domingo, 3 de julho de 2016

MEU TESTEMUNHO

"Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (1 João 5:4).



Conversei dias atrás com um amigo que tem estudado teologia cristã e que está experimentando uma dura transformação em sua vida, pois era ateu e agora reconhece que  existe um Deus e que é pecador. Atualmente, está lendo as Confissões de Santo Agostinho. Falamos longamente sobre a experiência cristã, que consiste tão somente em fé no Evangelho. Também conversamos sobre a distinção correta entre Lei e Evangelho e acerca da natureza da fé. Uma de suas perguntas foi: "Quando é que Deus aconteceu em sua vida? Gostaria que você escrevesse sobre isso".
Pois não. Hoje vou falar sobre a experiência minha com Deus, que é a experiência cristã. Também dedico o texto a esse meu amigo, com todo o carinho do mundo.
Nunca houve um dia sequer em minha história consciente no qual eu não tenha crido. Até onde minha memória pode alcançar, eu sempre cri. 
A teologia veio nos últimos quinze anos. Mas sempre cri no Evangelho, mesmo quando não sabia o que era o Evangelho. Por isso mesmo não acho pertinente sujeitar a eficácia do Evangelho à sua correta compreensão. Soube que Jesus havia me substituído na cruz somente aos vinte anos de idade. Até então, sabia que Jesus havia morrido por mim e que me amava. Contentava-me com isso e vivia feliz. Não conhecia a dimensão do sacrifício de Cristo. Foi com assombro que descobri que Deus havia castigado o meu pecado na carne inocente de seu Filho, a fim de me salvar do Dia da Ira. 
Não conhecia a obra vicária de Cristo, mas já cria. Passei toda a infância e juventude, pela graça de Deus, orando, entregando a Jesus minhas necessidades, clamando por socorro nas horas de aperto e alegrando-me com suas respostas. Alcancei muitas graças ao longo de toda a infância e juventude, desde a cura de uma verruga no joelho à minha entrada em uma universidade pública. O interessante é que sempre cri, mas por muito tempo não soube o que era Evangelho e até aos vinte anos não tinha ciência que Cristo havia me substituído como Cordeiro de Deus. Com isso eu quero mostrar que a fé não depende da correta compreensão do Evangelho.
Muitos querem sujeitar a eficácia do Evangelho e a fé salvífica à correta compreensão do Evangelho. É que o homem sempre retorna às obras e com muita dificuldade avança na senda da justificação somente pela fé. Queremos colaborar com a eficácia do Batismo através de nossa profissão de fé. Queremos colaborar com a eficácia da Pregação do Evangelho através de nossa compreensão. Queremos restringir a eficácia da Eucaristia àqueles que corretamente discernem o corpo e sangue de Cristo nos elementos. Estamos sempre querendo dar uma ajuda a Deus através de nossas obras.
Na verdade, a fé no Evangelho realiza tudo sem nossa colaboração. Ainda que alguém não saiba explicar o que é o Evangelho. Ainda que confunda Lei e Evangelho. Ainda que não tenha um conhecimento correto acerca do Santo Batismo e da Eucaristia, nem por isso se pode afirmar dele que não crê e que precisa ser catequizado para crer.
Aqui não quero desvalorizar o estudo das Escrituras e o aprofundamento teológico. O que quero deixar claro é que não somos salvos pelo que sabemos, mas por nossa fé.   
Creio que a fé surgiu em mim no dia do Santo Batismo. Talvez antes. Não posso dizer quando é que esse milagre ocorreu em mim. Não sei dizer se recebi a fé antes do Santo Batismo, para que pudesse apropriar-me dele, ou se recebi a fé ao ser batizado. Fato é que a fé me acompanha desde o Santo Batismo, pelo menos. Se S. João Batista creu quando era feto, por que eu haveria de pensar que isso não aconteça todos os dias nos ventres de tantas mães cristãs, que consagram seus filhos a Deus? A intercessão obtém TUDO de Deus, inclusive a fé e a salvação de um feto.
Fui crescendo com essa fé. Lembro-me de quantas vezes orei a Deus com lágrimas nos olhos, ainda criança, rogando a ele o perdão dos pecados. Brincava de escola dominical e de pastor. Fazia serviços fúnebres de bonecos de papel e de animaizinhos mortos. Lembro-me de pedir à minha mãe que orasse a Deus para curar enfermidades minhas ou para que eu conseguisse dormir, porque estava com medo. Era muito arteiro, exceto quando estava diante de um professor de escola dominical. Como gostava de aprender histórias da Bíblia! Lembro-me com nostalgia do cheiro de álcool dos trabalhinhos de escola dominical. Lembro-me do cheiro de madeira que exalava dos tacos e dos bancos da igreja. 
Em minha juventude, sofri muito as transformações que ocorreram em meu corpo e mente, mas sempre na presença de Deus. Conservei-me casto durante toda a minha juventude, graças a Deus. Também me lembro das lágrimas de angústia que derramei diante de Deus por ser incompreendido pelos meus colegas, pela solidão e pela dificuldade para entrar na universidade. Quantas vezes orei a Deus pedindo um amigo. Em tudo isso eu vejo a mais profunda fé, mas não sabia que confissões de fé existiam e nem sequer tinha conhecimento do que Cristo havia feito por mim na cruz.
