sábado, 18 de abril de 2015

UMA SÓ DOR



"Da multidão dos que creram era um só o coração e a alma" (Atos dos Apóstolos 4:32).
Como já afirmei em outra ocasião, ser cristão não é acreditar numa filosofia ou adotar para si um certo padrão moral. Ser cristão é mergulhar em Cristo, fazer parte dele LITERALMENTE e tornar-se um cristo para este mundo perverso.
A Santa Igreja Católica é um só organismo com Cristo, com um só coração e uma só alma. Onde houver um cristão sofrendo no mundo, ninguém que pertence à Igreja poderá dizer que está em paz. Pelo menos não deveria.
A Igreja corporal, tal como a vemos, está toda fragmentada, infelizmente. A Igreja espiritual, porém, sabemos que é una com Cristo. Nela não há qualquer divisão.
Algo, porém, profetiza a unidade da Igreja, que o mundo não vê, nem nós, senão pela fé. É quando ocorrem perseguições abertas contra pessoas de qualquer religião cristã. Então nos esquecemos imediatamente de nossas diferenças e nos solidarizamos com nossos verdadeiros irmãos. Quando aqueles cristãos coptas foram executados por militantes do Estado Islâmico, houve comoção generalizada entre os crentes em Cristo, como se não houvesse divisões entre nós, como se todos nós fôssemos também coptas. Em situações como essa, surge no coração de todos nós, que vivemos em Cristo, uma indignação que extrapola a simples comiseração pela tragédia alheia. É uma indignação mais forte, de natureza espiritual, contra uma ofensa dirigida a nós mesmos, que nos força às lágrimas e às súplicas, que vai além do humanitarismo. Então deixamos de ser vários e nos tornamos um só povo.
Quero hoje meditar sobre as palavras de Cristo na cruz. Nós já estamos crucificados com ele e não há como voltar atrás. Iremos morrer com ele, envergonhados, nus, feridos e desamparados. Para cada um de nós, a crucificação será padecida de um jeito.
A cruz é o lugar dos cristãos, enquanto permanecermos neste mundo. A nossa crucificação é nosso maior testemunho. Sim, o mais poderoso e eficaz.
As seis horas de agonia de Cristo são a nossa vida terrena. As palavras proferidas por ele, enquanto estava pregado na cruz, são as nossas palavras, sempre que somos perseguidos na qualidade de cristãos. Peço a Deus que os mártires deste século encontrem nelas consolo e força. Amém!

"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lucas 23:34).

Nós, cristãos, somos ultrajados o tempo inteiro. Somos nada diante do mundo. Seres desprezíveis, ignaros, que o mundo despreza como verdadeira escória. Que é a morte de cristãos para o mundo? Nada! Exemplo é o genocídio que está ocorrendo na Nigéria, Síria e Iraque, que parece invisível ao mundo. 
Quem haverá de dar valor a um povo pacífico, que prega a paz, que renuncia à sua própria defesa, que perdoa quem o ofende, que não proclama seus feitos, que trabalha somente na escuridão e no anonimato, que existe como se não existisse?
Quão desprezível Jesus deve ter parecido às autoridades judaicas e romanas ao pedir a Deus que as perdoasse. Uma das maiores fraquezas para o mundo é perdoar. Pior ainda é perdoar quem não se arrepende.
Perdoar quem nos pede perdão exige menos de nós, porque nos sentimos superiores diante da humilhação alheia. Mas perdoar quem nos humilha, não se arrepende e está disposto a fazer de novo a mesma coisa é sofrer humilhação dobrada. Nós sofremos a humilhação e voltamos a sofrê-la, quando deixamos de lado a ofensa e buscamos a reaproximação.
Na verdade, o mundo não sabe o que está fazendo. Se soubesse o quanto deve a nós, cristãos, certamente nos trataria como príncipes. Deus ainda não destruiu este mundo perverso por causa de sua Igreja. Nós somos os dez justos, por amor dos quais Deus prometeu não destruir Sodoma e Gomorra (Gênesis 18:32).
O mundo não sabe o que está fazendo. Quando despreza milhões de cristãos, está desprezando milhões de vezes a sua visitação pelo próprio Deus (Lucas 10:16). Silencia a única voz que lhe pode trazer esperança e salvação. O mundo deseja paz, mas a única mensagem de paz que existe ele faz questão de calar. Recusa o único remédio que pode curá-lo. Afinal, que poderia vir de bom de pessoas tão desprezíveis, tolas e fracas? 
Não devemos olhar para essa cegueira com vaidade, mas com profundo pesar. Se o mundo trata como ignorância a verdadeira sabedoria e como perdição a única salvação, então ele é digno de nossa profunda compaixão, que nos deve impelir repetidas vezes ao perdão.

