sábado, 29 de julho de 2017

EUCARISTIA É UM SACRIFÍCIO?

Dando seguimento à reflexão anterior, reafirmamos que somos católicos. Não no sentido de sermos romanos, porque ser católico não é ser romano. Somos católicos porque entendemos que a pregação da Palavra não começou com Lutero, mas muito antes, desde Adão. Cremos que foi por meio do ministério da Palavra que Moisés, por exemplo, tomou conhecimento de tudo o que aconteceu desde a criação do cosmos até seus dias. A própria Bíblia é fruto da pregação da Palavra, o mais excelente. O que não aceitamos é a carne do ministério da Palavra, o catolicismo carnal ou falso catolicismo, que quer estatuir contra a Palavra de Deus. Pelo contrário, queremos purificar nosso catolicismo de tudo isso. O catolicismo tem de ser bíblico!
Assim ensina S. Paulo: "Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja maldito" (Gálatas 1:8). Veja que ele se desautoriza a pregar contra a Palavra de Deus, bem como a todos os outros apóstolos e anjos do céu. De maneira que se um Pai da Igreja, um doutor, um anjo vindo do céu, a própria Virgem Maria, qualquer criatura linda que nos apareça, se ela vier com alguma Palavra que contradiga a doutrina da fé, estamos autorizados a dizer: "Arreda de mim, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus e sim das dos homens" (S. Mateus 16:23). 
Lutero ensina que, no mundo, devemos nos atentar primeiro a quem diz, depois ao que é dito. Mas na Igreja, o contrário deve ser feito: devemos nos atentar primeiro ao que é dito, depois a quem diz, porque nenhum pregador está livre da carne e das tentações do demônio. Se nem S. Pedro esteve livre da carne, não devemos esperar isso de ninguém e manter a Palavra de Deus como padrão de toda a verdade. Cristo nos adverte dos falsos cristos (S. Mateus 24:24), porque o demônio tenta os pregadores ao erro e muitas vezes logra êxito.  
Mas hoje iremos falar sobre a visão eucarística de Lutero e sua relação com o catolicismo tradicional. Veremos um exemplo de como Lutero usa a Palavra de Deus como faca afiada para desossar o catolicismo.
Primeiro, Lutero mantém a presença substancial de Cristo na Eucaristia, porque a Palavra de Deus é clara a esse respeito. Ele ensina que Cristo está no pão e no vinho substancialmente, da mesma forma como esteve no ventre de Maria, na manjedoura e na cruz. Cristo diz: "Isto É o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim" (S. Lucas 22:19). Não é por uma questão de bom senso que devemos estatuir uma alegoria aqui. Se fôssemos nos guiar pelo critério do bom senso, Cristo com certeza haveria de se desencarnar e a Trindade haveria de se fragmentar em três deuses. Se o bom senso fosse nosso mestre, iríamos nos tornar todos arianos. 


