quinta-feira, 11 de junho de 2015

SACRAMENTO DA UNIDADE




"O cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão com o sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão com o corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós formamos um só corpo, embora sejamos muitos, pois todos participamos do mesmo pão (1 Coríntios 10:16-17).

Aprecio muito esse texto bíblico. É impressionante a capacidade que S. Paulo tinha de exprimir com poucas palavras realidades tão complexas. Seus textos são assim: curtos e densos. Veja que em somente dois versículos ele apresenta de maneira muito abrangente e completa todo o mistério da comunhão dos santos, sobre a qual os cristãos escrevem textos enormes, sem chegar aos joelhos dessa percepção. 
Aqui S. Paulo nos ensina que a cristandade é una ("um só corpo") porque participa do mesmo pão. Esse pão do qual o cristão participa não é um pão espiritual, mas pão material, que é partido e comido. Esse pão não é comunhão com a divindade isolada de Cristo, porque não há Cristo puramente divino em lugar algum. Esse pão não é comunhão apenas espiritual de Cristo, porque S. Paulo nos deixa claro que é comunhão do "corpo" de Cristo.
Entretanto, não é propósito de S. Paulo defender, neste texto, a presença real do corpo e do sangue de Cristo. Aliás, ele não se dispôs a provar isso em texto algum. Tal realidade é para S. Paulo muito óbvia em seu conceito e muito inacessível em seu conteúdo. Qualquer pessoa que se propuser a explicar a presença real de Cristo na Eucaristia age de maneira desrespeitosa e não chegará a lugar algum, senão a uma opinião. A ênfase de S. Paulo está na realidade espiritual desse sacramento. É o sacramento da unidade, que nos torna "um só corpo". Quando recebemos o corpo e sangue de Cristo, nós recebemos Cristo inteiro, com tudo o que ele possui. Recebemos suas honras, sua glória, seus méritos, sua ressurreição, mas também sua desonra, seu vexame, seus pecados e sua morte. 
É que não podemos dissociar Jesus Cristo de sua Igreja. Ela é o corpo espiritual de Cristo (1 Coríntios 12:27) e noiva dele (Apocalipse 21:2). Tudo o que é da Igreja pertence a Jesus Cristo: suas dores, suas tristezas, sua vergonha, seu pecado. Tudo o que é de Jesus pertence à Igreja: sua alegria, sua paz, sua santidade. É impossível receber o corpo e sangue de Cristo sem receber com eles tudo o que Cristo contém. Portanto, quem participa do corpo material de Cristo igualmente participa de seu corpo espiritual, que é a comunhão dos santos, a Igreja. É assim que a participação material de Cristo nos conduz à sua participação espiritual. Como afirmou S. Paulo: "Ou não sabeis que o homem que se une à prostituta forma um só corpo com ela? Porque, como se diz, serão os dois uma só carne. Mas aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele" (1 Coríntios 6:16-17). 
Dias atrás, antes de comungar, lembrei-me de irmãos nossos que estão comungando o mesmo corpo e sangue de Cristo em acampamentos de refugiados. Estava eu disposto a comungar a dor e vergonha deles, juntamente com o Senhor? Será que eles estão comungando nosso amor, nosso pesar e nossas orações? Descobri, então, que nem a presença física me aproximaria mais de sua realidade do que participar do corpo e sangue de Cristo. Se estivesse fisicamente entre eles, eu sentiria sua dor e vexame, o que me levaria somente à solidariedade. É provável que OS ouviria com pesar, choraria e oraria COM ELES. Quando, porém, eu participo do corpo e sangue de Cristo, eu recebo a dor deles, mastigo-a, engulo-a, de maneira que ela se torna parte de mim. Não é mais dor alheia, mas dor muito minha. É claro que minha consciência não irá perceber isso, porque a comunhão é espiritual. Meu espírito é que sente essa dor e clama por socorro.
Ao participar do Senhor, lembro-me também dos santos que estão no Céu, ressurretos e plenos. É possível a mim comungar hoje a alegria deles, sua santidade e sua paz? Pois na comunhão, ao receber o corpo e sangue de Cristo, eu os recebo em mim, como e bebo sua excelsa realidade, para que se torne minha realidade também. Destarte, meu espírito é retirado de seu abatimento e consolado por esse indizível prazer.
É por isso que deixo o altar feliz e saciado, porque meu espírito recebe não só a dor atual da cristandade inteira, como o júbilo da cristandade redimida de seu pecado. Ora, a alegria da cristandade redimida sobrepuja infinitamente a sua dor atual, por mais que ela seja oprimida, humilhada e escorraçada pelo mundo. É por isso que a Eucaristia sempre nos fortalece e nunca voltamos para o assento prostrados. Nela, a vida sempre prevalece sobre a morte.
Quão sublime é esse sacramento! Muitos contextos, porém um só. Muitos sentimentos, porém um só. Muitas opiniões, porém uma só. Sacramento eterno, que me comunica não somente a realidade presente, mas a passada e a futura também. Sacramento que é benefício pessoal, encontro meu com Jesus, mas igualmente benefício coletivo, que nos reúne em um só pão.
Embora eu aprecie os diferentes nomes que foram dados a esse sacramento: Santa Ceia, Eucaristia, Sacramento do Altar ou simplesmente "Sacramento", o que mais me comove é o nome "Comunhão". É o pão que nos faz comungar fardos, alegria e lágrimas. Comunica-nos dádivas e dores, sendo pão ao mesmo tempo doce e amargo. É o pão da esperança, da dor e da luta, que irá nos manter unidos até o dia em que toda lágrima será enxuta. Então não haverá mais comunhão de pecado e dor, nem os sinais serão necessários, porque então "veremos face a face". No entanto, para todo o sempre, a comunhão de Cristo será a comunhão dos santos. Hoje essa comunhão se dá por sinais e pela fé, através do sacramento, tendo como obstáculo nossa carne, com sua individualidade. Amanhã, ela será face a face, sem carne e, portanto, sem necessidade de fé, pão e vinho. Então não mais seremos, porque Cristo será tudo. Ao mergulharmos no olhar bondoso de Jesus, deixaremos de ser realidades individuais, para nos tornarmos uma só realidade com ele. É difícil imaginar tal coisa, mas o sacramento da Comunhão me faz vislumbrar tudo isso.
Concluo com Dr. Martinho Lutero: "Neste sacramento, portanto, a pessoa recebe, através do sacerdote, um sinal certo da parte do próprio Deus de que, dessa forma, ela é unida a Cristo e a seus santos, participando de todas as coisas, de modo que o sofrimento e a vida de Cristo, bem como os de todos os santos, passam a ser dela própria (...). É para nos fortalecer e animar (...) que Deus nos dá esse sacramento, como se estivesse dizendo: "Olha, muitos são os pecados que te atribulam; toma este sinal, com o qual te afianço que o pecado atribula não somente a ti, mas a meu filho Cristo e a todos os seus santos no céu e na terra. Por isso, não percas o ânimo e fica confiante; não estás lutando sozinho. Ao teu redor há muita ajuda e assistência" (Um sermão sobre o venerabilíssimo sacramento do santo e verdadeiro corpo de Cristo e sobre as irmandades).


Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.


  

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