quinta-feira, 9 de abril de 2015

DE VOLTA AO LAR






"Vê que proponho hoje a vida e o bem, a morte e o mal. Se guardares o mandamento que hoje te ordeno, que ames o Senhor, teu Deus, andes nos seus caminhos, e guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos, então viverás e te multiplicarás, e o Senhor, teu Deus, te abençoará na terra à qual passas para possuí-la. Porém, se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido, e te inclinares a outros deuses, e os servires, então, hoje, te declaro que, certamente, perecerás; não permanecerás longo tempo na terra à qual vais, passando o Jordão, para a possuíres. Os céus e a terra, tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência" (Deuteronômio 30:15-19).
Aqui Deus apresenta a Moisés duas possibilidades: vida e morte. Vida para quem obedece seus mandamentos. Morte para quem não os obedece.
De fato, a morte é consequência da desobediência a Deus, porque tudo o que ele nos propõe é vida. Não devemos enxergar os mandamentos divinos como arbitrariedades, mas como direcionamentos para que sejamos bem-aventurados, através da prática do amor.
Os mandamentos de Deus também nos apontam a maldade que temos em nosso coração e que desconhecemos. Deus não nos quer alienados. Muito pelo contrário, ele nos quer conscientes de nossos atos e posturas, para que possamos melhorar. 
Ao conjunto dos mandamentos damos o nome de Lei. 
Essa Lei foi inscrita por Deus em todo coração humano (Romanos 2:14-15). É por isso que todo ser humano sabe quando erra e quando acerta. Sua consciência o acusa, quando pratica o mal. Por outro lado, ela o recompensa, quando faz o bem. 
Mas questiono: Por que nos é prazeroso fazer o bem? Porque uma coisa é ter a Lei inscrita no coração, outra coisa é sujeitar-se ao poder dela. Há algo que nos leva a querer fazer o bem e a fugir do mal, que nos sujeita a essa lei interior.
Para entendermos de onde vem esse desejo é necessário retroceder à origem do pecado humano.
De acordo com o relato bíblico, Deus criou os dois primeiros seres humanos: Adão e Eva. Concedeu-lhes uma linda vivenda, que chamou de Éden: um imenso jardim, cheio da ternura de Deus em cada criatura. 
Adão e Eva foram obviamente criados sem o pecado, como os anjos. Tudo neles era reto e bom, porque possuíam não só a Lei interior, mas Justiça interior. 
No jardim do Éden, algo era mais sublime que sua beleza estética e perfeita harmonia: todos os dias ele era visitado por Deus, que é a verdadeira beleza, de onde procedem todas as outras. Logo, a beleza inefável de Deus inebriava o coração e a mente de Adão e Eva. 
Éden foi um local de profunda comunhão entre Deus e homem.
Deus deixou ali duas árvores: a árvore do conhecimento do bem e do mal, cujo fruto não deveria ser comido por Adão e Eva, e a árvore da vida.
A proibição de Deus parece ter aguçado a curiosidade desse casal. Foi então que o diabo os tentou, dissuadindo-os de que Deus não pensava neles, mas em si mesmo, quando os proibiu de comer o fruto do conhecimento do bem e do mal.
Naquele momento, houve uma quebra na confiança em Deus. Adão e Eva foram convencidos pelo diabo de que Deus não tinha uma intenção reta quando lhes proibiu. "Deus disse isso porque SABE que, quando vocês comerem a fruta dessa árvore, os seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus". Com essas palavras, o diabo convenceu o casal que Deus não foi transparente com eles e que não desejava que evoluíssem; antes, temia que isso acontecesse. Daí a proibição.
Deus havia posto a árvore do conhecimento do bem e do mal para testar a confiança que Adão e Eva tinham nele, no seu amor, na sua ternura, em seu bem. A partir do momento em que Adão e Eva desconfiaram do amor de Deus é que desobedeceram, comendo o fruto que não podiam comer.
Portanto, o primeiro pecado ocorreu na interioridade de Adão e Eva, quando desconfiaram do amor de Deus. A perda de confiança os afastou imediatamente de Deus.
Desde então, Adão e Eva começaram a morrer. Pela primeira vez sentiram vergonha de si mesmos e buscaram roupas para cobrir sua nudez. Já não se viam belos e perfeitos, mas feios e deficientes. Então apanharam folhas de figueira para cobrir sua nudez e, ao perceberem a aproximação de Deus, esconderam-se dele. Passaram então a ver Deus como um ser perigoso, de quem deveriam ter medo.
Assim como um casamento se desfaz devido ao adultério, quando marido e mulher deixam de confiar um no outro, o matrimônio entre Deus e ser humano se desfez ali, porque não mais o ser humano conseguia confiar nele. A confiança foi substituída pelo medo.
