terça-feira, 13 de setembro de 2016

O MONERGISMO E OS SACRAMENTOS - PARTE 2


O maior perigo oferecido pelo sinergismo, que o torna inaceitável, não é a questão filosófica envolvida. O maior perigo do sinergismo está no fato de ele ser incompatível com a doutrina da justificação somente pela fé, sem as obras da Lei. Quando alguém se propõe a manter a justificação somente pela fé sem abrir mão do livre-arbítrio, inevitavelmente transforma a fé em obra humana. Então o homem não é mais justificado por uma obra de Deus, mas por uma obra sua ou parcialmente sua. Aprendi com a Lei que qualquer coisa do âmbito espiritual que depender de mim, ainda que parcialmente, está fadada ao fracasso.
A questão da justificação somente pela fé é gravíssima. Lutero, com toda a propriedade, reiteradas vezes afirmou que se o homem for justificado por obras, mesmo que por uma só! a Igreja já não é Igreja, mas sinagoga. Já não haverá diferença entre um cristão, um judeu e um muçulmano. Por isso, a doutrina da justificação somente pela fé, sem as obras da Lei, é a doutrina mais importante do cristianismo, que devemos defender, se preciso for, com o nosso sangue. Por essa doutrina todo cristão tem que empenhar-se até o martírio, não havendo nada mais importante no cristianismo que ela. 
Como ensinou S. Paulo, quem deseja ser justificado por uma obra da Lei terá que, necessariamente, cumprir a Lei toda (Gálatas 5:3). Ele clama: "De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na Lei; da graça decaístes" (Gálatas 5:4).
Uma vez estabelecida na mente de todos a diferença entre monergismo e sinergismo, bem como a incompatibilidade entre fé e sinergismo, é hora de ir ao ponto: os sacramentos.
Os sacramentos estão intimamente ligados à justificação somente pela fé. Não posso falar de sacramentos sem falar de fé no Evangelho. Os sacramentos são fé real no Evangelho. Através deles, a fé deixa de ser especulativa para tornar-se realidade. Lutero ensinou que não somente a Eucaristia, Batismo e Penitência são sacramentos, mas tudo aquilo que torna nossa fé real, como perdoar ao próximo e orar. Para ele, toda obra verdadeiramente cristã é um sacramento. Tudo aquilo que faço por fé no Evangelho é sacramento. Tudo aquilo que transforma a fé especulativa em realidade é sacramento. Tudo aquilo que obriga a fé a deixar de ser conceitual é sacramento. É dessa maneira que entendo o Baptismus sanguinis, em que a obra do martírio é um verdadeiro sacramento ou Batismo, pois, por meio do martírio, a fé no Evangelho se torna real. Lutero: "Pois aí não está esquecida a fé; ele toma essa obra [perdoar ao próximo] e a dota de uma promessa, de modo que se poderia chamá-la com boa razão de sacramento para fortalecer a fé (...). Da mesma forma, também nossa oração, como obra nossa, nada valeria nem efetuaria qualquer coisa; o que, porém, a faz [valer e efetuar algo] é o fato de ela ter seu mandamento e promessa, de modo que também pode muito bem ser considerada um sacramento, mais obra divina do que obra nossa (...). Ora, Deus nos apresentou diversas maneiras e caminhos para nos apropriarmos da graça e do perdão dos pecados. Em primeiro lugar, o Batismo e o Sacramento [do altar], depois, (como acabamos de expor) a oração, depois, a absolvição e, neste caso, o perdão, para que estejamos abundantemente providos(...). Como poderia Deus ter-nos agraciado mais ricamente do que pendurando em nosso pescoço um Batismo tão comum, inserindo-o no Pai nosso, Batismo este que cada um encontra em si próprio ao orar e perdoar a seu próximo?" (Dr. Martinho Lutero, Prédicas Semanais sobre Mateus 5-7, Tradução: Ilson Kayser). Portanto, a essência de todo sacramento é a fé no Evangelho, na Promessa de remissão gratuita dos pecados. A fé no Evangelho constrói os sacramentos.
Se a essência dos sacramentos é a fé no Evangelho, toda vez que um sacramento é espoliado da fé, perde sua essência e deixa de ser. Como a fé é obra exclusiva de Deus em nós, não sendo, sob hipótese alguma, uma obra nossa, somos obrigados a igualmente confessar que um sacramento não pode depender de nós para ser o que é. É Deus que estabelece o sacramento ao nos dar o Evangelho e ao nos conferir a fé nesse Evangelho. Sem Deus, não há Evangelho, nem fé, mas apenas Lei, pecado e perdição. Logo, o sacramento deve ser entendido no contexto do monergismo, caso contrário não é sacramento, mas obra humana, obra da Lei e perdição eterna.
Ah, então vocês, luteranos, são favoráveis à doutrina romana do ex opere operato, que ensina serem os sacramentos sempre eficazes, independentemente da fé de quem o oficia e de quem o recebe? Bem, somos favoráveis a metade da afirmação. Acreditamos que o sacramento é efetuado por Deus através do ministério, através da pessoa investida do ministério, e não em virtude da pessoa. É por isso que muitos ímpios haverão de dizer a Jesus, no Dia do Juízo: "Senhor! Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em seu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?" Ao que Jesus responderá: "Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade"(S. Mateus 7:22-23). Por meio do ministério de Judas Iscariotes, Deus pregou, batizou e curou. Então Deus salva até por meio de ímpios, servindo-se do ministério da Igreja. Entretanto, sem fé por parte de quem recebe o sacramento, não pode haver eficácia alguma, pelo simples motivo que o sacramento é fé concreta no Evangelho. Eu posso ter o próprio Cristo diante de mim, mas se não crer nele, de nada ele me valerá. Em outras palavras, o Evangelho é eficaz em si mesmo, mas não no incrédulo. Também as boas obras, que são sacramentos diários, não têm valor algum e são pecados mortais quando praticadas sem fé no Evangelho. São Paulo chama de condenação e veneno a Eucaristia que é consumida sem fé (1 Coríntios 11:28-30).
Resumindo: o sacramento é fé concreta no Evangelho. O Evangelho vem de Deus, assim como a fé. A essência do sacramento é fé. Não havendo fé, não há sacramento, mas impiedade. Veja então que sacramentos, justificação somente pela fé e monergismo são doutrinas que se pertencem.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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