domingo, 26 de março de 2017

SUBJETIVISMO DA FÉ VERSUS SUBJETIVISMO DAS OBRAS

"Nesta cristandade perdoa A MIM e a todos os crentes diária e abundantemente todos os pecados e, no dia derradeiro, ME ressuscitará A MIM e a todos os mortos e, em Cristo, ME dará a MIM e a todos os crentes a vida eterna. Isso é certissimamente verdade" (Catecismo Menor de Martinho Lutero). 




Embora a palavra fé seja usada como sinônimo de crença, perseverança e até doutrina, para Lutero fé é a firme confiança na misericórdia de Deus.
A fé que salva não se dirige à Lei, não deposita sua confiança nela, visto que a Lei não salva ninguém. Quem dirige sua atenção à Lei, debruça-se sobre ela e busca viver de acordo com ela, é a razão, não a fé.
A fé tem por objeto a misericórdia de Deus. Ela confia no Deus que aceita, que perdoa e que salva, independentemente de nosso fazer. Por outro lado, ela desvia o olhar do Deus que exige o cumprimento da Lei, que ameaça e pune. Portanto, é necessário divisarmos bem Lei e Evangelho, o Deus que exige do Deus que dá, para que compreendamos o objeto de nossa fé.
A Lei é muito lógica e apreciada pela razão. Entendemos que Deus é santo, exige santidade, pune os pecadores e que é necessário viver retamente. A compreensão da Lei em uma dimensão mais profunda requer a assistência do Espírito Santo, mas é uma atividade puramente intelectual.
No entanto, para compreender a misericórdia de Deus, que é sumamente ilógica, não temos o auxílio da razão. A compreensão da misericórdia de Deus requer a fé. Portanto, não é cristão ainda quem crê na Lei, pois isso não nos distingue dos judeus, mas só é cristão quem crê na misericórdia de Deus. De maneira que a misericórdia de Deus ou Evangelho é o distintivo cristão. E não há nenhuma religião não cristã que ensine ser Deus misericordioso e gratuito.
Mas Lutero destaca um outro aspecto da fé: ela é pessoal. Não basta eu decorar que Deus é misericordioso, acreditar que ele age com misericórdia, mas que ele é misericordioso COMIGO. Só crê de fato quem confia que Deus lhe é misericordioso, favorável, que perdoa seus pecados e que o salva. Aqui a fé luta contra qualquer evidência e contra a razão.
Alguém poderá dizer: Deus é misericordioso para com todos. De repente essa pessoa cai em pecado e começa a pensar que Deus não mais se agrada dela, que está irado contra ela e que agora boas obras serão necessárias para reatar a amizade. Essa pessoa não está crendo que Deus lhe é misericordioso. Ele pode ser misericordioso com os outros, mas não com ela. Ele pode ser misericordioso com quem tem obras, mas não com quem tem pecado. Isso definitivamente não é o agir da fé, mas da razão.
Crer é confiar que Deus é misericordioso COMIGO. Que apesar de meus pecados, eu não preciso fugir dele, como fizeram Adão e Eva, mas que posso me aproximar dele com confiança, pois ele me perdoa e isso independentemente do meu fazer. Não é minha penitência que moverá o seu coração. Não é a reparação de meu erro que o fará me amar de novo. Ele me ama e isso é uma condição imodificável. Quanto maior minha miséria, maior será sua misericórdia e isso é algo mais exato que a matemática. Por mais que isso soe absurdo à minha razão, deverei confiar nisso e só assim estarei crendo e serei cristão.
Curiosamente, o cristão surge não em meio à tranquilidade da santidade, mas em meio ao tumulto do pecado. De sorte que sem pecado não haveria cristianismo. 
Somos então criticados de subjetivismo. Se fé é a confiança que Deus é misericordioso comigo, então a fé é algo subjetivo e duvidoso, pois essa confiança pode ser fabricada por mim. 
Conforme exposto, a razão confia nas obras, não na misericórdia de Deus. Eu posso até criar uma confiança na misericórdia de Deus, mas quando eu cair em pecado é certo que ela me faltará, pois não é razoável que Deus simplesmente perdoe, sem exigir nada em troca, nem mesmo a reparação.
Se o que Lutero propõe é subjetivismo, certamente ele é melhor que um outro subjetivismo: o das obras. Quando sujeito o perdão de Deus ao meu fazer, é inevitável que eu estabeleça o quanto devo fazer e isso é um subjetivismo cruel. Conviverei com a dúvida, pois nunca terei certeza absoluta que fiz o suficiente por merecer o perdão de Deus e a salvação.
Se o que Lutero propõe é subjetivismo da fé, considero-o muito superior ao das obras. O primeiro subjetivismo me apresenta um Deus que me ama e que me inspira amor, enquanto que o segundo me apresenta um Deus irado e que me provoca medo. Sou da opinião que é melhor não ter Deus algum que ter um Deus amedrontador e talvez por isso muitos hesitam em vir à Igreja.

Autoria: Carlos Alberto Leão.
Imagem extraída da internet. 



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