segunda-feira, 13 de junho de 2016

DA ECLESIOLOGIA LUTERANA NÃO ABRO MÃO!



Um dos motivos que me fizeram aceitar o luteranismo como expressão de minha fé é sua rica eclesiologia, que entende por Igreja Católica o Reino de Deus no mundo. Onde estão a pregação do Evangelho e os sacramentos, ali está a Invencível e Santa Igreja Católica, sem sombra de dúvida. O luteranismo também não vê a Igreja Católica (ou Visível) como um enorme edifício erguido somente para servir a um pequeno contingente de predestinados à salvação. Todo aquele que está na Igreja Católica pertence ao Corpo de Cristo e deve crer nisso. Para o luteranismo, isso sai da subjetividade e torna-se objetivo, aliviando as consciências quanto a se foram predestinadas ou não.
Lutero via a Igreja do Senhor não só em Wittemberg, mas em Roma, Antioquia, Jerusalém, Genebra e no mundo inteiro, sempre onde houvesse anúncio evangélico, ainda que os ministros fossem impiíssimos! A Igreja é tão visível quanto as Escrituras e os sacramentos e para ela devem vir todos aqueles que desejam ser salvos.
Quando Lutero se posiciona contra a Igreja de Roma, ele, na verdade, denuncia seus papas e bispos que perseguem a doutrina da justificação somente pela fé. Com muito respeito ele trata o povo simples, que desconhece a complexidade das questões teológicas envolvidas.
Então alguém retruca: "Somente os luteranos têm a verdadeira compreensão do Evangelho e dos sacramentos. Logo, somos a verdadeira Igreja Católica". A resposta de Lutero a isso é curta e afiada como uma faca: "Pois o Batismo, o Evangelho, etc., não são profanados porque eu sou poluído e profano e não tenho o conhecimento correto deles. Eles permanecem santos e os mesmos" (1).
Portanto, encontrei no luteranismo o ÚNICO caminho para o ecumenismo entre os cristãos.
Fico muito triste quando vejo a eclesiologia luterana se desmoronar. Já li teólogo luterano de respeito afirmar que a Igreja Católica é a Igreja Evangélica Luterana. Como se empobrece com isso a rica eclesiologia luterana! De repente, passamos a pensar igual à maioria dos teólogos romanos, que confundem a Igreja Católica com a Igreja de Roma.
Por outro lado, fico arrasado ao constatar que muitos luteranos caíram no erro de achar que a Igreja Católica apostatou e, por conseguinte, atribuem a Lutero a fundação de um nova Igreja. Se a Igreja Católica apostatou, ela deixou de ser Igreja. Então coube a Lutero começar do zero uma nova Igreja. Esta é a consequência lógica. Conclui-se, então, que as portas do inferno prevaleceram sobre a Igreja, que Cristo não esteve presente todos os dias em sua Igreja, que seu Reino se desfez e que suas promessas não foram cumpridas. 
Na verdade, Lutero considerava HERESIA a doutrina que assevera ter a Santa Igreja Católica apostatado. Reputava todos os adeptos dessa heresia sectários e fanáticos.
Vez ou outra aparece alguém dizendo: "Lutero deve estar se revirando no túmulo", quando arrogamos o catolicismo como igualmente nosso. No entanto, com base em seus escritos, ele se "revira no túmulo" toda vez que é pregada a apostasia da Igreja, em seu nome. Para Lutero, a Igreja Católica é sempre santa, nunca apostatou e nunca irá apostatar, apesar da opressão terrível que o diabo e mundo lhe impõem. Ela pode estar presa, amordaçada e ferida da cabeça aos pés, não obstante é santa e Corpo de Cristo. Ainda que a fé esteja encurralada, continua sendo fé e causa da justificação. É assim que a Igreja Católica sempre se mantém muito viva e santa em meio aos terrores do inferno. Isso é milagre de Deus e artigo de fé.
Chega de meninice! Quem não aprendeu essa visão de Lutero sobre a Igreja precisa ler mais a Bíblia, estudar Lutero, prestar mais atenção aos credos e orar a Deus para que aprofunde sua visão sobre o Santo Corpo de Cristo no mundo. Quem chama a Igreja Católica de apóstata está ofendendo o próprio Cristo e o Espírito Santo, que nela habita.
Sou luterano e quero cada vez mais me aprofundar no pensamento deste homem de Deus, chamado Lutero, de todos os pensadores da história o menos compreendido. Não aceito que seu rico legado seja barateado dessa maneira.
Se há protestantes que acreditam na apostasia da Igreja Católica, deixe-os para lá! Não tomemos parte nisso.
Lutero tem a palavra:
"Assim, também, nós, hoje, chamamos a Igreja católica de santa e todos os seus episcopados de santos, embora sejam subvertidos e seus ministros, ímpios. Deus, na verdade, "domina entre os seus inimigos", "o anticristo assenta-se no santuário de Deus" e satanás está presente entre os filhos de Deus. Mesmo que a Igreja esteja "no meio de uma geração pervertida e corrupta", como diz Paulo em Fp 2, mesmo que esteja em meio a lobos e salteadores, isto é, tiranos espirituais, no entanto, ela ainda é Igreja. Permanecem na cidade de Roma, embora seja pior que Sodoma e Gomorra, o Batismo, o Sacramento, a voz e o texto do Evangelho, a Escritura Sagrada, os ministérios, o nome de Cristo e o nome de Deus. Aqueles que têm, têm, mas aqueles que não têm, não são escusados, pois o tesouro ainda está ali. A Igreja de Roma, portanto, é santa, porque tem o nome de Deus, tem o Evangelho, o Batismo, etc. Se estes estão com o povo, então o povo é chamado santo (...). Onde, pois, a Palavra e os sacramentos permanecem substancialmente*, ali está a santa Igreja, mesmo se nela reina o anticristo, que não se assenta num estábulo de demônios, nem num curral de porcos, nem em meio à ralé de infiéis, mas num lugar muito nobre e santo, a saber, no templo de Deus" (2).

(1) Dr. Martinho Lutero, Comentários à Epístola aos Gálatas, Martinho Lutero - Obras Selecionadas, vol. 9, pág. 47; tradução: Paulo F. Flor, Editora Concórdia.
(2) Ibidem, pág. 46-47.
(*)Com a palavra "substancialmente", Lutero resguarda o poder do Evangelho de sua compreensão errônea. Ainda que não compreendido da maneira correta, continua sendo poderoso para salvar.
Observação: As aulas sobre Gálatas foram proferidas pelo chamado "Lutero maduro", datadas de 1535, ou seja: 5 anos após a promulgação da Confissão de Augsburgo.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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