"Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a Igreja" (Colossenses 1:24).
No entanto, as pessoas não costumam pensar assim. Aliás, as pessoas não costumam pensar muito. Vivem irrefletidamente, sem prestar atenção ao que está acontecendo em si mesmas e ao redor: envelhecimento, adoecimento, mortes, divórcios, separações as mais diversas e esquecimento. As vidas são varridas pelo tempo e deixam de existir. Esta é a realidade de todos nós: somos vida, porém vida que se esvai a todo instante.
No texto acima e em muitos outros, São Paulo trata diversas vezes do sofrimento cristão como sendo diferente e mais amplo que o sofrimento do mundo. O cristão sofre por ser cristão. Além de suportar todos os sofrimentos que afligem a humanidade, ele sofre na qualidade de cristão. Por isso, ser cristão não é fácil.
Fico pensando na falsa propaganda que existe acerca da vida cristã, como se fosse fácil. Não é, em absoluto! O cristão sofre muito mais que o não cristão.
Quando o homem é tornado cristão através do Batismo, ele entra numa etapa nova de existência, que é mescla de vida e morte. Muitos pensam que a crucificação cristã é simbólica, mas não é. O homem, quando é tornado cristão pelas águas do Batismo, é inserido no Cristo crucificado e é posto a morrer com ele. Essa morte é literal e contínua. Dessa maneira, ninguém sente mais a morte que o cristão.
Através de sua crucificação, o Adão que habita a Igreja é posto a morrer. Adão está sempre fadado à morte, mas é morto de fato, no sentido de deixar de existir, somente no cristão. Por isso, as agonias de Adão são mais intensas na Igreja e têm que ser. O nosso Adão deve morrer no Calvário do mundo, deixando para trás suas inclinações perversas, sua razão, seus sentidos, suas carências, sua carne e seu fôlego. Ele todo deve ser reduzido ao nada. A morte tem que devorar até suas cinzas!
Alguém poderá dizer: Mas se Cristo nos representou na cruz, morreu por nós e matou a morte, qual a necessidade de nós também morrermos?
É que Cristo matou a morte, de maneira que hoje ela tem um fim. A morte infinita tornou-se finita ou a morte imortal tornou-se mortal. Porque para o ímpio a morte é um flagelo incessante e eterno.
A Quaresma irá começar na próxima semana e acho importante que reflitamos sobre este efeito do Batismo em nós: reduzir nosso Adão ao nada, aniquilá-lo, algo que não ocorre sem profunda dor.
O cristão é obrigado a renunciar a muitas coisas que são preciosíssimas ao homem: reputação, família, bens, inteligência, prestígio, tempo, conforto, motivações e a própria vida. Mesmo que seja rico, deve necessariamente viver como se fosse pobre. Ainda que tenha família, deve estar disposto a abrir mão dela, se necessário for. Se uma coroa está posta sobre sua cabeça, deve portar-se como se não conhecesse coroa alguma. Sendo inteligente, é tolo e deve ser tolo. Assim orou Ester:
"Tu conheces todas as coisas e sabes que odeio a glória dos ímpios, que me horroriza o leito dos incircuncisos e o de todo estrangeiro. Tu conheces o perigo por que passo, que tenho horror da insígnia de minha grandeza que levo em minha fronte quando apareço em público, o mesmo horror como diante de um trapo imundo, e não a levo nos meus dias de tranquilidade. Tua serva não comeu à mesa de Amã, nem apreciou os festins reais, nem bebeu o vinho das libações. Tua serva não se alegrou desde que veio para cá até hoje, a não ser em ti, Senhor Deus de Abraão".
Toda essa renúncia ou despojamento é morte, sem sombra de dúvida! Poderíamos viver tudo isso plenamente, como faz o mundo. Mas nenhuma dessas renúncias é nossa pior morte.
A pior morte que o cristão sofre é a perda desta vida, sem usufrui-la o quanto poderia, em nome de uma vida vindoura ou de uma verdadeira vida, que aos olhos da carne é apenas uma suposição. O cristão é obrigado a renunciar ao que vê em nome do que não vê. Isso é tremendamente angustiante! O cristão vive pobremente, tem e não tem, poderia, mas não faz, enquanto o mundo todo aproveita tudo o que existe com intensidade. O cristão é obrigado a negar sua carne, que não é diferente da carne dos ímpios, ser expectador da alegria e prosperidade alheias, porque este mundo não é seu lugar. Em outras palavras, o cristão troca o certo pelo duvidoso, o que é deveras a pior morte, a pior agonia que existe.
