segunda-feira, 20 de junho de 2016

TEU DEUS É PAI OU JUIZ?

"Tendo o SENHOR descido na nuvem, ali esteve junto dele e proclamou o nome do SENHOR. E, passando o SENHOR por diante dele, clamou: SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração" (Êxodo 34:5-7).




Nesta passagem da Escritura, Deus proclama alguns de seus Nomes a Moisés. Não apenas o Nome impronunciável dos judeus, mas diversos Nomes pelos quais quer ser conhecido: Compassivo, Clemente, Longânimo, Misericordioso, Fiel e Juiz. Deve-se entender por Nome de Deus todo atributo seu que ele revela. Os atributos de Deus o fazem, daí serem Nomes pelos quais quer ser conhecido e adorado por suas criaturas.
Veja que Deus se revela muito bom, mas também juiz rigoroso, que não inocenta o culpado e visita o pecado dos pais em seus filhos até à terceira e quarta geração. Isso é embaraçador e até causa de escândalo entre muitos cristãos. Eu até confesso que muito me assustei com o Deus que encontrei no Antigo Testamento, quando o li pela primeira vez. Tanto é que agora, munido da Teologia da Cruz e do conceito de Deus Absconditus, eu o estou relendo, buscando compreender Deus através de seu mediador, que é Jesus, em cada texto. 
Assim como a revelação de um Deus bondoso e perdoador para a pior classe de pecadores provocou escândalo entre os judeus, hoje nós, que somos cristãos, frequentemente nos assustamos com o Deus que pune o pecado, porque insistimos numa bondade EXclusiva, sem propósito algum, amor por amor, que não permite o sofrimento, que nos isenta da responsabilidade de nossos atos, que não pode ser conciliada com julgamento. Na verdade, Deus se revela Pai bondoso e Juiz severo. Certamente um desses dois será nosso Deus, não obstante sejam um Deus só. 
Assim diz o profeta Isaías acerca de Deus: "Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas" (Isaías 45:7).
Diante de um texto como este, é importante que se mantenha que Deus é bom e santo. Ele não peca, não é causa do pecado (primária ou secundária), tampouco é causa do pecado original, não imputa o pecado dos pais em seus filhos, mas é inteiramente santo em todo o seu pensar e proceder, inteiramente santo em sua relação com as criaturas. Como ensina S. João: "Deus é luz, e não há nele treva alguma".
O texto de Isaías vem nos mostrar que Deus é onipotente sobre bons e maus. É dessa maneira que devemos entender a realidade do pecado e do mal no mundo. O pecado é sempre responsabilidade de quem o pratica e Deus nunca toma parte nisso. No entanto, Deus é onipotente e realiza seus propósitos bons e justos através de homens bons, de homens maus e através do diabo, mas de maneira tal que não peca ao fazê-lo, não é criador do pecado, nem deseja o pecado ou se apraz nele. Deus é santo e tem horror ao pecado. Também não devemos entender o pecado como necessidade, mas como contingência, fruto da vontade humana e diabólica, não de Deus. Deus não tem parte alguma com o pecado!
Ainda que o homem não seja livre para obedecer, ele peca porque quer, não por uma necessidade. Há uma deliberação anterior a cada pecado. E sob hipótese alguma, devemos atribuir a Deus essa deliberação, sem que caiamos em sacrilégio. Como exemplo, deixo as palavras de Deus a Caim: "Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo" (Gênesis 4:7). É evidente que Caim não era livre para obedecer, nem por isso pecou à força, por necessidade, mas porque quis, sendo então responsável por seu pecado.
Penetramos então num terreno sacratíssimo, onde é necessário ter muita cautela. Aqui estamos pisando no terreno do Deus Abscôndito e é perigoso avançar. Então devemos nos voltar a Cristo, o mediador entre o Deus Abscôndito e o homem, para que ele nos instrua minimamente a respeito dessa relação entre bondade divina, onipotência, pecado e responsabilidade.
Jesus nos ensina que Deus é juiz severo, que não deixará nenhum pecado impune. A maneira como Cristo foi punido por Deus ao tornar-se pecado mostra a severidade de Deus para com o pecado. Os horrores de Cristo em sua paixão, crucificação e morte nos revelam a sorte de quem peca e não se arrepende. Assim Jesus clama: "Ou cuidais que aqueles dezoito sobre os quais desabou a torre de Siloé e os matou eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não eram, eu vo-lo afirmo; mas, se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis" (S. Lucas 13:4-5). Várias vezes cita a condenação dos pecadores impenitentes com termos terríveis, como ranger de dentes, choro, tormento em chamas, açoites, fornalha acesa e trevas. 
