sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O MONERGISMO E OS SACRAMENTOS - PARTE 3


Para fins didáticos, vou abordar somente os sacramentos que constam da Confissão de Augsburgo, ao analisar a problemática do sinergismo nos sacramentos. Repito que não concordo com a Confissão de Augsburgo ao estabelecer três sacramentos, por não haver respaldo bíblico para isso. Minha convicção é que toda obra verdadeiramente cristã é sacramento. Mas para fins didáticos, irei discorrer sobre os três sacramentos citados ali: Batismo, Eucaristia e Penitência. 
O Batismo é obra de Deus. Somos batizados em sua Promessa: "Quem crer e for batizado será salvo" (S. Marcos 16:16). A eficácia do Batismo ocorre em nossa vida quando cremos na Promessa: "Quem crer e for batizado será salvo". Distanciamo-nos do Batismo e tornamo-lo ineficaz quando descremos nessa Promessa. A Promessa vem de Deus, assim como a fé nessa Promessa. Em nada contribuímos para que o Batismo seja Batismo. A essência dele está na fé, que é dádiva e milagre de Deus.
Então devemos olhar para alguns costumes que introduzem o sinergismo no Batismo, obscurecendo a graça de Deus. Por exemplo, muitos afirmam que crianças não podem ser batizadas, pois são incapazes de crer. Somente adultos, que podem crer, devem receber o Santo Batismo. Bem, se fé é obra exclusiva de Deus em nós, não podemos condicionar essa obra de Deus a uma incapacidade nossa, pois Deus é o Deus dos incapazes. Não só as crianças são incapazes de crer, como adultos também. Ninguém tem condições de crer. No entanto, os "impossíveis dos homens são possíveis a Deus" (S. Lucas 18:27). É Deus quem opera a fé no coração humano, tanto em adultos quanto em crianças, sem qualquer colaboração nossa. Isso é monergismo! A partir do momento em que condicionamos a eficácia do Batismo à profissão de fé do adulto, estamos colocando uma obra nossa, que é a capacidade intelectual de professar a fé, como colaboradora na eficácia do Batismo. Então deslizamos da justificação somente pela fé e do monergismo para a justificação por obras e para o sinergismo.
Quanto à Eucaristia, detectamos o sinergismo em pelo menos três situações. Na primeira, a Igreja colabora no sacrifício de Cristo com os seus próprios sacrifícios. Então a Eucaristia se transforma em sacrifício de obras, em Lei. Na segunda, a Igreja realiza a Eucaristia através do ministério. O poder conferido ao presbítero de "oferecer sacrifício na Igreja pelos vivos e pelos mortos" colabora com Deus para validação da Eucaristia. De acordo com essa opinião, somente o presbítero pode consagrar a Eucaristia devido a um poder que lhe foi conferido, por ocasião de sua ordenação. Então o presbítero se torna peça-chave para que a Eucaristia suceda. Sem esse poder é impossível que haja verdadeira Eucaristia. Na terceira, o homem colabora com a validade da Eucaristia através do "discernimento do corpo de Cristo" (1 Coríntios 11:28-29), entendido erroneamente como compreensão intelectual do que ocorre na Eucaristia, razão pela qual as crianças são excluídas do sacramento. Somente quem está na "idade da razão" teria condições de participar dignamente do sacramento, considerando que é necessária a capacidade de intelectualmente discernir o corpo de Cristo.
Nós, luteranos, confessamos que o próprio Cristo consagra os elementos eucarísticos e os distribui, através do homem investido do ministério. Cristo opera o sacramento por meio do ministério da Igreja e não em virtude da pessoa. O ministro não tem poder algum que lhe permita consagrar os elementos. Cristo poderia muito bem usar qualquer cristão para consagrar os elementos e distribuí-los. Entretanto, ele se serve do ministério por uma questão de ordem e decência (1 Coríntios 14:27-28). Cristo não quer que todos preguem. Ele não quer que todos ministrem os sacramentos. Então, por uma questão de ordem e decência na Igreja, ele designou para isso o ministério. Mas não conferiu a esse ministério um poder especial de sacrificar. Isso é invenção dos homens.
