então que surge a Teologia da Cruz. Aprendemos que o homem Jesus é a perfeita revelação de Deus. No homem Jesus aprendemos que Deus nos ama, que ele nos quer para si, que ele dá sua vida por nós. Através do homem Jesus, pudemos sentir o toque de Deus, seu olhar bondoso e seu hálito. Através do homem Jesus, fomos curados de nossas enfermidades, perdoados e restaurados. Através do homem Jesus, aprendemos que Deus não rejeita ninguém, que Deus chora, que Deus sinceramente se importa conosco, sobretudo com aqueles que nós mesmos rejeitamos. Através do homem Jesus, descobrimos que somos valiosos para Deus e objeto de sua infinita ternura. No homem Jesus pregado na cruz está a revelação máxima do amor de Deus por nós; amor este que não encontramos em nós mesmos, nem na natureza, pois estamos desfigurados pelo pecado. Com esse Deus humilde e amável, muitíssimo humano, não nos relacionamos através da obediência, mas através da fé e do amor legítimo.
Neste dia de todos os santos, queremos, como Igreja sem nome, portadora da Confissão de Augsburgo e da Fórmula de Concórdia, propor a todos os santos somente três maneiras de melhorar seu cristianismo.
Quem não ama, guarda consigo. Quem ama, reparte. Todo cristão deve ser como a mulher samaritana: deixar seu cântaro no chão e correr para a cidade, com o intuito de anunciar o que sabe.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagens extraída da internet.





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