sábado, 14 de novembro de 2015

O CREDO PAULINO


"Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo; vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! De sorte que já não és mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus" (Gálatas 4.3-7).

Esta semana foi cansativa para todos nós. Vivemos em um mundo desgraçado, onde a morte impera, ocupando um lugar que Deus antes ocupava. Paris está em terror, nós estamos em terror, porque nenhum problema está longe de nós, como quer a nossa individualidade. 
Então nada como o Evangelho para poder refrescar uma alma reclusa numa carne maldita, em um mundo maldito, onde os mortos estão sepultando seus mortos e ainda se sentem muito vivos, capazes e sábios, tão grande é o estado de alienação que se apoderou do homem sem Deus.
São Paulo é formidável em sua capacidade de informar em poucas palavras o que não conseguiríamos informar em milhares. Se ele vivesse em nosso tempo, se alguém como ele existisse entre nós, certamente usaria muito bem o Twitter, com seus 140 caracteres.
Em somente 5 versículos ele resume toda a Escritura, toda a história da salvação humana, toda a doutrina cristã. Quem não leu a Bíblia inteira, leia. Mas enquanto isso, permaneça com estes 5 versículos, pois eles irão muni-lo de tudo o que a Escritura tem.

"Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo".

A queda de Adão é também a nossa queda. Ninguém, exceto Jesus Cristo, nasceu sem pecado. O pecado nos é inato, dele não escapando nem um ser humano sequer.
Esse pecado perverteu toda a nossa natureza, pondo-a para morrer. Desde o primeiro pecado o homem começou a morrer em corpo e alma, em todas as suas faculdades: razão, sentimentos, justiça, conhecimento de Deus, conhecimento da lei ou da moral. Esse processo foi desencadeado pelo pecado, ocorrendo exclusivamente por vontade do diabo e do homem, não tendo Deus participação alguma nele, senão permissiva.
Esse processo de morte é perene, não terá fim. Quisera eu que o pecado e a corrupção que lhe é consequente terminassem com a morte, mas não é este o caso. O pecado está em nossa concepção, em nossa morte e perdura após ela, sempre matando, sempre matando e sempre matando.
O homem está com sua consciência tão alienada pelo pecado que não consegue se reconhecer pecador. Identifica os pecados exteriores, grosseiros, que todos veem, dos quais até a natureza, as árvores, rios e mares são testemunhas. Mas é raso em sua percepção do pecado interior, não conseguindo identificar em si mesmo o amor próprio, a soberba, a inveja, a luxúria e tantos outros males que o isolam, minam sua alegria e o matam silenciosamente.
Para retirar o homem desse estado de alienação, Deus nos entregou a Lei, através de seu servo Moisés.
Embora haja pessoas que buscam na Lei sua santidade, ela não foi entregue a nós para isso. Ela serve ao propósito de Deus de nos ajudar a identificar o nosso pecado, a vê-lo com maior clareza. É então que, quanto mais nos tornamos cientes de nosso pecado, mais escravos dele nos sentimos. Portanto, a Lei nos torna servos de nós mesmos, de nosso pecado e dos "rudimentos do mundo"

"Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei".