Que a Igreja não pode auxiliar o sacrifício de Cristo com os seus próprios sacrifícios e méritos, isso é por demais evidente. A Igreja não tem qualquer mérito além dos de Cristo, também é incapaz de oferecer a Deus qualquer sacrifício, exceto o louvor. Cristo realizou a obra expiatória sozinho, sem participação ativa da Igreja. A participação da Igreja no sacrifício de Cristo é absolutamente passiva
Por fim, crianças podem participar da Eucaristia. Não há qualquer impedimento bíblico quanto a isso. Quando S. Paulo diz: "Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si" (1 Coríntios 11:28-29), ele não está condicionando a eficácia da Eucaristia à capacidade intelectual de confessar o que nela ocorre. Ele está claramente denunciando abusos cometidos contra o sacramento, decorrentes de impiedade. Ele ameaça com o juízo de Deus todos os incrédulos que participam da Eucaristia. Ora, as Escrituras nos ensinam que as crianças creem, mesmo não tendo condições intelectuais de confessar sua fé (Salmo 22:10; São Mateus 18:6). Ao nos ensinar que devemos ser como as crianças para entrar no Reino de Deus, Jesus nos revela que as crianças creem até mais que os adultos (S. Lucas 18:17), sendo-lhes modelo. Portanto, não há impedimento bíblico para admissão de crianças ao Sacramento do Altar. Ao ser questionado quanto a se mudos podiam participar da Eucaristia, Lutero deu a seguinte resposta: "De São Cipriano, o santo mártir, lemos que permitiu que se desse a crianças ambas as espécies, em Cartago, quando era bispo; mesmo que agora esse [costume] tenha se perdido por outros motivos. Cristo ordenou que as crianças viessem até ele, não permitiu que alguém as impedisse; da mesma maneira, não negou seu benefício a mudos, cegos ou coxos. Por que seu sacramento não deveria ser dado também àqueles que o desejam de coração e cristãmente?" (Um Sermão a respeito do Novo Testamento, isto é, a respeito da Santa Missa). Veja que Lutero é favorável à inclusão de deficientes físicos à Eucaristia e cita a participação digna de crianças como argumento. A admissão de crianças à Eucaristia é um costume da Igreja antiga, preservado até hoje pelas igrejas orientais. Ir contra essa tradição inevitavelmente resultará em sinergismo. 
O Sacramento da Penitência consiste, de acordo com a tradição da Igreja, em três obras: contrição, confissão e satisfação. Contrição é a tristeza da alma provocada pelo pecado. Confissão é a enumeração dos pecados ao ministro. Satisfação é a pena eclesiástica prescrita ao penitente, para que este repare o seu erro, aprenda com ele e para testar a sinceridade de sua contrição. Quando não bem compreendidas, essas três obras deixam de ser expressão receptiva da fé para se tornarem obras ativas da Lei, por meio das quais se pretende colaborar com Deus na remissão dos pecados. 
Na contrição, o sinergismo acontece quando se exige determinado grau de tristeza por parte do penitente. Isso é causa de profunda incerteza, porque nunca teremos condições de saber se estamos suficientemente contritos para obtenção do perdão. Quando se sujeita o perdão à contrição, a alma não pode mais confiar na Promessa de Deus: "tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus" (S. Mateus 18:19). Ela terá que confiar na qualidade da contrição, o que é muito perturbador. 
Na confissão, o sinergismo ocorre quando se condiciona o perdão do pecado à sua nomeação ao ministro. Então é necessário que uma das duas coisas aconteça: terei de empobrecer meu conceito de pecado, de maneira a considerar pecado somente o que é feito conscientemente contra a Lei, à maneira dos judeus e muçulmanos, ou entrarei em desespero, nunca achando que confessei todos os pecados, com risco de não ser perdoado. 
Na satisfação, o sinergismo se dá quando o homem se sente merecedor do perdão por meio do cumprimento de alguma obra da Lei. Justificação por obras! Judaísmo do começo ao fim. É com base na satisfação que a Igreja de Roma inventou os méritos supererrogatórios.
Percebemos então que os sacramentos só serão sacramentos quando forem monergistas. Permanecerão sacramentos em sua natureza, em si mesmos, mas deixarão de ser sacramentos para mim se não houver em mim a fé que vem de Deus. Não a fé intelectual ou histórica que eu mesmo posso fabricar, mas a fé que vem de Deus, o milagre que nos salva. 
É Deus quem dá o Evangelho, a fé no Evangelho e a Justiça da fé. É Deus quem dá o sacramento. Não produzo o sacramento, nem mesmo a Igreja. É Deus quem o produz e dá, sem mim. A mim cabe recebê-lo em fé.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.