Que cristão nunca perguntou a si mesmo: Que estou fazendo com meu tempo, com minha vida? Deveria estar aproveitando o que este mundo me dá. Que cristão nunca foi tentado a pensar que está desperdiçando sua vida? Mas sente que sua morte é irresistível, que está crucificado para morrer de fato, até que a última partícula de Adão se dissolva. Não consegue descer da cruz e é motivo permanente de chacota.
Paralelamente à morte cristã, é claro que está a vida. Desde o Batismo o cristão começa a viver também. O problema é que trata-se de uma vida interior, que frequentemente não se sente, porque está no espírito, do qual não temos notícia alguma. Portanto, trata-se de vida oculta sob a carranca da morte. Essa vida é matéria de fé! Por isso, São Paulo declara: "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (...), visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé" (Romanos 1:16-17). Não há outro jeito! Somos obrigados a ver além da carranca da morte, o que é fé.
Ser cristão não é brincadeira! Professamos uma morte redentora não como ato pronto, mas como obra continuada, que continua em nós. O sacrifício de Cristo mereceu a nossa salvação, mas não nos exime de nosso sacrifício, não nos isenta de sofrer e morrer também. Percorremos o mesmo caminho de Cristo e cada um de nós terá que dizer um dia, com ele: "Está consumado!" Enquanto isso permanecerão a dor, as trevas, o medo, a solidão... e uma esperança, só a lânguida chama de uma esperança para nos encorajar em meio às trevas.
Dr. Martinho Lutero: "Diante disso, eu cometo a loucura de dar a minha opinião. Primeiro, é certo que a graça, isto é, a fé, a esperança e o amor não são infundidos se não for simultaneamente expulso o pecado, isto é, o pecador não é justificado se ele não for condenado; ele não é vivificado se não for morto; ele não ascenderá ao céu se não descer ao inferno, como toda a Escritura atesta. Razão pela qual, na infusão da graça, é necessário que haja amargura, tribulação, sofrimento, sob os quais o velho homem geme, suportando a sua iminente ruína com extremo pesar" (Trabalhos nos salmos, 1519-1521).
Que tenhamos todos uma Quaresma muito fecunda. Amém!
Dr. Martinho Lutero: "
No texto acima e em muitos outros, São Paulo trata diversas vezes do sofrimento cristão como sendo diferente e mais amplo que o sofrimento do mundo. O cristão sofre por ser cristão. Além de suportar todos os sofrimentos que afligem a humanidade, ele sofre na qualidade de cristão. Por isso, ser cristão não é fácil.
Fico pensando na falsa propaganda que existe acerca da vida cristã, como se fosse fácil. Não é, em absoluto! O cristão sofre muito mais que o não cristão.
Quando o homem é tornado cristão através do Batismo, ele entra numa etapa nova de existência, que é mescla de vida e morte. Muitos pensam que a crucificação cristã é simbólica, mas não é. O homem, quando é tornado cristão pelas águas do Batismo, é inserido no Cristo crucificado e é posto a morrer com ele. Essa morte é literal e contínua. Dessa maneira, ninguém sente mais a morte que o cristão.
Através de sua crucificação, o Adão que habita a Igreja é posto a morrer. Adão está sempre fadado à morte, mas é morto de fato, no sentido de deixar de existir, somente no cristão. Por isso, as agonias de Adão são mais intensas na Igreja e têm que ser. O nosso Adão deve morrer no Calvário do mundo, deixando para trás suas inclinações perversas, sua razão, seus sentidos, suas carências, sua carne e seu fôlego. Ele todo deve ser reduzido ao nada. A morte tem que devorar até suas cinzas!
Alguém poderá dizer: Mas se Cristo nos representou na cruz, morreu por nós e matou a morte, qual a necessidade de nós também morrermos?
É que Cristo matou a morte, de maneira que hoje ela tem um fim. A morte infinita tornou-se finita ou a morte imortal tornou-se mortal. Porque para o ímpio a morte é um flagelo incessante e eterno.
A Quaresma irá começar na próxima semana e acho importante que reflitamos sobre este efeito do Batismo em nós: reduzir nosso Adão ao nada, aniquilá-lo, algo que não ocorre sem profunda dor.
