domingo, 7 de maio de 2017

QUE HONRA LUTERO GOSTARIA DE RECEBER?

Estamos chegando aos 500 anos de reforma da Igreja e o nome de Lutero não para de ser mencionado e exaltado. Mas que tipo de louvor Lutero gostaria de receber? Esse é o tema da reflexão de hoje.
Na Europa e em todo o mundo, Lutero vem sendo exaltado como aquele que trouxe ao mundo um novo pensamento, um pensamento progressista, que retirou a Alemanha da posição periférica que ocupava até então. Louvam-no como aquele que transformou o pensamento e a cultura do povo ocidental, fazendo-o progredir. Atribuem a ele o enorme desenvolvimento cultural e econômico dos países que adotaram a fé protestante, dentro e fora do continente europeu. Mas será que isso é fato e, em sendo verdade, era esse o tipo de honra que Lutero gostaria de receber?


O mundo não consegue encontrar em Lutero outro motivo de louvor, porque está tão profundamente secularizado, distante de Deus, imerso em si mesmo, tão materialista, que não consegue enxergar qual o real motivo da reforma desencadeada por ele. No entanto, nós somos Igreja e somos convidados a uma análise melhor e espiritual do que aconteceu, porque nisso que aconteceu está o espírito da reforma, que há muito se perdeu.
É verdade que os países que adotaram a fé protestante avançaram muito cultural e economicamente. Mas não só países que adotaram a fé protestante tiveram esse avanço; França, Itália, Bélgica e Espanha também. Por outro lado, é fácil detectar que esse imenso avanço cultural e econômico foi acompanhado de um progressivo declínio moral, de maneira que hoje a sociedade europeia está profundamente secularizada, esqueceu-se de Deus e só se lembra do cristianismo quando vê um muçulmano. Aborto legalizado, clínicas de suicídio assistido, eutanásia, xenofobia, nazismo e tantas outras misérias assolam essa Europa tão rica e progressista, que somos obrigados a pensar: então Lutero contribuiu para que isso acontecesse também? Esta, inclusive, é a principal crítica dos romanos à reforma desencadeada por Lutero, e eles têm razão.
É importante que situemos Lutero para entender melhor o que aconteceu no mundo após ele. Lutero viveu numa época em que avançava o humanismo, aquilo que se supunha ser o renascimento do homem. Também nessa época a burguesia crescia juntamente com os centros urbanos. O poder econômico e político estava sendo desviado da aristocracia rural para a classe média urbana. Como consequência de tudo isso, as universidades ganhavam espaço na sociedade. Também ali estava a imprensa, que facilitava a expansão do conhecimento. Como era de se esperar, houve um inusitado crescimento científico.
Paralelamente a isso, a descoberta das Américas e sua exploração cruel trouxe muito dinheiro à Europa. Uma época de vacas gordas para muitos!
Na sequência, as monarquias começaram a ser criticadas, assim como a Igreja de Roma, que também é uma monarquia. Caminhou-se para uma desmistificação do poder secular como representação de Deus. Aliás, tudo o que é absoluto começou a ser questionado. Daí Deus foi desbancado de seu trono e, no lugar dele, o povo europeu colocou todas as suas conquistas: dinheiro, conhecimento e poder.
Desde então, tudo parece que avançou. De repente se viu que a retirada de Deus promoveu o homem, ao ponto de se pensar que a Idade Média foi a Era das trevas. Somente luz a destruição de Deus trouxe ao mundo. Entretanto, nunca o mundo foi tão cruel e imoral! Nunca o homem foi tão triste e espiritualmente miserável.
Esse processo descrito acima também ocorreu em algumas colônias europeias, como, por exemplo, nos Estados Unidos, que se tornaram o protótipo do progressismo evangélico.
Ao ver toda esse cenário, que é lindo do ponto de vista material, mas grotesco do ponto de vista espiritual, bem poderíamos perguntar se esta profecia de S. Paulo não está se cumprindo: "Quando andarem dizendo: Paz e segurança, eis que lhes sobrevirá repentina destruição, como vêm as dores de parto à que está para dar à luz; e de nenhum modo escaparão" (1 Tessalonicenses 5:3). 
