sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

OS TRÊS USOS DA LEI

"Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Ele é como árvore plantada junto à corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido" (Salmo 1:1-3). 




Ao falar sobre Lei, é importante que se pontue que, para um luterano, a Lei é a Lei espiritual (Romanos 7:14), cumprida unicamente pelo amor (Romanos 13:8). Essa coisa de observar o sábado (ou domingo), proibir imagens e pagar dízimo não tem nada a ver com o povo cristão, que é um povo espiritual, nascido do Espírito, colocado longe dos rudimentos do mundo. A Lei é cumprida pelo amor e unicamente por ele. Portanto, ao invés de se desfazer das imagens, o cristão não idolatra. Ao invés de entregar o dízimo, ele é generoso. Ao invés de observar o sábado, ele dedica seu tempo a Deus. Não está preocupado em como evitar alimentos impuros, mas em como evitar a impureza. E assim por diante. Deus definitivamente não está interessado na circuncisão da carne, mas na circuncisão espiritual (Deuteronômio 10:16).
Pois bem, de acordo com a tradição luterana, baseada em S. Paulo, a Lei de Deus tem três usos: o civil, o teológico e o uso próprio dos regenerados.
O uso civil diz respeito ao princípio racional da moralidade, ao direito natural, à ética, que rege o comportamento de todos os homens, conduzindo-os à civilidade. Por isso, a temperança é virtude para qualquer povo de toda a face da terra, enquanto que a intemperança é uma desvirtude. Esse conhecimento da Lei é intrínseco da razão e todo ser humano faz uso dele, indistintamente. Para qualquer pagão, matar é crime e quem lhe informa isso é a razão, onde Deus semeou sua Lei (Romanos 2:15). Esse uso também existe no âmbito religioso, quando não há um entendimento espiritual da Lei, só o carnal, como entre os judeus, muçulmanos e entre cristãos fundamentalistas.  
O uso teológico não é obra da razão humana, mas de Deus. É quando o homem se sente profundamente pecador, quando é acusado por sua consciência e sente-se inimigo de Deus. A Lei mostra ao homem sua miséria, sua profunda maldade perante um Deus santo, que haverá de puni-lo, caso não se emende. O homem se sente assassino, ladrão, invejoso, adúltero, idólatra, embora não tenha infringido nenhuma lei civil e goze de boa reputação perante os homens. É nessa hora que também entram as religiões, tentando apaziguar as consciências aflitas. Entretanto, o único remédio para a alma que se encontra envergada pela culpa é o Evangelho, o Deus que promete remissão gratuita dos pecados a todo aquele que crê, que não é possível de se encontrar fora da Igreja.
O terceiro uso é o mais elevado de todos, mas diz respeito somente aos regenerados, ou seja, aos que creem no Evangelho. É o mais elevado não por ser o mais importante, mas devido ao fato de ser o uso que primeiro Deus estabeleceu. É o uso primordial da Lei, dado a Adão e Eva quando foram criados, dado aos anjos do Céu. É a base da soteriologia porque Cristo fez esse uso da Lei para salvar os homens. É o uso perene da Lei, que existirá para sempre no Céu. É espiritual por excelência, pois é inacessível ao arbítrio humano. O arbítrio humano decide ou não pelo primeiro uso da lei, mas não pode decidir-se pelo terceiro uso. O terceiro uso é dado por Deus juntamente com a fé.
Professamos que somos justificados pela fé. O que é ser justificado, de acordo com S. Paulo? É ser declarado justo por Deus. É quando Deus decide me declarar justo, cancelando minha dívida com ele e atribuindo a mim a justiça de Cristo. Deus diz ao que crê: "Você não tem mais qualquer pecado a partir de agora. Estou atribuindo a você a perfeita justiça de Cristo, como se fosse sua e de fato é sua, a partir de agora. É como se você mesmo tivesse agido com justiça e não Cristo. Então o que decido dar a Cristo darei também a você, pois agora vocês são uma única pessoa, uma só carne". Isso é a imputação de justiça que Deus soberanamente realiza em relação ao que recebe Cristo pela fé. Então a fé torna nosso o que seria exclusivo de Cristo, ou seja, a justiça. 
Mas ser justificado é ser justo. Deus não só declara o crente justo, como o torna justo, concedendo-lhe o Espírito Santo e, com ele, o amor, que cumpre a Lei. Então podemos dizer que o justificado é justo, o que equivale a dizer que o justificado é honesto, é veraz, é generoso, é temperante, é amável, é compassivo, e assim por diante. Ser justificado é ser! 
O terceiro uso da Lei está na natureza do regenerado. Não é passível de aprendizado e, como é algo que agora diz respeito à natureza, não pode ser deixado de lado. Eu posso abrir mão de agir com justiça, quando me atenho ao primeiro uso, mas não posso abrir mão de ser justo, porque isso seria abrir mão de ser quem eu sou. Quem é justificado e tem o Espírito Santo, ama e esse amor é uma condição definitiva. 
Então a Lei se torna, em seu terceiro uso, o caminho da plenitude, o caminho da bem-aventurança. No terceiro uso da Lei está a identidade humana, sua configuração com Cristo, sua configuração com o próprio Deus, do qual a Lei, em seu terceiro uso, serve como espelho: "Ser-me-eis santos, porque eu, o SENHOR, sou santo e separei-vos dos povos, para serdes meus" (Levítico 20:26). É assim que imagino a Lei, em seu terceiro uso: o espelho que reflete a justiça de Deus, que deve ser contemplada pelos homens e anjos não como regras a serem obedecidas, mas como sentido da vida. Esse reflexo de Deus não deve ser temido, mas buscado. É o que o salmista fazia, é o que Lutero fazia, quando usava o Decálogo como itinerário de oração. 
A Lei, em seu primeiro uso, sujeita-nos a regras exteriores, por meio das quais ela nos propõe uma justiça exterior. Em seu segundo uso, a Lei nos sujeita ao pecado e ao inferno, ao encher-nos de medo perante um Deus irado, e assim nos prepara para a recepção da graça. Em seu terceiro uso, a Lei nos liberta, dignifica, felicita e promove, ela nos plenifica e eleva ao Céu. É por isso que, sem sombra de dúvida, o uso mais elevado da Lei é o terceiro. 

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet.

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