É então que chego a duas realidades: a fé fictícia e a fé verídica. A fé fictícia é sempre uma praga, porque a pessoa vai para o inferno achando que é serva de Deus. Aprende os fundamentos da teologia cristã e assimila-os intelectualmente. Alguns vão muito longe e formam-se pastores e padres, doutores em teologia, mas não creem de fato. É uma fé intelectual e fictícia, fabricada pelo estudo, pelo aprendizado e por livros. É uma fé que não transforma a vida, que não resulta em santidade, em contrição e em penitência.
Quanto à fé verídica, esta é um milagre de Deus. Não posso recorrer com segurança a Lutero ao definir o que é fé, pois nem ele, que só falava disso, conseguiu firmar-se em uma só definição. Eu acredito que a fé está em nós como a concupiscência. Assim como a concupiscência habita em nós e manifesta-se de todas as maneiras possíveis: intelecto, emoções, palavras e pensamentos, agindo contra a nossa vontade, sempre nos forçando ao mal, a fé igualmente está em todo o nosso ser e em todas as nossas faculdades, arrastando-nos a Deus. Mesmo quando não queremos ser de Deus, ainda assim somos de Deus. Mesmo quando não queremos orar, oramos. Quando não queremos perdoar e amar, perdoamos e amamos. Mesmo quando queremos cometer pecado grave, não conseguimos ir adiante. A fé nos liga a Deus e não nos deixa partir, obrigando-nos a confessar com S. Pedro: "Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna" (S. João 6:68). Igualmente, quando pecamos, a fé provoca em nós intenso pesar e arranca de nós lágrimas amargas. Também nos devolve ao Deus misericordioso, para que nos cure com seu perdão. 
A fé verídica é existencial. Permeia tudo. Assim como não há obra cristã isenta de concupiscência, confesso que não há obra cristã isenta de fé. Por causa dessa fé que está em cada obra cristã é que Deus aceita nossas obras. Caso contrário, ele as rejeitaria como pecado mortal. 
Recebemos a concupiscência contra a nossa vontade, por ação do diabo. Quanto à fé, recebemo-la igualmente contra a nossa vontade, por ação de Deus. 
A concupiscência nos puxa para baixo, para a terra, enquanto que a fé nos puxa para o alto, para o céu. A vida cristã é, portanto, uma tensão entre duas forças: concupiscência e fé. O homem cristão está entre o mundo e o céu. Como disse Lutero, o cristão não está no chão nem no céu, mas no telhado. 
A fé fictícia não gera fruto algum, cede à argumentação e não subsiste diante das provas. A fé verídica, por sua vez, transforma todo o ser, todas as relações, sobretudo a relação com Deus. Ela não recua diante das provas e não se interessa por argumentos. Subsiste em meio à ignorância e floresce nos pobres de espírito. Conforme o salmista: "Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor" (Salmo 8:2). A fé verídica não foge ao martírio. Enfrenta a tudo e a todos. Vence o mundo e todos os diabos.
A fé verídica é dádiva de Deus. Ao cristão verídico cabe zelar por essa fé, evitando a todo o custo o pecado, que é capaz de matá-la, e alimentando-a com o homem Jesus Cristo, substancialmente presente na Pregação, na absolvição e na Eucaristia. Quando o homem encontra uma pérola de grande valor, deve vender tudo o que tem para apropriar-se dela (S. Mateus 13:45-46). Quem não tem essa dádiva, deve buscá-la e por ela empenhar céus e terra. Quem a tem, deve guardá-la com carinho e cuidar dela.
Uma coisa que lamento sempre é que muitos foram agraciados com a fé verídica, mas não tratam essa dádiva com o devido respeito. São displicentes, não leem as Escrituras, não oram, têm preguiça de ir à igreja e relegam-na ao campo das não prioridades. Não querem uma fé fortalecida, que ganhe espaço sobre a concupiscência, mas contentam-se com uma fé franzina, tímida e muito pouco expressiva. Essas pessoas estão mais vulneráveis a cair em pecado grave e a perder a sua fé.
De todas as bênçãos que o homem pode receber de Deus, a maior certamente é a fé. Sem ela, nada que Deus nos dá servirá ao nosso bem, antes será usado pecaminosamente, em proveito próprio e em rebeldia contra Deus. Quem crê deve sempre agradecer a Deus por sua fé e fazer tudo o que lhe for possível para manter essa fé sempre viva e vigorosa. 
A fé vive de Evangelho. É com o Evangelho que devemos alimentá-la. Quanto mais forte ela se torna, mais eficazmente ela combate a concupiscência e melhora a qualidade de nossas obras. Quanto mais forte ela se torna, mais amamos e mais servimos. Quanto mais forte ela se torna, mais agradamos a Deus.
Esta é a minha experiência cristã. Sou cristão contra a minha vontade, mesmo quando não gostaria de ser, porque recebi de Deus a dádiva da fé, que não me permite fazer o que minha natureza pecaminosa quer e gostaria de fazer. Todos os dias oro. Quase todos os dias leio as Escrituras. Não deixo de ir aos cultos nem quando estou doente. Com isso, não quero me mostrar como melhor que os outros, mas como alguém que tem consciência de ter um dia recebido uma pérola de inestimável valor e que cabe a mim guardá-la com carinho, como a coisa mais sagrada do mundo, protegendo-a de todos aqueles que a querem roubar de mim.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.



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