sábado, 23 de janeiro de 2016

CRIADOS PARA A LIBERDADE

"Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres? Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado. O escravo não fica sempre na casa; o filho, sim, para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (João 8:31-36).


O tema que venho desenvolvendo nestas últimas três postagens me é caríssimo: a liberdade. Eu sei o que é "obedecer" por medo de Deus e, principalmente, por medo dos homens. Cresci num ambiente extremamente legalista, onde até usar bermuda e jogar bola era pecado. Temia muito ser disciplinado, porque ali a disciplina é aplicada por motivos banais e funciona somente como punição vexatória. Portanto, sei bem o que significa "obedecer" por medo.
Há alguns anos me foi concedido ser livre e, desde então, mais e mais livre. Não pretendo impedir que Deus me liberte cada vez mais, profundamente, o mais profundamente possível, até o dia em que irei me encontrar com ele, absolutamente livre, no dia do Juízo.
O homem foi criado livre por Deus e continua sendo vocacionado à liberdade. Homem algum aceita a servidão pacificamente, a não ser que a desconheça. Quando Deus criou Adão e Eva, dotou-os de plena liberdade, de retidão original, de maneira que obedeciam a Deus com o coração alegre, espontaneamente, sem se preocupar com nada, sem regra alguma, sem lei exterior alguma, exceto aquela que os fez cair: comer do fruto do conhecimento do bem e do mal. Desde o momento em que desejaram para si o que é exclusivo de Deus, comendo desse fruto, o pecado entrou no mundo, juntamente com o diabo, pervertendo todas as coisas, a começar pelo próprio homem.
Depois do pecado, o homem foi profundamente corrompido por esse pecado, distanciando-se de Deus e fechando-se em sua morte imortal. Foi subjugado pelo pecado e por Satanás de tal maneira que não consegue fazer absolutamente nada sem pecar. Mesmo em suas melhores obras é rebelde e insolente. Não conhece mais a si mesmo e ignora sua escravidão, morrendo alienado de Deus e de si mesmo, sobretudo porque o conhecimento de Deus é imprescindível para o conhecimento de nós mesmos. 
Eu tenho uma calopsita aqui em casa. Ela acha que é livre. Seu mundo se restringe a uma sacada e sala de estar. Ela desloca de um canto ao outro livremente e parece não sofrer privação alguma, embora haja um imenso mundo lá fora, do qual não terá notícia nunca. Assim se tornou o homem: escravo do pecado sem saber que é escravo. Quando o homem foi entregue ao poder de Satanás, a primeira coisa que este provocou foi a alienação da mente humana, fazendo-a desconhecer seu jugo. Assim, ninguém se rebela contra a situação atual, por desconhecê-la, e vive sua pseudoliberdade de maneira arrogante.
Então Jesus ensina: Quem comete pecado é escravo do pecado. Os fariseus se sentiam libérrimos espiritualmente. Embora estivessem padecendo o jugo romano, consideravam esse jugo somente corporal, jamais espiritual, porque se sentiam preferidos de Deus e obedeciam sua Lei de maneira excelente, segundo julgavam. Também não queriam um Messias que os libertasse espiritualmente, já que isso não era necessário, mas só exteriormente. Este é o pensamento humano em seu melhor estilo: sou livre por natureza. Somente jugos externos, impostos pela sociedade ou pela religião, sujeitam-me. Então se voltam contra a religião, condenando-a de escravizar as consciências, como muitos hoje em dia fazem com a chamada "moral católica". Não entendem que a escravidão vem de dentro, não de fora. A escravidão vem do pecado e do reino satânico.
A calopsita pode viver feliz sem saber de sua prisão. No entanto, o homem sempre se inquieta com sua situação, porque embora desconheça o pecado e a escravidão que ele provoca, sente-se incompleto, vazio e limitado por sua indigência, sendo obrigado a admitir que nem toda opressão e jugo é exterior. Isso porque o homem foi criado livre e traz consigo a memória da liberdade. Carregamos conosco um ideal de liberdade que nos causa tristeza irremediável. Não somos livres, queremos ser e sabemos que a liberdade plena não é possível, não só por causa da sociedade e religião, mas por causa de nós mesmos. 
Toda a pregação de Jesus é liberdade. Ele veio para nos libertar, primeiramente da culpa e da consequência do pecado, depois de sua realidade na vida humana. Jesus se tornou obediente por mim, padeceu a consequência de meu pecado, morreu a minha morte, depois matou a própria morte, amarrou Satanás e exaltou-me à destra de Deus. Hoje ele me liberta da realidade empírica de meu pecado, vencendo-o em mim, de maneira que a libertação do pecado não seja um evento futuro, mas cotidiano, contínuo, iniciado no Batismo e com término agendado para o Último Dia. Jesus quer que eu veja, que eu sinta minha liberdade!