Lutero também não coloca a humanidade de Cristo no Céu, mas na destra de Deus, em todo lugar onde Deus está. Isso não é ubiquidade do corpo, como alguns afirmam, mas onipresença. Cristo é verdadeiro homem e sua humanidade é idêntica à nossa, não é onipresente em si mesma. Mas como na pessoa de Cristo a humanidade está fundida na Divindade, ela compartilha dos atributos de Deus e torna-se onipresente. É uma visão bíblica da pessoa de Cristo: "Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés" (Salmo 110:1). Aqui Lutero também é católico, pois essa interpretação herdamos dos Pais. 
Segundo, Lutero mantém a substância do pão e do vinho, em obediência à Palavra de Deus. São Paulo diz que o pão partido é a comunhão do corpo de Cristo, assim como o cálice abençoado (1 Coríntios 10:16). A ideia de transformação do pão em corpo e do vinho em sangue não tem respaldo escriturístico. O pão não se transforma em corpo, mas é a comunhão do corpo. O vinho não se transforma em sangue, mas é a comunhão do sangue. 
A ideia de transformação gerou um novo culto na Igreja, que é a adoração ao Santíssimo Sacramento. Por causa disso, Lutero teve de recorrer às Escrituras contra os Pais. Quando os Pais pregaram sobre a transformação, com certeza não previam que um dia esse ensino, aparentemente inofensivo, haveria de subsidiar a prática de um culto estranho.
São Paulo afirma que o pão que PARTIMOS é a comunhão do corpo de Cristo. Com base nessa Palavra, o pão é o corpo de Cristo apenas durante o rito eucarístico. O mesmo podemos afirmar acerca do cálice. No entanto, não devemos tratar esse pão e vinho consagrados como pão e vinho comuns, pois se tornaram sagrados quando foram retirados do uso comum para se tornarem Templo do Senhor. Por esse motivo, Lutero proíbe misturar hóstias consagradas com hóstias não consagradas.
Terceiro, Lutero se opõe à ideia de sacrifício para expiação de pecados. Desde os primórdios, como verificamos na Didaqué, a Igreja compreende a Eucaristia como sendo um novo sacrifício, o sacrifício da Nova Aliança. De acordo com os Pais, um sacrifício de louvor, com o qual se bendiz a Deus pelo dom da salvação. Depois, degenerou-se a um sacrifício expiatório, muito semelhante aos sacrifícios dos judeus. 
Aqui jaz uma enorme dificuldade em distinguir Lei e Evangelho. Pois Deus é compreendido como um juiz severo, irado contra nossos pecados, que precisa ser apaziguado por uma obra ou por um sacrifício. Isso gerou uma série de abusos, sobretudo as missas privadas e as missas pelos mortos. Novamente, os Pais não foram capazes de prever as consequências de seu ensino.
A Eucaristia não é uma obra humana pela qual nos tornamos dignos de algo. Ela é uma obra de Deus! É Deus quem efetua a Eucaristia em nós. Nossa participação é passiva ou receptiva, como bem nos demonstram a Virgem Maria e S. João ao pé da cruz. A fé não executa nada, mas somente recebe a misericórdia de Deus. 
Lutero então chega à compreensão que só há um tipo de sacrifício que a fé pode prestar: o sacrifício de louvor. Como diz a Palavra: "Acaso, como eu carne de touros? Ou bebo sangue de cabritos? Oferece a Deus sacrifício de ações de graças" (Salmo 50:13-14). A postura da fé em receber e dar graças é o verdadeiro sacrifício que Deus requer. Mesmo os judeus piedosos, quando ofereciam uma vítima a Deus por seus pecados, não tinham a intenção de apaziguá-lo, mas criam em sua misericórdia e a louvavam. Toda vez que um judeu piedoso sacrificava, ele o fazia em respeito à Palavra de Deus, numa atitude de adoração e louvor. Ele não tinha outra intenção senão a glória de Deus. 
Os judeus ímpios, por sua vez, prestavam sacrifício de obras com o intuito de pacificar a Deus. Eles acreditavam que Deus estava irado e que o sangue do animal sacrificado iria acalmá-lo. Infelizmente, por melhor que tenha sido a intenção dos Pais, a ideia de sacrifício deu margem a essa mesma impiedade. Portanto, a ideia de sacrifício não foi inofensiva e não tem respaldo bíblico algum. Os judeus ímpios ao menos tinham a Palavra de Deus, mas nós não, o que agrava o pecado.


Quando Cristo ordena: "Fazei isto EM MEMÓRIA DE MIM" (S. Lucas 22:19), ele estabelece um sacrifício de louvor aos crentes. Ele quer que o façamos não por medo, ou para obter bens temporais ou eternos, mas EM MEMÓRIA DELE. Isso significa que devemos partir o pão e beber do cálice por estima e amor a Deus, confiantes em sua misericórdia, e não com o intuito de pacificá-lo. A palavra escolhida por Cristo quer suscitar em nós profundo respeito, amor, intimidade e confiança, pois memória é algo que fazemos em relação a quem amamos muito. Ele poderia ter dito apenas "fazei isto", mas quis estimular em nós o amor e a intimidade filiais.

"Pois não serás condenado ou salvo pela doutrina de alguém outro, seja ela verdadeira ou falsa, mas somente por tua própria fé. Portanto, cada qual ensine o que quiser, a ti, porém, compete observar se o que crês te resulta em supremo perigo ou benefício" (Lutero, Como Instituir Ministros na Igreja).

Autoria: Carlos Leão.
Imagens extraídas da internet. 

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