Como consequência, Adão e Eva foram expulsos do paraíso. Para trás ficou a árvore da vida, cuja presença era profética. Era a segunda chance que Deus havia deixado ao ser humano. Deus sabia que o homem iria pecar e, por isso mesmo, antes que o pecado acontecesse, já havia deixado no jardim a oportunidade de reconciliação.
Ao caírem, Adão e Eva perderam a Justiça interior, mas Deus foi ainda misericordioso com eles, deixando em seu coração a Lei. Essa Lei os haveria de proteger e de trazê-los de volta.
Adão e Eva deixaram o Éden, mas o Éden não os deixou. Viveram marcados pela frustração de terem perdido tudo.
Adão e Eva morreram, mas na memória da humanidade permaneceu a lembrança do Éden como local de profunda amizade com Deus. Desse jardim, o homem conserva ainda hoje uma espécie de saudade ou nostalgia. Instintivamente buscamos essa relação de confiança que se perdeu e ardentemente desejamos o regaço de Deus. Não apenas queremos uma reconciliação com Deus, mas sua amizade. 
É dessa busca que as mais diversas religiões se originaram. Por meio delas, queremos voltar para o nosso lar. Somos todos filhos pródigos que ansiamos o reencontro com nosso Pai.
O caminho de volta é nosso grande dilema. Temos ao nosso dispor a razão e nada mais. Essa razão, por sua vez, irá se basear na Lei interior, inscrita por Deus em nosso coração. 
Como nossa razão entende que a separação de Deus ocorreu através de uma obra má, ela conclui que o caminho de volta só pode ser a prática de boas obras. Se o que nos afasta de Deus é nossa maldade, só poderemos retornar à ternura do Éden, ao regaço de Deus, através de nossa bondade.
Por isso, todas as crenças do mundo, exceto a verdadeira fé, se baseiam em códigos de bondade e moralidade, por meio dos quais nos tornamos melhores e, por conseguinte, mais próximos de Deus.
Entretanto, o caminho das obras é pedregoso. Temos domínio sobre nossos atos e podemos refreá-los, porém quem há que possa refrear seus pensamentos e amar de maneira perfeita? Se o afastamento de Deus começou na interioridade de Adão e Eva, quando desacreditaram nele e ouviram o diabo, somente através de nossa interioridade retornaremos a Deus. Podemos nos tornar pessoas excelentes, do ponto de vista ético e moral, ou seja, exteriormente, sem que nossa alma se incline de fato para Deus. Existe uma cruel disparidade entre obras externas e intenção.
O ser humano tem domínio sobre seus atos, mas não governa seu coração. Quem há que possua controle sobre suas intenções? Quem há que sequer conheça suas intenções? Quantas sombras cobrem nosso interior! É então que a Lei nos morde. Ela deveria nos ajudar, mas não somos capazes de fazer bom proveito dela, porque fomos destituídos da Justiça interior.
Se Deus olhasse apenas a nossa aparência, seria muito fácil insistir nas boas obras. Mas ele vê o nosso coração e sonda aquilo que não conhecemos, nem queremos conhecer, pois tememos e temos vergonha. 
Adão e Eva, quando perceberam a aproximação de Deus, cobriram sua vergonha. Nós igualmente escondemos nosso coração, nossas intenções, que sabemos não serem boas ou porque são muito débeis.
Por fora, santos e fortes. Por dentro, nus, retraídos, envergonhados, tacanhos e muito fracos; sujos! 
Por que nos decepcionamos com os outros? Por que odiamos quando nosso amor não é reconhecido ou é desprezado? Por que somos movidos a elogios? Por que nos abatemos tanto diante das críticas?
Uma pessoa perfeita, que de fato amasse a Deus com todo o seu ser, não iria se decepcionar com ninguém, porque sua intenção seria totalmente isenta do desejo de qualquer retribuição. Também não se interessaria por elogios, porque seria verdadeiramente humilde. A humildade se esvai ao primeiro sorriso interior perante qualquer exaltação de nós mesmos. É possível conciliar humildade com o prazer de ser exaltado? 
Alguém perfeito também não se prostraria diante de críticas, porque não tem em conta sua honra, mas a de Deus.
Como é amargo descobrir esse lado sombrio de nós mesmos, perante o qual somos totalmente impotentes! 
Então vêm a tristeza, o desânimo e o pessimismo. É nessa hora que muitos largam mão de qualquer tentativa de reaproximação com Deus. Optam por viver indiferentes em relação a Deus, como se não mais tivessem alma. Se a consciência, que acusa, tendo por base a Lei divina, começa a incomodar, nada como um bom cautério para secá-la. 