"Tenho sede" (João 19:28).

Aqui está nosso pedido de socorro. 
Privados de tudo, até do que é mais essencial. Privados dos filhos, da honra, do bom nome, seguimos sem nada, como se não tivéssemos Deus.
Aliás, é assim que o mundo enxerga os cristãos: como povo sem Deus. Porque um mundo terrivelmente materialista como o nosso não consegue enxergar a riqueza que nós temos, ainda que vivamos em favelas, presídios, guetos ou em campos de refugiados. Como não enxergam nosso bem interior, mas somente nossa carestia exterior, concluem que ninguém cuida de nós.
Esse bem inestimável que o mundo não vê, mas que todo cristão verdadeiro tem, é a fé. Essa fé é o nosso tesouro, nosso consolo e nossa paz.
Clamamos ao nosso Deus: "temos sede" ou "temos necessidades", porque sabemos que somos ouvidos. Não pedimos ao mundo que nos socorra e que nos atenda em nossas necessidades, mas a Deus. É ele quem sacia nossa sede.  Quem, porém, reparou na misericórdia de Deus que agiu através de alguém que molhou a boca de Cristo? Que miserável socorro é esse!
É esse o socorro que Deus nos dá, que o mundo não enxerga, porque é materialista demais para valorizar o consolo na hora da morte, o perdão dos pecados, o sentimento de pertença a Deus, o corpo e sangue de Cristo, a Palavra de Deus, o Espírito Santo, a paz de consciência e a esperança.

"Vendo Jesus sua mãe e, junto a ela o discípulo amado, disse: Mulher, eis aí teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua mãe"(João 19:26-27). 

Esse socorro invisível que nos vem é espiritual e individual, mas também material e coletivo.

Como Igreja, temos Deus, mas também temos uns aos outros. Ao pé da cruz não nos faltam amigos. Podemos estar passando por grandes aflições, mas não estamos sozinhos. 
A Igreja é uma família. Assim como há pequenas rixas entre irmãos, também há entre nós, mas em momentos de desespero, o amor prevalece.
Nem sempre podemos ajudar materialmente nossos irmãos que sofrem. Nós só podemos orar por eles. Mas quem disse que é pouca coisa orar?
O melhor cuidado que podemos ter uns pelos outros é orar, porque Deus nos ouve e atende. Quando oramos: "Livra-nos do mal", ele nos ouve e atende, trazendo livramento aos cristãos espalhados pelo mundo inteiro.
É importante que sirvamos uns aos outros com nossos bens. É dito que o discípulo amado, que sabemos ser S. João, recebeu a virgem Maria em sua casa como mãe e dela cuidou. São Paulo também pediu aos cristãos gregos que ajudassem seus irmãos de Jerusalém com seus bens. Mas não desvalorizemos o valor da oração, porque ela pode mais do que qualquer doação material que existe. 
Quando doamos algo que temos de sobra, estamos fornecendo um auxílio limitado. Quando oramos, estamos doando um auxílio infinito.
O mundo talvez perguntará: Que auxílio essas orações trazem a esse povo desgraçado?
Pois eu respondo: até a morte é um auxílio para o cristão. Que o mundo saiba disso. 

"Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lucas 23:43).

