segunda-feira, 6 de junho de 2016

AS DUAS MENTIRAS - PARTE 1

"Não possuímos nem o corpo, nem uma verdade - nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por dentro" (Fernando Pessoa).


A razão dogmatizou algumas mentiras, das quais é difícil ao homem livrar-se. Na verdade, é impossível, a menos que Deus intervenha. A principal mentira que nossa razão dogmatizou é a bondade inata do homem. A segunda é a liberdade humana.
A razão insiste na ideia de que o homem é essencialmente bom. De fato, não é racional que um Deus bom tenha criado o homem mau. Se Deus é bom, toda a sua obra é essencialmente boa, inclusive (e principalmente) o homem. Isso é bastante lógico. De onde, então, viria o mal? A razão estabelece uma fraqueza inata do homem, que o predispõe ao mal. Também intui que todos os erros decorrem de imitação. 
A realidade, no entanto, nos impõe algumas dificuldades. Percebemos que o mal nos vem involuntariamente. Quando não o queremos, mais forte ele se torna. Todavia, quando queremos fazer o bem e o que é correto, encontramos em nós uma tremenda resistência. Onde localizar esse fluxo e contrafluxo, senão em nossa natureza?
Por exemplo, como é fácil odiar alguém que nos ofende! Perante um insulto nenhum de nós permanece incólume. Antes, somos todos tomados de ira e, quando quem nos ofende é objeto de nosso amor, a ira se transforma em ódio. Tudo isso se processa de maneira tão espontânea e sem esforço quanto a digestão. O mesmo também podemos dizer da espontaneidade da inveja, do egoísmo e da vingança.
Por outro lado, perdoar, dedicar-se ao outro, amá-lo e querer-lhe bem requerem um tremendo esforço de nossa parte, sobretudo quando se trata de um inimigo. 
Se o homem fosse essencialmente bom, não é de se esperar que a maldade fosse espontânea e a bondade uma disciplina. Deus é verdadeiramente bom porque não se esforça por fazer o bem. Antes, é-lhe impossível fazer o mal. Isto é ser essencialmente bom! Se tomarmos Deus como modelo, o homem não pode ser considerado bom. Como disse Jesus: "Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos" (S. Mateus 5:44-45).
O homem busca racionalizar seu comportamento mau, partindo da premissa que é essencialmente bom. A razão existe para isso: para harmonizar elementos que são intelectualmente conflitantes. A racionalização do mal, porém, não resolve o problema da maldade humana. Ela está aí, como fato inegável.
Então permaneçamos no meio: nem tanto ao céu, nem tanto ao mar. Supondo que o homem seja essencialmente mau, é certo que ele necessita do bem e o busca. Afinal, não se deve desprezar o esforço humano pela bondade. A bondade não é algo natural ao homem, mas almejada sinceramente por ele. 
De fato, é instintiva a busca do bem pelo homem. São duas realidades muito impactantes: a maldade humana e a busca instintiva do bem. Ambas as realidades se sobrepõem no homem e na sociedade. 
Devemos entender o anseio do homem pelo bem como anseio de Deus. O homem sabe que Deus existe e é bom. O homem igualmente busca esse Deus como destino, recusando-se a aceitar a bondade sem recompensa e a morte como fim de todas as coisas. Ele quer ser recompensado! E essa recompensa vem de Deus, está em Deus e é Deus. Mais ou menos, percebemos esse raciocínio em quase todas as religiões do mundo. Portanto, o homem busca o bem não como fim, mas como caminho. O homem tem um objetivo que transcende este mundo e é puramente egoísta. 
Percebemos que qualquer esforço pela virtude como fim, não como caminho, desvencilhado do conceito de Deus, não sustenta a virtude social. É então que concluímos ser o homem mau até quando deseja o bem, visto que o essencialmente bom deveria se satisfazer com o bem, não tendo outro objetivo senão o bem. Novamente, recorro à imagem de Deus como Sumo Bem, que não sabe nem quer outra coisa que não o bem. 
Aqui está uma tentativa de justificar racionalmente a natureza má do homem. No entanto, ninguém consegue convencer o homem de sua maldade, ainda que utilize todos os argumentos do mundo. É impossível constatar-se mau quando se é mau. A própria maldade do homem, que o faz centrar-se e deleitar-se em si mesmo num narcisismo sem fim, não pode admitir isso. O louco também não admite que é louco.
Por isso a revelação de Deus é necessária para que saiamos de vez do estado de alienação em que existimos. Essa revelação é exterior e interior. Exteriormente foi dada a um povo, o povo da revelação, que é o povo judeu. Interiormente ela está presente em todos os homens e chama-se moralidade. Obviamente, é necessário que haja uma compreensão interior da revelação exterior, que infelizmente é impossível ao homem, pelas razões aludidas acima. O mesmo se deve dizer da moralidade, que é mais ou menos apreendida individualmente. Deus buscou revelar ao povo judeu sua maldade, promulgando a Lei entre eles. No que isso resultou? Numa busca desesperada pela virtude como meio de se chegar a Deus. A Lei que foi dada aos judeus com o intuito de mostrar-lhes sua maldade, tornou-se forma de aprimoramento moral e espiritual.
Infelizmente, algo semelhante sucedeu com o cristianismo, que busca na Lei dos judeus o caminho da felicidade e de união a Deus, enfatizando a virtude como auxílio à salvação. O cristão crê que não é salvo pela observância da Lei, mas dela não abre mão, não aceita entregar-se totalmente ao conceito de justificação SOMENTE PELA FÉ E NÃO POR OBRAS. No final das contas, cede espaço à razão, que ensina a necessidade de a fé associar-se às obras para que o homem se una a Deus.
Somente Deus pode revelar ao homem seu real estado. Somente o sobrenatural pode vencer o natural, como lemos em Ezequiel 36:26: "Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne".
Embora seja próprio da natureza humana buscar o bem, poucos são os que se reconhecem maus. Esses poucos certamente precisaram de Deus para chegar a essa conclusão. É então que percebemos que a revelação exterior (a Lei) ou interior (a moralidade) deve associar-se a uma compreensão íntima, para que o homem chegue à verdade. Essa compreensão é algo sobrenatural e divino.
Alguém poderá dizer: Ora, se isso não está em meu poder, não é problema meu! Com certeza é um problema seu e nosso, cuja solução está em Deus. De que adianta ao homem gastar-se tanto em vão, ludibriado por si mesmo? Fomos criados para a Verdade e vivemos em função dela. Somos filhos de Deus e para ele precisamos retornar. Deus também deseja esse retorno e por isso nos deu a revelação e quer, por meio dela, salvar-nos.
Se você pensa que é bom, saiba que Deus não pensa o mesmo de você. Por isso peça a ele que abra seus olhos à sua real condição e que converta sua maldade em verdadeira bondade, pois ele prometeu: "Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais. Então me invocareis, passareis a orar a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração" (Jeremias 29:11-13).
Quanto ao cristão, que tem buscado na Lei um complemento à fé, que ouse ir até às últimas consequências da doutrina capital do cristianismo: o homem é justificado somente pela fé, sem a participação das obras
Sobre a outra mentira que a razão dogmatizou trataremos na próxima postagem.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.



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