terça-feira, 21 de abril de 2015

RELIGIÃO ESCANDALOSA




Ao meditar sobre as palavras de Jesus na cruz, parece que me esqueci de uma de suas falas, certamente a mais importante: "Está consumado" (João 19:30).
Na verdade, não me esqueci dela. Ela foi omitida de propósito, por ser sublime e sagrada demais.
De fato, não podemos dizer com Jesus: "Está consumado". E direi por quê.
Primeiro é necessário que entendamos quem estava na cruz. Jesus perguntou aos seus discípulos o que o povo dizia quem ele era, ao que responderam: alguns acham que tu és João Batista; outros, Elias; outros, um profeta. Então Jesus perguntou de novo: E vós, quem dizeis que eu sou? (S. Mateus 16:13-15).
Essa pergunta é dirigida também a nós. É importante que saibamos quem de fato Jesus foi e é, para que entendamos o valor de sua crucificação e a sublimidade do que disse: "Está consumado".
Muitos acham que Jesus foi um pensador. Outros, um profeta. Muitos pensam que foi um falso profeta ou charlatão. Outros tantos ainda questionam sua existência. 
Nós, cristãos, temos que confessar com S. Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (S. Mateus 16:16).
Jesus não foi um filósofo, um político ou mártir. Ele não morreu devido ao seu pensamento revolucionário. Jesus é Cristo (Khristós) ou Messias (Mashiach), mas também Filho de DeusPara os judeus, ninguém poderia ser chamado Filho de Deus. Não da maneira como Jesus referia a si mesmo.
"Temos (judeus) uma lei, e, de conformidade com a lei, ele (Jesus) deve morrer, porque a si mesmo se fez Filho de Deus" (João 19:7).
Com certeza, a ideia da divindade de Jesus nem remotamente passou pela mente dos discípulos. Sabiam que Jesus era o Messias, mas eles tinham por correta a visão de Messias que lhes foi ensinada desde a infância, ou seja, a de um líder político, que haveria de governar Israel e libertá-lo do jugo estrangeiro. Para qualquer judeu, foi e é sumamente sacrílego atribuir a um ser humano divindade, mesmo ao Messias. 
Por isso, não podemos dizer que S. Pedro confessou a divindade de Jesus com base no que sabia. Ele profetizou. Tanto é que Jesus disse: "Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus" (Mateus 16:17).
Percebemos então por que o Messias foi pedra de tropeço em todos os aspectos. Onde aguardavam um líder político, surgiu um líder espiritual. Esperando um grande homem, veio-nos um homem simples, humilde, pequeno. A expectativa era de paz para Israel, mas a paz que veio não era exterior. Quando pensavam que seria um homem como todos os outros, como Moisés e Davi, Deus nos surpreendeu com sua própria visitação, assumindo a natureza humana como sua.
Analisemos o primeiro capítulo do Evangelho segundo S. João. Ele começa assim: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (João 1:1). Aqui S. João deixa claro que o Verbo (Lógos) é eterno, ou seja, já existia no princípio. Diz que esse Verbo estava com Deus. Portanto, coisas distintas. Completa que esse Verbo não era semelhante a Deus, mas que era Deus. Logo, um Deus junto a outro Deus. 
Não podemos pensar em dois Deuses, porque as Escrituras deixam claro que só há um Deus. "Escuta, Israel! Jeová é nosso Deus! Jeová é um só" (Deuteronômio 6:4). "Eu sou Jeová, e não há outro; além de mim não há Deus" (Isaías 45:5). Logo, o Verbo e Deus, não obstante sejam distintos, são um só Deus. 
A personalidade do Verbo é evidente em todo o texto de S. João, especialmente no versículo 14: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós". Portanto, não há como fugir da realidade de um só Deus em duas pessoas, com base nesse registro apostólico. 
Em outros textos, o Espírito Santo é revelado como sendo também Deus, o que nos conduz à doutrina celestial da Santíssima Trindade. Com certeza, celestial, porque carne e sangue não poderiam nos fazer chegar ao conhecimento dela.
Mas voltemos à realidade de quem estava na cruz. São Paulo disse sobre Jesus, o Verbo encarnado: "Ele é a IMAGEM do Deus invisível" (Colossenses 1:15); "nele habita, CORPORALMENTE, TODA a plenitude da divindade" (Colossenses 2:9).
Devemos, então, ter em mente que quem estava na cruz pregado era o nosso Deus. Aliás, o único Deus que existe (Jeová).
Se soa muitíssimo escandalosa a encarnação de Deus, porque o é de fato! que falar acerca da morte de Deus (Jeová)?