Com a linda parábola do filho pródigo (S. Lucas 15:11-32), Jesus nos ensina também que Deus pode afastar sua misericórdia do homem, permitindo que este caia em pecado. Na verdade, o homem só não peca mais porque Deus o impede de pecar. Se estamos na Igreja, servindo-o com singeleza de coração, é porque sua misericórdia nos assiste e preserva nesse estado. Quando Deus afasta do homem sua misericórdia, ainda que seja por um segundo, o homem cai em pecado. Embora seja inevitável a queda do homem, não é necessária, porque o homem sempre decide pelo pecado. Na parábola, o filho não foi expulso do lar paterno, mas saiu porque quis e porque seu pai permitiu. Então Deus consente que o homem caia em pecado.
Entretanto, a mesma parábola nos mostra que Deus continua amando seus filhos. Quando permite que um filho caia em pecado, Deus tem um bom propósito para com ele. Muitas vezes Deus afasta de nós momentaneamente sua misericórdia, de maneira que caímos, para que aprendamos, através do pecado e do sofrimento que nos impõe a tirania do diabo, o quanto somos frágeis e o quanto necessitamos dele. É dessa maneira que Deus trata nossa presunção. 
Muitas vezes nos sentimos muito santos, no direito de julgar nosso próximo, esquecemo-nos do que Deus fez e faz em nosso favor, de maneira que Deus se vê obrigado a afastar de nós sua misericórdia por algum tempo, para que caiamos em pecado e em miséria tal que, no chiqueiro, conheçamos melhor nossa natureza má, o barro podre que somos e a misericórdia de Deus. É assim que Deus nos trata muitas vezes, com o bom propósito de nos tornar cristãos melhores. Mas veja que o amor de Deus continua conosco, mesmo quando nos afastamos dele.
O pai quis que o filho partisse? É claro que não. Quem quis partir foi o filho. Mas o pai não o impediu. Assim também devemos entender a queda do homem no jardim do Éden. Deus permitiu a Eva e Adão pecarem. Estes pecaram por vontade, não por necessidade. Deus não queria que pecassem. Entretanto, não os impediu de pecar. Depois de haverem pecado, Deus também permitiu ao diabo que os dominasse e pervertesse sua natureza, tornando-os maus e pais de filhos maus. Por que Deus permitiu que tal tragédia acontecesse, não podemos saber. Quem conseguir explicar o porquê de o pai ter entregue ao filho a parte que lhe cabia na herança, mesmo sabendo que era loucura o que o filho intencionava, que coisas muito terríveis o aguardavam, poderá nos dar a resposta. É importante, porém, que saibamos que o plano de salvação do homem foi revelado ainda no Éden, quando Deus disse a Eva: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar" (Gênesis 3:15).
Deus muitas vezes nos permite conhecer o mal para que possamos amá-lo como Sumo Bem. Para conhecermos a misericórdia de Deus, é necessário que nos demos com os porcos no chiqueiro. Ele permite que nossa justiça desabe para que aceitemos a sua. São Paulo ordenou que um cristão de Corinto, que havia cometido incesto, fosse "entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor" (1 Coríntios 5:5). Lutero ensinou que Deus age contra a misericórdia, a fim de conduzir o homem à misericórdia (Comentário do Salmo 5). Paul Althaus, em A Teologia de Martinho Lutero, faz uma citação belíssima de Lutero: "Se alguém perguntar a Deus no dia do Juízo final: Por que você permitiu que Adão caísse?" Deus responderá: "Para que fosse conhecido que eu amo a raça humana tanto, que dei meu Filho para salvar as pessoas!" Lutero acrescentou: "Então nós diremos: deixe a raça inteira cair novamente, para que a glória seja manifestada".
Deus evidentemente se arrisca toda vez que permite ao homem cair. Que garantia ele tem que o filho haverá de voltar aos seus braços? Nenhuma! Por isso, é sempre um risco. Por que, então, Deus se arrisca dessa maneira? Não sei se há uma resposta razoável para isso. Acredito que Lutero esteja certo ao concluir que Deus não quer ser amado como Criador e Provedor, mas como Pai compassivo, clemente, longânimo, misericordioso e fiel. Deus quer ser conhecido não segundo o seu amor criador, mas segundo o seu amor misericordioso e sacrifical. Só pode dizer que teve uma experiência com Deus alguém que conheceu sua entranhável misericórdia (Rahamin). Penso que mesmo os anjos tiveram que passar por esse aprendizado, ao contemplarem o amor inflamado de Deus, que o fez tornar-se homem e morrer de maneira tão vergonhosa para salvar os homens (1 Pedro 1:12). Quem não provou a misericórdia de Deus, não o conhece e não pode lhe prestar o culto devido.