É assim que sempre nos consolamos. Não temos este mundo como pátria, mas passamos por ele, em peregrinação, rumo ao Céu. Este mundo é o nosso deserto.

Devemos sempre reforçar uns aos outros que estaremos um dia juntos no paraíso de Jesus.
Aqui quero falar da palavra amiga.
Deus nos socorre com bens espirituais, com orações e doações da Igreja, mas também com a presença de amigos que nos trazem conforto.
Quando nos sobrevêm desgraças, o mundo quer nos mostrar que não temos um Deus. O coração também desconfia do amor de Deus. É possível ter um Deus onipotente e estar padecendo tanto? 
É então que nos consolamos com a esperança do Céu. Tudo neste mundo é passageiro, inclusive os sofrimentos e também quem os inflige a nós. Deus, porém, permanece para sempre, junto com suas promessas. Não é mutável para deixar de nos amar. Não é mutável para revogar sua promessa.
Não esperamos nada de nós mesmos. Tudo esperamos de Deus.
Nossa salvação vem de Deus, que não muda diante de nosso fracasso e miséria pessoais.
Essas pessoas que estão morrendo por servirem a Cristo têm família, amigos e comunidade. De forma alguma lhes faltou a presença e o consolo de quem representa o amor e aceitação de Deus para elas. E onde não houve presença física, houve a lembrança, que também é um tipo de presença.

"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Marcos 15:34).

Este questionamento é um gemido de terror, produzido pelo embate interior entre os sentimentos de nossa carne e a fé de nosso espírito. Essa luta será sempre o nosso flagelo, enquanto peregrinarmos por este mundo.

É muito mais fácil acreditar na precariedade que se vê do que no bem que não se vê. É uma luta interior nossa, da qual ninguém pode participar. É a ausência, a incredulidade, medo, que não se apaziguam com conselho, presença física ou bens. Somente Deus pode fazer algo a respeito.
O progresso do ímpio e o fracasso dos crentes serão sempre motivo de terríveis embates íntimos. "Eis que são estes os ímpios. E, sempre tranquilos, aumentam suas riquezas. Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado" (Salmo 73:12-14).
É então que Deus nos vem socorrer com as lembranças de seu amor para conosco. Assim como abrimos álbuns de fotografia, quando sentimos saudade, Deus nos abre um verdadeiro álbum de fotografias, que registra momentos nossos de intimidade com ele. É então que, pelo testemunho dessas fotografias da alma, somos reconfortados. É uma história de amor, que hoje faz parte de nós. 
Para os cristãos, os momentos alegres servem a um único propósito: registrar em nossa memória o amor de Deus para conosco. Deus sabe que as aflições virão e que essa memória será nosso único consolo.
Cristo certamente se lembrou de toda a sua vida com Deus, em seus últimos minutos na cruz.
Por isso mesmo, teve forças para dizer suas últimas palavras:

"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lucas 23:46).


Que vivamos assim: entregues a Deus. Nosso maior consolo é não pertencermos a nós mesmos. Pertencemos a quem nos ama mais do que nós mesmos. Esse sentimento de pertença tem levado os mártires a desafiar o mundo e o diabo. Façam conosco o que bem quiserem, porque não pertencemos a nós mesmos, de maneira que possamos nos dar ou reter. Pertencemos a Deus e somente a ele. Também não queremos deixar de lhe pertencer!

A certeza de que somos de Deus e que ele nos ama mais do que nós mesmos é que nos mantêm firmes diante de nossos algozes. Se não soubéssemos que pertencemos a alguém tão amoroso, facilmente cederíamos, porque tememos a morte, como todo ser humano. Mas não é esse o caso.
Quem deseja o nosso mal, saiba que esta nossa confissão não irá mudar: Somos de Deus e quem nos faz algum mal, presta a ele um grande favor, assim como a moenda é muito útil ao dono do trigo.

A foto que ilustra esta publicação mostra cristãs armênias crucificadas no genocídio de 1915-1917.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.













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