Essa liberdade vem dele, não de nós. Não é por minha sabedoria que irei me libertar, mas através da Verdade, que é Jesus, Deus amoroso que se tornou homem para libertar o homem e exaltá-lo acima de todas as coisas. Por isso é dito: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará"
A fé é a única maneira de conhecer a Verdade. Não espere isso de sua razão, porque ela só sabe das coisas sensíveis, foi corrompida pelo diabo e não quer a Verdade, senão a sua verdade, porque ela é "conhecedora do bem e do mal", ela é deus! A razão humana recusa ajuda. Então a fé é a única maneira de o homem apreender a Verdade e ser liberto por ela. Se você não crê, peça a Deus essa fé ou a busque, porque há Promessa para isso: "Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração" (Jeremias 29:13).
A fé é o feliz retorno ao livre-arbítrio do Éden. A fé na Verdade é libertadora, porque sabe que a dívida do pecado foi cancelada e porque atua em nossa vontade, fazendo com que ela encontre alegria na obediência, não na rebeldia. O prazer do homem descrente está na rebeldia contra Deus, até mesmo quando faz o bem, porque até aí quer ser Deus e busca sua própria glória. A fé, no entanto, transforma nossa vontade, de maneira que esta se volte para Deus e nele encontre alegria, paz e destino. A fé transforma todas as coisas em meios para se chegar a Deus. A fé santifica tudo, porque enxerga Deus através de todos os muros existentes. 
Para a fé não pode haver regra exterior. Mesmo as regras exteriores são muros que nos separam de Deus. A fé atua pelo amor, somente por ele, exclusivamente por ele, passando por cima de qualquer regra, mas nunca errando. Assim se expressa S. Paulo: "Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor" (Gálatas 5:6). 
Com base nisso, poderia até parafrasear o que Jesus disse: Conhecereis o Amor, e o Amor vos libertará.
Por outro lado, a insistência em regras é, para o cristão, um retrocesso muito triste à servidão. Quando deixo a liberdade que a fé em Cristo me proporciona e volto-me a regras: não brincar no domingo, não ouvir música na quaresma, jejuns obrigatórios, comprimento e obrigatoriedade da saia, não usar bermuda, orar somente de joelhos, não cortar o cabelo, não deixar a barba crescer, não comer sangue, não comer carne, não tomar café, não consumir bebida alcoólica, não assistir à televisão, ficar de repouso no sábado, dar o dízimo de cada centavo que entra na conta bancária, etc. Quando me volto a essas regras, estou me afastando de minha fé, que consiste no amor à Verdade, tudo fazendo ou deixando de fazer espontaneamente, arrebatada e impelida por esse amor, e volto-me para fora, para minha realidade empírica de pecado e cativeiro. Em outras palavras, volto à escravidão dos sentidos, que me quer afastar da Verdade e sujeitar-me ao que meus olhos podem ver: regras e a santidade produzida por elas. São Paulo chama essa realidade exterior de "rudimentos do mundo" (Colossenses 2:8).
Tenho por mim que não há sofrimento maior a um cristão que estar sujeito a regras, tentando se satisfazer com elas. Ele sabe que o homem está cativo pelo pecado, sabe que a Verdade, ou seja, Cristo, é a liberdade real, mas não consegue se relacionar com a Verdade. Sabe que é pobre, que um tesouro existe, mas perdeu o mapa para chegar até ele. Antes estivesse fora da Igreja e das regras, quando estava completamente alienado acerca de seu estado e, por isso, ainda conseguia sorrir um pouco.
São Paulo nos adverte: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão" (Gálatas 5:1). 
Todavia, o cristão que já aprendeu que a liberdade da fé é incompatível com regras não deve achar que está completamente livre. Também não quero vender este peixe a quem não é cristão. Eu mesmo me sinto ainda muito preso e há muitas amarras que terão que ser soltas, embora não por mim, mas por Deus. É que a libertação do cristão ocorre no tempo e fora dele: eternamente, através de Cristo, e no tempo, através de mim. Há uma liberdade eterna, que já está pronta, e uma libertação temporal, que é um projeto. Como cristão que crê na Verdade e é liberto por ela, confesso que estou sendo liberto e, se digo que sou livre, não o digo de maneira arrogante, como os fariseus e o mundo o fazem, mas com base na liberdade eterna, na qual creio.
Sejamos vigilantes e não permitamos que as amarras permaneçam, muito menos busquemos novas amarras, novas formas de enredar a consciência e ficar mais presos ainda. Jesus nos vocaciona à liberdade absoluta.



Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


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