Lembro-me das palavras do Frei Raniero Cantalamessa, na Celebração da Paixão do Senhor deste ano: "É quando cria o mundo e, nele, as criaturas livres, que o amor de Deus deixa de ser natureza e se torna graça. Este amor é uma livre concessão. Poderia não existir. É Hesed, graça e misericórdia. O pecado do homem não muda a natureza deste amor, mas provoca nele um salto de qualidade: da misericórdia como dom se passa à misericórdia como perdão. Do amor de simples doação se passa para um amor de sofrimento, porque Deus sofre diante da rejeição ao seu amor. "Eu nutri e criei filhos, diz o SENHOR, mas eles se rebelaram contra mim" (Isaías 1:2). Perguntemos aos muitos pais e mães que tiveram essa experiência se isto não é sofrimento, e dos mais amargos da vida"
Portanto, é experimentando a misericórdia de Deus que somos salvos, não só uma vez, mas a vida inteira.
No entanto, Jesus nos ensina algo assustador acerca de Deus: Ele pode retirar de vez sua misericórdia de nós. O resultado disso é um coração que se fecha em si mesmo na mais profunda incredulidade e rebeldia contra Deus. É o inferno em vida!
"Por isso vos declaro [Jesus]: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir" (S. Mateus 12:31-32).
Pecar contra o Espírito Santo é resistir obstinadamente ao convite de Deus. Ele insta conosco o tempo inteiro para que nos voltemos a ele. Clama, usa todos os argumentos, diz que nos gerou em seu útero, que nos ama com amor perene, que decidiu nos amar, que não é obrigação sua nos amar, que nos quer como Pai, que nos carrega, que se fez homem e padeceu os horrores do inferno para nos salvar. As Escrituras nos revelam um Deus suplicante. Ele praticamente pede por favor, que voltemos a ele. Como lemos em Jeremias: "Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o SENHOR. Pois dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas". Isaías 65:2: "Estendi as mãos todo dia a um povo rebelde, que anda por caminho que não é bom, seguindo os seus próprios pensamentos". Mas qual a nossa reação diante desse amor de mãe que adentra a cracolândia para buscar seus filhos? Dizemos: Cambada de hipócritas! Padres pedófilos! Pastores ladrões! Vocês só querem o nosso dinheiro! Vocês têm um pensamento muito retrógrado! A Igreja perseguiu e matou tanta gente, por causa de sua fé! A Igreja é uma estrutura de opressão! Cambada de homofóbicos! E assim vai. Tentam se escusar através de muitas acusações contra pecados da Igreja, que são pecados de Cristo. Quando a Igreja é acusada, o próprio Senhor também o é. Quando a Igreja é recusada, o próprio Senhor dela o é também. Não sou eu que digo isso, é o próprio Senhor! "Quem vos der ouvidos, ouve-me a mim; e quem vos rejeitar, a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar, rejeita aquele que me enviou" (S. Lucas 10:16).
É assim que tratamos nosso Pai, quando nos procura em nossos antros de pecado, cheio de amor e perdão para oferecer, num gesto de pura graça, pois não é obrigação sua fazê-lo, nem foi por sua causa que entramos neste charco. Mas ele vem e nós o agredimos com acusações terríveis. Então Jesus nos ensina que Deus pode deixar de vez alguns que lhe resistem atrevidamente.
Nunca sabemos até quando Deus haverá de instar conosco. Por isso, não devemos brincar com ele. Eu mesmo oro a Deus todos os dias por aqueles amigos e familiares que estão distantes do Senhor e minha oração é sempre a mesma: Por favor, Deus, não os abandones, continua instando com eles. Não desistas deles! Peço isto por favor!
Quando Deus afasta sua misericórdia de vez, o inferno é instaurado ainda neste mundo. Porque o inferno é a privação eterna da misericórdia divina. Quando o homem é privado dessa misericórdia, o inferno tem início, ainda que não tenha morrido. Isso é lamentável!
Não é prudente confiar em si mesmo. Também é loucura confiar em um Deus fabricado por nós mesmos, politicamente correto, adequado às nossas ideologias, acomodado às nossas necessidades pecaminosas. Isso é uma imprudência gravíssima, que poderá resultar em nossa perdição eterna.
Deus nos deu seu Filho como Pregação Viva. Jesus é um acontecimento histórico. Ninguém poderia ensinar o que ele ensinou na época em que viveu. Sua mensagem é a maior prova de sua passagem por este mundo. Por isso, voltemos nossos ouvidos à pregação desse Jesus, única que pode verdadeiramente nos salvar. Ideologia não salva ninguém, mas a pregação de Jesus salva!
Deus é bom, mas também é juiz. Não revelou isso para que vivêssemos amedrontados, mas para que desçamos de nosso pedestal e nos penitenciemos. 
Como afirmei acima, Deus é um só: Pai ou Juiz. Você sempre terá um ou outro. Para os que creem, Deus é sempre Pai. Para os que não creem, Deus é sempre Juiz.
Quero concluir com S. Paulo: "Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas, para contigo [aos que creem], a bondade de Deus, se nela permanecerdes; doutra sorte, também tu serás cortado" (Romanos 11:22).

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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