Muitos outros fogem à reflexão. Procuram se contentar com a vista, com a imagem, com a superficialidade. Como tem sido rara hoje em dia a visão de alguém pensando na vida! As pessoas têm medo de refletir sobre si mesmas, com base na ideia muito bem enraizada em nossa mente de que "quem procura acha". 
A alienação de si mesmo é tentadora. É conveniente, às vezes, ter olhos e não ver, ouvidos e não ouvir, continuar praticando uma religião baseada em preceitos e contentar-se com isso, sem nunca aprofundar-se em si mesmo com honestidade (Isaías 6:9-10).
Ainda sobre o poder da reflexão, todos sabemos que pessoas mais cultas, isto é, que dispõem de mais instrumentos para autoanálise, padecem mais a vida e tendem a ter mais depressão que pessoas simples, que têm maior dificuldade para avaliar questões íntimas. São também elas que mais se ressentem das religiões, porque se frustraram consigo mesmas.
É muito triste a frustração de saber que tudo foi em vão. Salomão escreveu: "Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza"(Eclesiastes 1:18) e "então vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais proveito do que as trevas. Os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi que o mesmo lhes sucede a ambos. Pelo que eu disse comigo: como acontece ao estulto, assim me sucederá a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade" (Eclesiastes 2:13-15).
De repente percebemos que qualquer tentativa de retorno ao Éden, ao regaço de Deus, é em vão, quando por iniciativa própria, através de bondade exterior. Apesar de todos verem uma pessoa justa, eu sei de mim que nada sou e minha miséria me torna igual a todos. Sim, apesar de tudo, condenado como todos a morrer sem Deus.
Achávamos que estávamos buscando a Deus, mas andamos buscamos nós próprios. Fomos ludibriados. Daí vem profunda tristeza.
Essa tristeza visita a todos, mas pouquíssimos conseguem lidar com ela, da maneira como Deus gostaria.
"A tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação" (S. Paulo). Essa tristeza é redentora. É nossa única chance!
Bem-aventurado é aquele que desiste de si mesmo, quando se depara com sua verdadeira condição, nua e crua. Nessa hora, busca esconder de Deus sua nudez com folhas de figueira, mas debalde. É quando vem a vergonha de orar, a sensação de indignidade, como a do publicano que, ao adentrar a sinagoga, não ergueu a cabeça e dizia: "Ó Deus, sê propício a mim, pecador!"
Aprendamos que foi na interioridade que Adão e Eva se afastaram de Deus, quando não confiaram inteiramente nele, dando ouvidos ao diabo. Também é na interioridade que Deus quer nos reencontrar, através de uma nova confiança, que é a fé.
A primeira coisa é que Deus haverá de nos encontrar. É ele quem nos visita. Não vamos até ele, com o intuito de encontrá-lo. Na melhor das hipóteses, damos voltas em torno de nós mesmos.
A segunda coisa é que ele terá que nos encontrar nus e envergonhados. Caso nos encontre displicentes, fugindo de nós mesmos, arrogantes e autossuficientes, ele não irá fazer nada. Entretanto, quando nos encontra amortecidos, sobrecarregados, envergonhados, ele então nos socorre com a fé.
A terceira coisa é que a fé restabelece a confiança em Deus e nos conduz de volta ao Éden, porque a fé nos torna amigos de Deus e nos coloca em seu regaço, onde deliciamos os frutos da árvore da vida.
Não confunda fé com crença. Nós podemos crer em qualquer coisa. Porém, fé é a firme confiança em Deus, que nada pode abalar, nem o que sabemos acerca de nós mesmos. O diabo, é claro, muda a abordagem: "É certo que morrerás. Teu mal está claro perante Deus e não há solução para isso. Tu te estribas numa falsa segurança. Haverás de perecer com todos os demais, porque és tão pecador quanto o mundo inteiro. De onde te veio que somente a fé é capaz de salvar-te?". É então que a fé deve ainda mais se fortalecer, para que não mais nos apartemos de Deus. Que todas as serpentes se aproximem, mas não deixe de olhar para a cruz, onde está seu Deus amoroso, pagando por seus pecados e remindo-o de toda a culpa.
Temos que ser firmes. Não percamos mais Deus de vista. Aconteceu uma vez, com nossos pais; que não mais se repita.
Quanto a você que se sente nu e não tem mais esperança, peça a Deus ajuda, assim como está, cingido por folhas de figueira. Deixe-se olhar por Deus. Ele olha amorosamente para você e também deseja a reaproximação. Não fuja nem se feche. É na nossa doença que Deus tem oportunidade de agir, não em nossa força. Ouça Deus dizer para você: "Não temas, porque eu te REMI; chamei-te pelo pelo teu nome, tu és meu"



Autoria: Carlos Alberto Leão
Imagem extraída da internet

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