O cristão é obrigado a renunciar a muitas coisas que são preciosíssimas ao homem: reputação, família, bens, inteligência, prestígio, tempo, conforto, motivações e a própria vida. Mesmo que seja rico, deve necessariamente viver como se fosse pobre. Ainda que tenha família, deve estar disposto a abrir mão dela, se necessário for. Se uma coroa está posta sobre sua cabeça, deve portar-se como se não conhecesse coroa alguma. Sendo inteligente, é tolo e deve ser tolo. Assim orou Ester:
"Tu conheces todas as coisas e sabes que odeio a glória dos ímpios, que me horroriza o leito dos incircuncisos e o de todo estrangeiro. Tu conheces o perigo por que passo, que tenho horror da insígnia de minha grandeza que levo em minha fronte quando apareço em público, o mesmo horror como diante de um trapo imundo, e não a levo nos meus dias de tranquilidade. Tua serva não comeu à mesa de Amã, nem apreciou os festins reais, nem bebeu o vinho das libações. Tua serva não se alegrou desde que veio para cá até hoje, a não ser em ti, Senhor Deus de Abraão".
Toda essa renúncia ou despojamento é morte, sem sombra de dúvida! Poderíamos viver tudo isso plenamente, como faz o mundo. Mas nenhuma dessas renúncias é nossa pior morte.
A pior morte que o cristão sofre é a perda desta vida, sem usufrui-la o quanto poderia, em nome de uma vida vindoura ou de uma verdadeira vida, que aos olhos da carne é apenas uma suposição. O cristão é obrigado a renunciar ao que vê em nome do que não vê. Isso é tremendamente angustiante! O cristão vive pobremente, tem e não tem, poderia, mas não faz, enquanto o mundo todo aproveita tudo o que existe com intensidade. O cristão é obrigado a negar sua carne, que não é diferente da carne dos ímpios, ser expectador da alegria e prosperidade alheias, porque este mundo não é seu lugar. Em outras palavras, o cristão troca o certo pelo duvidoso, o que é deveras a pior morte, a pior agonia que existe.
Que cristão nunca perguntou a si mesmo: Que estou fazendo com meu tempo, com minha vida? Deveria estar aproveitando o que este mundo me dá. Que cristão nunca foi tentado a pensar que está desperdiçando sua vida? Mas sente que sua morte é irresistível, que está crucificado para morrer de fato, até que a última partícula de Adão se dissolva. Não consegue descer da cruz e é motivo permanente de chacota.
Paralelamente à morte cristã, é claro que está a vida. Desde o Batismo o cristão começa a viver também. O problema é que trata-se de uma vida interior, que frequentemente não se sente, porque está no espírito, do qual não temos notícia alguma. Portanto, trata-se de vida oculta sob a carranca da morte. Essa vida é matéria de fé! Por isso, São Paulo declara: "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (...), visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé" (Romanos 1:16-17). Não há outro jeito! Somos obrigados a ver além da carranca da morte, o que é fé.
Ser cristão não é brincadeira! Professamos uma morte redentora não como ato pronto, mas como obra continuada, que continua em nós. O sacrifício de Cristo mereceu a nossa salvação, mas não nos exime de nosso sacrifício, não nos isenta de sofrer e morrer também. Percorremos o mesmo caminho de Cristo e cada um de nós terá que dizer um dia, com ele: "Está consumado!" Enquanto isso permanecerão a dor, as trevas, o medo, a solidão... e uma esperança, só a lânguida chama de uma esperança para nos encorajar em meio às trevas.
Dr. Martinho Lutero: "Diante disso, eu cometo a loucura de dar a minha opinião. Primeiro, é certo que a graça, isto é, a fé, a esperança e o amor não são infundidos se não for simultaneamente expulso o pecado, isto é, o pecador não é justificado se ele não for condenado; ele não é vivificado se não for morto; ele não ascenderá ao céu se não descer ao inferno, como toda a Escritura atesta. Razão pela qual, na infusão da graça, é necessário que haja amargura, tribulação, sofrimento, sob os quais o velho homem geme, suportando a sua iminente ruína com extremo pesar" (Trabalhos nos salmos, 1519-1521).
Que tenhamos todos uma Quaresma muito fecunda. Amém!
Dr. Martinho Lutero: "
Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.
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