Deus é eterno e não está sujeito ao tempo, mas milagrosamente atua no tempo. Sua boa obra ocorre sempre na "plenitude do tempo", ou seja, no tempo certo. Queremos que sua obra ocorra em nosso tempo e angustiamo-nos com as aparentes demoras, mas a vontade de Deus sempre irá se cumprir na "plenitude do tempo". Mas antes de se falar em "plenitude do tempo", é importante lançar um holofote sobre a palavra "vindo", que nos arremete a outra palavra: cumprimento. 
As pessoas de hoje não querem mais pensar no Juízo Final, como antes faziam, mesmo os pagãos. As pessoas de hoje vivem como se tudo isso não fosse terminar um dia e andam por aí seguras, displicentes, com seu coração duro, fechado, egoístas, desprezando a ideia de fim. 
Deus cumpre o que promete, sempre na "plenitude do tempo". O fim de muitos e começo de tantos outros já foi prometido e será levado a cabo na "plenitude dos tempos".
Neste versículo S. Paulo fala do envio do Filho de Deus, que nasceu de uma mulher. Aqui está o mistério da encarnação de Deus explicitado de maneira dramática: "nascido de mulher".
Deus Filho assumiu a nossa natureza de maneira definitiva. Não é mais Deus do que homem. Deus e humanidade penetram-se na pessoa de Jesus Cristo. Essas duas naturezas não estão justapostas, mas entranhadas uma na outra, de maneira que não há mais humanidade que não seja divina, nem Divindade que não seja humana. Para mostrar isso de maneira clara, São Paulo não diz que a humanidade de Jesus nasceu da mulher, mas que o próprio Filho de Deus, ou seja, Deus mesmo, nasceu dela, de maneira que essa mulher, que se chama Maria, é verdadeira mãe de Deus. 
O ventre de Maria foi o lugar humilde que Deus escolheu para realizar seu maior milagre. Deus recebeu do corpo dela sua humanidade e penetrou essa humanidade de maneira inefável.
Não dá para refletir sobre esse mistério sem lágrimas. Deus se tornou homem através da participação humana. Poderia ter-se humanado de outra maneira, mas quis humanar-se a partir do corpo de Maria.
A pequena virgem de Nazaré representa nossa fragilidade, da qual Deus quis tomar parte, retirando dessa fragilidade a sua. Ele não criou para si uma fragilidade, mas tomou para si a nossa própria.
Por isso, Maria é mãe de Deus, não somente do homem Jesus. São Paulo quer enfatizar o mistério da humanação de Deus ao afirmar que Maria não é mãe do homem Jesus, mas do FILHO DE DEUS. Ele não permitiu a redução do milagre.
Mas por que Deus assumiu a sua fragilidade a partir de nossa fragilidade? Exatamente para ser verdadeiro filho de Adão, como todos nós. Por isso S. Paulo diz que Deus nasceu "sob a Lei", como qualquer filho de Adão, como qualquer pecador. 
Deus nasceu sem pecado, porém sob a Lei, esta mesma Lei que nos acusa de pecadores e que nos ameaça de condenação eterna. 
Que propósito a Lei cumpriu no Deus humanado? Ele não tinha pecado, pelo qual pudesse ser acusado, amedrontado e punido. É que ele assumiu nosso pecado como seu e sujeitou-se à Lei para ser acusado, amedrontado e punido por ela, como representante nosso. Sua paixão, morte e inferno revelam com que rigor a Lei o atingiu. 
Quisera eu - e muito mais Deus - que nenhum de nós tivesse que encarar a Lei, como o Deus humanado, Jesus Cristo, fez. Mas quem não for encontrado em Cristo terá que prestar contas à Lei.


"Para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos".

Deus não é Pai de diabos, mas de seu dileto e unigênito Filho. Esse Filho se tornou humanidade a fim de tornar a humanidade Filha de Deus.
Que escandaloso é pensar que Deus se tornou homem a fim de nos tornar Deus! Mas é a mais pura verdade. Ele assumiu nossa humanidade para torná-la o que ele é: Filho de Deus, ou seja, Deus mesmo. 
É assim que Deus nos retira do inferno e nos põe à sua destra. Eleva-nos de nossa baixeza até o mais excelso Céu.
Aquilo que o diabo tanto desejou: ser Deus - Deus nos proporciona através de sua humanação, exigindo somente a fé para participação desse milagre; fé que ele mesmo dá de graça.
Então entendemos com que fúria o diabo se volta contra o homem, tentando apartá-lo da humanidade de Deus.


"E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu filho, que clama: Aba, Pai!"