Na cruz não estava um profeta a morrer. Ali estava o próprio Deus morrendo para expiação dos pecados do mundo inteiro. Aliás, só haveria expiação se o próprio Deus morresse. Nenhuma criatura poderia ocupar aquele lugar.
"Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões" (2 Coríntios 5:19).
Na cruz estava o nosso Deus padecendo por nossos pecados. Por amor, Deus se fez um de nós e, devido à humanidade assumida, pôde morrer em nosso lugar. 
Essa maravilhosa obra, que S. Paulo trata de "mistério da piedade" (1 Timóteo 3:16), porque é impossível, inconcebível e até sacrílega à razão humana, foi concluída com as palavras: "Está consumado".
É Deus realizando a sua obra, independentemente do que pensamos, esperamos ou acreditamos. É Deus nos surpreendendo em sua capacidade de amar.
Por isso mesmo, o pior pecado que existe é a incredulidade. Porque se Deus se dispôs a nos salvar dessa maneira, humilhando-se tanto, certamente o inferno é muito pouco para quem rejeita tão graciosa obra. Aliás, muitos não a rejeitam somente, mas fazem piada, riem e blasfemam dela.
A segunda coisa é que entendamos o preço de nossa salvação. 
Deus é onipotente. Ele poderia ter nos salvado de outra maneira, se assim fosse possível. Mas não era possível salvar-nos de outro modo.
"Meu Pai, se possível, passa de mim este cálice", orou Jesus três vezes. A maneira como Deus respondeu essa prece nós conhecemos muito bem: Jesus bebeu do cálice até a última gota.
Devo confessar que me sinto desconfortável toda vez que afirmo que Deus não pode fazer algo. Afinal, ele é onipotente e pode tudo! Mas ele é onipotente com relação ao que lhe é externo, não ao que lhe é interno ou essencial. Ele não pode entrar em contradição consigo mesmo. Deus é justo e não pode permitir que qualquer pecado fique impune (Êxodo 34:6-7). Se seu amor quer salvar, é necessário que ele então pague o preço dessa salvação, para não ter de cobrá-lo de nós.
São muito belos os nossos crucifixos. E com razão! não os fazemos com o intuito de assustar, mas de consolar.
Entretanto, o crucifixo vivo que os discípulos viram foi aterrador, fazendo com que eles se sentissem enganados, porque jamais o Messias poderia ser tão ultrajado. A decepção profunda os motivou a fugir e a esconder-se.
Na verdade, quem sofreu aquele ultraje não foi o Messias segundo o entendimento humano, mas o próprio Deus encarnado. Ele assumiu nossa carne para sentir as chicotadas. Ele assumiu a nossa carne para que espinhos penetrassem sua fronte. Ele assumiu nossa carne para que ela se enchesse de hematomas e luxações. Ele assumiu nossa carne com o intuito de ser desamparado e morrer sozinho.
Aquilo que não lhe era possível fazer como Deus, ele o fez como homem, na pessoa de Jesus.
A salvação é gratuita. Por isso, muitas vezes a banalizamos, fazemos pouco caso dela e vivemos como se ela não existisse. Colocamo-la facilmente em risco, como se não valesse nada. Mas não pense que ela foi gratuita para Deus. Para ele custou caríssimo! Por ela ele teve de mergulhar no mais profundo inferno de aflições.
Não! "Está consumado" é um consolo que temos. Não podemos tomar para nós palavras tão sublimes, porque elas puseram fim a uma obra que nenhum de nós poderia realizar, nem mesmo morrendo mil vezes. Não conhecemos, nem nunca conheceremos essa obra, porque é o maior mistério que a mente humana jamais entenderá. Puro escândalo a qualquer pessoa no mundo que não tenha a verdadeira fé.
Com tudo isso, concluo que não há religião mais escandalosa que o cristianismo, que apregoa que Deus se fez homem, que Deus nos serviu com sua morte e que sua verdadeira carne e seu verdadeiro sangue são mastigados e engolidos pelos fieis. Não tiro a razão de quem ri da fé. Aliás, quem o faz têm toda a RAZÃO do mundo e está no  pleno uso dela. 
Ser cristão não é uma questão de escolha. Nós fomos atingidos pela loucura da fé e agora estamos irremediavelmente loucos (1 Coríntios 1:21-23).
Que fazer se a sabedoria humana e toda a ciência não resolveu até hoje o dilema do pecado? Fiquemos com a loucura do cristianismo, que nos livra desse dilema e nos devolve à verdadeira paz, que o mundo não conhece, nem poderá conhecer à parte da revelação.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem retirada da internet.

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