quarta-feira, 10 de agosto de 2016

ANDO COM SAUDADES...

Em dias tão especiais como o de hoje - Sexta-feira Santa e também Páscoa e Natal, meu coração transborda de saudades do meu pai. Já são 26 anos sem ele mas ainda posso ouvir sua voz cantando com vigor a liturgia especial para estes dias. E os enormes olhos azuis, ah aqueles lindos olhos azuis que me faziam amá-lo ou sentir medo, dependendo da ocasião e do que eu havia aprontado. Porque ele tinha excelente pontaria, tanto com um chinelo como com um abraço apertado.
Todo pai é um herói para o seu filho e comigo não foi diferente. A diferença é que, em vez de uma macacão azul e uma capa vermelha, meu pai usava um talar.
Não foi um homem de posses mas teve a oportunidade de fazer um curso superior para realizar o sonho de ser pastor. Casou-se com a mulher que lhe roubou o coração através de um hino que ela cantou. Conforme ele, nunca havia ouvido voz tão linda. Precisou namorar com ela durante os 46 anos em que estiveram casados porque, dizia ele, não pode fazê-lo no curto período de 5 dias entre conhecê-la e ir para o seu local designado depois de formado. Era comum ver seus bilhetes carinhosos para ela, colados nas paredes e espelhos de casa. 
Não era médico mas sabia fazer curativos e pontos falsos em minhas feridas e cortes como nenhum outro. Em momentos de dor ele segurava minha mão e dizia baixinho: já vai passar filhinha, já vai passar. Em momentos em que minha vida correu perigo, ele sentou-se ao lado da minha cama hospitalar, deitou a cabeça sobre minha mão e ficou quieto por um longo tempo. Eu sabia que ele estava orando e isso me acalmou.


Não era professor mas foram horas e horas me ensinando doutrina Bíblica para que eu pudesse depois transmitir aos meus alunos de Escola Dominical. E as nossas conversas à mesa, durante as refeições, sobre política, assuntos gerais, história e suas histórias de vida... me ensinou a amar música enquanto eu crescia e ele ouvia seus discos de Bach, Beethoven, Haendel, tchaikovscky, grandes corais... sábados à noite, antes de eu ir dormir, era sagrado deixar um bule de café pronto e um pote de pudim de chocolate para ele, que invadia a madrugada preparando e estudando o sermão (ou prédica) do dia seguinte.
Foi rígido em me disciplinar, não poupando a régua ou o chinelo quando necessário. Conforme fui adquirindo idade, suas atitudes e exemplos consolidaram seus ensinamentos em minha vida. Viveu exatamente aquilo que pregou.
Me deu segurança. Eu sabia que, não importava o tamanho do meu medo, ele estaria lá, me esperando para me admoestar, dar colo e me perdoar. Me ensinou sobre a esperança quando os dias eram turbulentos e escuros. Nos deixou muito cedo. Aos 69 anos um tumor cerebral galopante nos separou. Ele não deixou herança material. Deixou uma ordem amorosa e sábia, que só poderia vir de um homem que viveu sua vida a pregar o evangelho de Cristo: "continuem firmes na fé em que fostes batizados! Se o pai não voltar, vocês sabem onde me encontrar!"

Autoria: Eunice Hasse (Kuki)

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