Aqui São Paulo revela de vez o mistério da Santíssima Trindade, da qual tomamos parte, através da filiação. Deus enviou seu Filho para humanar-se e elevar nossa humanidade - sim, eu e você - até ele, para depois nos encher de seu Espírito Santo, que através de nós ora: Aba, Pai!
Aqui percebemos a participação da Trindade inteira na salvação humana.
"Aba" significa Pai, mas tem uma conotação de intimidade, como "papai". Veja o carinho e intimidade com que o Espírito Santo se dirige ao Pai. Quanta ternura encontramos dentro da Santíssima Trindade! Mas o que me comove é que estamos lá dentro, porque o Filho de Deus, que também é homem - sim, eu e você - está lá. Deus Espírito Santo, que nos habita e ora através de nós, está lá. Uma relação de amor que, antes da encarnação do Filho, ocorria unicamente através da Divindade dessas três Pessoas, agora ocorre entre elas através de nossa humanidade. 
Quanto valor Deus dedica ao homem! Como o homem lhe é precioso! Então vejo as pessoas se perdendo, destruindo-se, comendo bolotas de porco e entristeço-me, porque elas poderiam ter tudo, porque Deus é tudo! mas não sabem nem querem.
Tendo-nos recebido como Filho, através de seu Filho, enviou Deus seu Espírito Santo para destruir de vez o Adão que ainda existe em nós e configurar-nos à humanidade de Cristo. Por isso a realidade humana se encontra simultaneamente dentro do tempo e fora dele. Dentro do tempo, onde o Espírito Santo transforma, purifica e configura. Fora do tempo, em Jesus Cristo, que está à destra do Pai. Por meio de nossa humanidade, o Espírito se dirige ao Pai em louvor, dizendo: "Aba, Pai!" Louva a Deus Pai através de nossa filiação. Assim, um sentimento eterno se encarna em palavras de carinho.
Este é o verdadeiro louvor: o carinho. Esse louvor é Deus Espírito Santo que produz em nós, no tempo. É ele quem ora através de nossos lábios: "Pai nosso, que estás nos céus". E o Pai ouve o que sai de nossos lábios como obra e louvor do Espírito Santo.


"De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro de Deus".

Quantos filhos precisam saber que podem, através de Jesus, tornar-se Filho, não um servo!
Quando a Lei vem dar com o homem e este lhe é passivo, o homem é assombrado por si mesmo, por seu pecado e então lembra-se de seu Pai, mas não como Pai; antes, lembra-se dele como Senhor e quer servi-lo como escravo. Conclui que é melhor ser escravo de Deus que ser escravo do pecado.
É então que o Evangelho socorre o homem, surpreendendo-o com a dádiva da filiação. Quando o homem contrito se volta para Deus, Deus corre até ele como seu Filho amado.
A razão humana não entende isso, porque tudo isso se dá através do mistério de Cristo e é apreendido unicamente pela fé. Então a razão é o "irmão mais velho", que não entende a postura de Deus em relação ao homem caído e critica-o. A razão reclama não ter conseguido por meio de obras um cabrito sequer para alegrar-se com seus amigos. Deus então lhe responde amorosamente: "tudo o que é meu é teu". É como se Deus dissesse à razão humana: "Eu me doei ao homem, derramei-me nele, sou dele, sou ele, mas você não aceita isso, não aceita meu amor, quer negociar o que sempre quis lhe dar de graça. Não era necessário que me servisse para obter algo de mim; bastava ter pedido".
É dessa maneira que a parábola do filho pródigo (Lucas 15.11-32) me visitou agora.
Somente no Evangelho encontramos Deus, que é a Verdade e a Vida. O tempo está passando, o homem está morrendo e um dia o convite do Evangelho irá cessar. É certo que tudo irá passar, com exceção de Deus e de quem se encontra nele.
Como de costume, quero concluir com Dr. Martinho Lutero: "O homem é homem até que seja feito Deus, único que é exclusivamente verdadeiro, em cuja participação ele próprio também é feito verdadeiro" (Comentário do Salmo 5). 
Amém!



Autoria: Carlos Alberto Leão
Imagem extraída da internet



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