Como localizar Lutero em meio a tudo isso? De fato, é um louvor infundado este que é dedicado a Lutero e a outros teólogos da época, como João Calvino. É certo para mim que todo esse progresso material que enxergamos em alguns países do mundo teria ocorrido com ou sem a presença de Lutero. Também é triste quando buscamos a glória da reforma da Igreja nessas mesquinharias do mundo!
Não à toa muitas igrejas evangélicas apresentam uma ênfase totalmente mundana e materialista ao seu discurso, pois afinal muitos pensam que Lutero desencadeou uma reforma cultural do mundo. De repente toda a espiritualidade de muitos que se dizem herdeiros da reforma se restringe à prosperidade material, à cura de enfermidades físicas e ao progresso intelectual do homem. Não há quase espaço algum para se falar em temas tão enfatizados por Lutero, sobretudo a justificação somente pela fé. 
O que devemos perguntar, ao celebrar estes 500 anos de luteranismo, é o seguinte: O que teria acontecido ao mundo se Lutero não houvesse existido? Ao responder essa pergunta, chegaremos à alma da reforma.
Se Lutero não houvesse existido, Alemanha e outros países teriam avançado cultural, científica e economicamente do mesmo jeito. Se Lutero não houvesse existido, a Igreja ocidental se esfacelaria do mesmo jeito. Se Lutero não houvesse existido, o mundo cristão se esqueceria de Deus e haveria de apostatar da fé do mesmo jeito. Manhattan brilharia do mesmo jeito, se Lutero fosse extirpado da história. Nada disso que envaidece o mundo deixaria de existir se Lutero houvesse sido executado após a dieta de Worms. Portanto, o mundo e sua glória poderiam muito bem se esquecer de Lutero, sem que lhe fossem injustos.
Então o que teria acontecido se Lutero fosse apagado da história? A resposta é a seguinte: milhares de milhares de almas teriam perecido sem salvação, sem nunca jamais ter conhecido um Deus misericordioso. Aqui está de fato a contribuição de Lutero ao mundo e aqui é o local onde está situada a alma da reforma.
O mundo não tem condições de compreender isso. Mas quem já se viu no dilema de ter perante si um Deus irado sabe bem o que estou dizendo. Quem já se viu no sofrimento de buscar a justificação através da observância da Lei, espremendo de uma lei outras vinte. Quem antes vivia como escravo e não como filho de Deus, sem nunca ter certeza da salvação, entende bem o papel de Lutero na história humana. 
Aquele que, antes de Lutero, pensava: Se eu morrer hoje será que serei salvo? tem melhores condições de entender o que estou registrando aqui. Quem antes achava que para ser servo de Deus era necessário viver orando, dedicar-se ao ministério da pregação, caso contrário estaria vivendo uma vida profana, entende bem isso. Ou que era necessário ter uma vida santa e consagrada para ser usado por Deus. Quem já foi acusado de falta de fé por causa de uma enfermidade física, também entende. Quem já correu atrás da intercessão dos santos por ter medo de Deus, também. Quem já andou atrás de pastores com unções especiais e poder de cura também pode dizer algo a respeito.
Enfim, quem já pensou que a disposição de Deus para conosco depende de nossa disposição para com ele entenderá a relevância de Lutero. Todas essas pessoas - dentre as quais eu me incluo - teriam perecido sem salvação se não fosse esse homem de Deus.
A relevância de Lutero e o verdadeiro motivo pelo qual ele gostaria de ser louvado está no fato de não ter guardado para si o que descobriu, antes expôs-se ao risco de morte e até hoje é duramente difamado por ter compartilhado com a humanidade tudo isso. É dessa maneira que nós, como Igreja liberta da Lei de Moisés e de imposições humanas, temos condições de agradecer a Lutero e honrá-lo nestes 500 anos de luteranismo.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.



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